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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

"Há tempo substituí a prece pela sabedoria filosófica. Nossos mortos deveriam ser lembrados não com orações, mas com lições sobre o bem viver. Aos que pranteiam a morte de um ente amado, deveriam ser oferecidas lições sobre o saber morrer. Que a sabedoria filosófica esclareça nossos enterros" (BAR)

                                


                                               Nossa mortalidade

A mãe que abraça a seu filho com o apego próprio de quem ama profundamente deve saber e aceitar que a quem está abraçando deve, necessariamente, morrer. É no amor e no cuidado que pressentimos a necessidade da perda. Lei inexorável: o que nasce tem de perecer. “Erras se pensas que apenas na navegação a vida se distancia pouco da morte: em todo lugar essa distância é tênue. A morte não se mostra em todos os lugares, mas em todos os lugares ela está próxima” (Sêneca).
Vivemos sempre na iminência da morte. Mas nosso estado habitual é o da negação dessa iminência. Saber que compartilhamos com os outros um mesmo destino determinado desde nosso nascimento não é ainda estar absorvido na angústia dessa iminência. A angústia em face da irrupção inesperada do Nada, do Irremediável, do Abismo intransponível permanece em sono profundo no homem do cotidiano. Mas eis que a proximidade da morte de um ente querido irrompe na estrutura nebulosa de nossas vivências ordinárias para sentirmos nossa constituição fisiológica estremecer, nosso corpo latejar e se lembrar de sua inerente impermanência. E com abissal clareza nosso espírito apreende-se como uma totalidade orgânica também perecível. Sentimos o desamparo, o abandono; experienciamos na profundidade sem fundo de nosso ser nossa impotência em face do Inevitável. E que não haja um após, uma possibilidade de reencontro, de retorno, de transfiguração no Eterno, que a vida seja nada mais do que um intervalo de um espetáculo do Acaso, um hiato entre dois nadas, que sejamos apenas “defuntos adiados”, é isto que parece à maioria dos homens intolerável. Que a vida seja um empréstimo de um Credor inquebrantável e pontual, que a vida não passe de um sintoma do Nunca Mais é isto que os apavora, enquanto permanecem ignorando que o morrer é seu modo de ser.


“É preciso, enfim, que a morte triunfe, pois lhe pertencemos pelo próprio fato do nosso nascimento, e ela não faz senão brincar com a presa antes de devorá-la” (Schopenhauer)

“Deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que te admires, durante toda a vida se deve aprender a morrer” (Sêneca).




"O tempo da vida humana: um ponto. Sua substância: um fluxo. Suas sensações: trevas. Todo o seu corpo: corrupção. Sua alma: um remoinho. Sua sorte: um enigma. Seu renome: uma cega opinião. Resumindo, tudo, em sua matéria: precariedade. Em seu espírito: sonho e fumaça. Sua existência: uma guerra, a etapa de uma viagem. Sua glória póstuma: esquecimento. Que nos pode então servir de guia? A filosofia, apenas isso".

(Marco Aurélio - Meditações, p. 25)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

“O homem quer ser um deus com o equipamento de apenas um animal, e por isso vive de fantasias” (Ernest Becker)


  
                                O engano contra o desespero
  textos que nos ensinam e textos que, nos ensinando, nos impressionam. Um exemplo desta espécie de texto é o capítulo O caráter humano como mentira vital, que se topa no livro A negação da morte – uma abordagem psicológica sobre a finitude humana (2012), de Ernest Becker. Ao cabo da leitura deste capítulo, apressei-me em anotar os tópicos que me pareceram mais relevantes à produção deste texto, cujo propósito é despertar reflexões no leitor sobre a condição humana a partir da compreensão do caráter como uma “mentira vital” forjada por cada um de nós para suportar a realidade da vida. O núcleo da discussão empreendida pelo autor é justamente a natureza e a função do caráter. É, portanto, na base da consideração dessa ficção psicológica que começarei a apresentar as teses defendidas pelo autor.
Além de fomentar reflexões, espero também conseguir despertar no leitor o interesse por ler o livro de Becker, cujo tema diz respeito ao absurdo da existência humana que abriga o saber sobre sua própria finitude. Não escapamos ao fato da morte; mas também não deveríamos continuar a nos furtar a meditar seriamente sobre ele.
É necessário, antes de levar a efeito meu empreendimento, explicitar algumas noções de psicologia que são caras ao entendimento satisfatório da abordagem da condição humana feita pelo autor. A primeira noção é a de Mecanismos de defesa. Os mecanismos de defesa são recursos utilizados pela mente neurótica (todos somos neuróticos em alguma medida) com o objetivo de lidar com a realidade, evitando, assim, a dor e a ansiedade. Há uma série de mecanismos de defesa. Escusar-me-ei de citá-los. Importa ter em conta, no entanto, a ideia de que esses mecanismos nos capacitam a nos furtar ao conhecimento consciente da natureza mesma da realidade. Eles nos “protegem” contra a visão aterradora da verdade da realidade.
A segunda noção importante é a do Princípio de realidade, cunhada por Freud. O princípio da realidade diz respeito à difícil tarefa do eu na busca por adaptar-se à realidade, atendendo aos imperativos do superego, sem, contudo, desagradar ao id (instância da energia dos desejos). O princípio de realidade permite ao indivíduo a distinção entre o mundo interior à psique e o mundo exterior. Ele repousa sobre a percepção sensorial e sobre a motricidade.
Outras duas noções importantes são a do eu (ego) e a de caráter. O eu é um gestor, pois que lhe cabe regular as relações entre a pessoa e o meio social em que vive (mas não é o senhor de sua “casa” (mente), pois que muitos pensamentos que se formam no espírito escapam ao seu controle). Ele é o centro de referência para todas as atividades psicológicas. Ele enfeixa uma individualidade. Sua construção se dá nas relações necessárias com o outro – relações, é preciso frisar, significativas -, o que significa dizer que o outro nos inculca significados. O que somos é resultado de uma construção simbólica na interação (pela linguagem) com os outros. Por isso, o “eu” se constrói na relação com o outro. Na verdade, a construção do eu e do eu-outro se dá numa relação simbólica mútua, de tal modo que um eu se constrói constituindo o eu do outro e por esse eu-outro é constituído. Creio ser conveniente aqui referir um trecho em que Becker justifica sua crença em que nós somos naturalmente covardes, por razões que ficarão claras no decorrer desta exposição. O trecho ajuda-nos, como se lerá, a entender como o “eu”, que experienciamos como uma realidade concreta, se constrói:

“Certa vez, escrevi que achava que a razão pela qual o homem era tão naturalmente covarde era que ele sentia não ter autoridade, e a razão de ele não ter autoridade estava na própria maneira pela qual o animal humano é formado: todos os nossos significados nos são inculcados pelo lado de fora, pelas nossas relações com os outros. É isso que nos dá um “eu” e um superego. Todo nosso mundo de certo e errado, bom e mau, nosso nome, exatamente quem somos, tudo isso é enxertado em nós”.
(...)

(p. 72)

O social constitui-nos no âmago do ser. A questão do ego envolve a problemática em torno da distinção, válida para alguns autores, entre o ego ideal, que totaliza as qualidades boas e positivas que introjetamos de nossos pais e da sociedade, e o superego que introjetaria os elementos punitivos e severos, e se limitaria a controlar os impulsos. Tal distinção não nos interessará aqui. Importa-nos, no entanto, reconhecer que cada um de nós é um estranho em relação a si mesmo. A realidade mesma de próprio eu é inacessível e seu conhecimento depende de uma profunda interiorização e autoconhecimento, para o qual o indivíduo não se demonstra normalmente inclinado.
Finalmente, a noção de caráter é, em psicologia, entendida como um sinal que permite identificar a natureza de uma coisa. É empregado como sinônimo de personalidade, mas de um modo mais restrito. Ao contrário da personalidade, que abriga uma totalidade que se constitui de impulsos, ideias, afetos, defesas, aptidões, talentos, comportamento social e reações, o caráter diz respeito apenas àqueles aspectos da personalidade que individualizam as pessoas umas em relação às outras. (v. Dicionário Técnico de Psicologia, 2006).
Creio estamos em condição para começar a acompanhar o desenvolvimento do texto de Becker, segundo a proposta de leitura de que este texto que ora escrevo é expressão.
“O caráter é uma mentira vital” (p. 76). É uma mentira que forjamos para conseguir suportar a nossa própria condição humana e a realidade do mundo. Segundo o autor, vivemos mentindo para nós mesmos e mentindo sobre o mundo. Ignoramos quem somos, porque nos esquivamos ao autoconhecimento, e ignoramos a verdade do mundo. Leia-se a concepção de caráter do autor, explicitada abaixo:

“(...) o caráter de uma pessoa é uma defesa contra o desespero, uma tentativa de evitar a loucura, devida à verdadeira natureza do mundo”.

(p. 89)
(ênfase no original).

De que verdade sobre o mundo se trata? O autor nos é claro em vários momentos e trarei à cena as palavras dele. Podemos, contudo, hipotetizar a respeito dessa verdade. A mais evidente é a verdade de sua própria contingência (um mundo criado do nada, que poderia nunca ter existido). A segunda verdade é a sua clara hostilidade. Deixemos, por ora, a questão da verdadeira natureza do mundo, a fim de acompanharmos com atenção o modo como as questões são apresentadas e tratadas pelo autor.
Nós, seres humanos, ao contrário do que sucede com os animais, não dispomos de instintos que nos preparam para todos os atos de sobrevivência. O mundo do animal não lhe coloca desafios aos quais não pode reagir. A relação entre o animal e o meio é imediata, de tal sorte que seu corpo é uma extensão do próprio ambiente em que vive. Becker nos chama atenção para o seguinte fato:


“(...) olhem para o homem, a criatura impossível! Aqui, a natureza parece ter deixado de lado a cautela e os instintos programados. Criou um animal que não tem defesa alguma contra a percepção do mundo exterior, um animal inteiramente aberto à experiência. Não apenas diante de seu nariz (...). Pode relacionar-se não apenas como os animais de sua espécie, mas, de certa maneira, com todas as outras espécies. Ele pode contemplar não apenas o que é comestível para ele, mas tudo que floresce. Vive não apenas o momento presente, mas estende seu eu interior ao amanhã, a sua curiosidade a séculos passados, seus temores a daqui a cinco bilhões de anos. Pergunta-se quando o sol irá esfriar e quais são suas esperanças em relação a uma eternidade no futuro. Viver não apenas num minúsculo território, tampouco em um planeta inteiro, mas numa galáxia, num universo, e em dimensões além de universos visíveis. É estarrecedor o fardo que o homem suporta, o fardo experiencial. (...) o homem não pode nem mesmo ter seu corpo como ponto pacífico, como podem fazer os outros animais.”
(p. 75)
(ênfase no original)

Não só o corpo humano demanda explicações, mas o próprio eu, com suas recordações e seus sonhos. O homem é um animal que se indaga sobre o sentido da vida, mas “não sabe quem é, por que nasceu, o que está fazendo no planeta, o que deveria fazer, o que pode esperar” (id.ibid.). O autor chamará de “dádiva da repressão” a capacidade que nos permite viver “decisivamente em um mundo esmagadoramente miraculoso e incompreensível, mundo tão cheio de beleza, majestade e terror que, se os animais o percebessem, ficariam paralisados e sem ação” (p. 74).
O que, afinal, nós reprimimos? Becker esclarece que a repressão é global, pois que é necessário reprimir toda a diversidade de nossas experiências, para, desse modo, alcançar um sentimento de valor interior e de segurança. O homem supre, pela repressão, a carência de proteção legada pela natureza. Sartre ensinava que o homem é seu próprio projeto. O homem terá de operar uma série de repressões. Leiamos o que nos revela o autor sobre ela:

“[o homem] terá que reprimir sua pequenez no mundo adulto, seus fracassos na tentativa de viver de acordo com as ordens e os códigos adultos. Terá que reprimir seus sentimentos de inadequação física e moral, não apenas a inadequação de suas boas intenções, mas também sua culpa e suas más intenções: os desejos de morte e o ódio, que sente ao ser frustrado e bloqueado pelos adultos. Terá que reprimir a inadequação dos pais, as ansiedades e terrores destes, porque percebê-los termina por minar o sentimento de segurança e poder. Terá que reprimir sua própria analidade, suas comprometedoras funções corporais que significam sua mortalidade, sua indiscutível transitoriedade dentro do mundo natural. Com tudo isso e com muito mais que não mencionamos, terá que reprimir o assombro e o terror básicos diante do mundo externo”.

(p. 77)

Quão árdua é a tarefa psicológica dos seres humanos na busca por suportar a verdade da realidade! O autor reconhece dois grandes temores do homem: o medo da vida e o medo da morte. Evocando o pensamento de Heidegger, observa:

“(...) a ansiedade básica do homem é a ansiedade por estar no mundo, bem como a ansiedade de estar no mundo. Isto é, temor da morte e temor da vida, da experiência e da individuação. O homem reluta em enfrentar o peso esmagador de seu mundo, os verdadeiros perigos desse mundo. Ele retrai-se para não se perder nos devastadores apetites dos outros, para não rodopiar sem controle nas garras e presas de homens, animais e máquinas”.
(p. 78)
(ênfase no original)


O caráter funciona como uma couraça contra o desespero e o abandono. É uma “defesa neurótica” contra a percepção da verdadeira condição humana, que é tecida pelo sofrimento. Realidade tão bem expressa no ensinamento budista e que constitui a primeira verdade proclamada pela doutrina:

“A primeira nobre verdade determina que tudo no mundo é sofrimento. “Nascer é sofrer; envelhecer é sofrer, morrer é sofrer, estar unido com aquilo de que não gostamos é sofrer, separarmo-nos daquilo que amamos é sofrer, não conseguir o que queremos é sofrer”. Em termos budistas o sofrimento implica algo mais do que mero desconforto físico e psicológico. Pode-se dizer que a existência como um todo é manchada pelo sofrimento, pois tudo é passageiro. A pessoa que não consegue perceber que o mundo, do ponto de vista do ser humano, é inadequado, é uma pessoa cega”.

                                             (O livro das religiões, 2008: p. 62)


É preciso esclarecer que a neurose é, para autores como Frederick Perls (lembrado por Becker), uma espécie de “couraça” para evitar lidar com uma realidade insuportável. Para Teles (2004), por exemplo, a neurose instaura uma discrepância entre o “eu real” e o “eu ideal”. Lutamos para ser o que não somos e isso nos acarreta problemas.
É deveras esclarecedora a estrutura neurótica concebida por Perls, apresentada por Becker, nos seguintes termos:

“Gosto da maneira pela qual Perls concebeu a estrutura neurótica, como um edifício compacto formado por quatro camadas. As duas primeiras são as do cotidiano. Nelas estão táticas que a criança aprende para viver bem na sociedade através do uso fácil de palavras que buscam pronta aprovação e calma, para que os outros possam segui-la. São as camadas da conversa loquaz e vazia, dos chavões e do comportamento estereotipado. Muita gente passa a vida sem nunca chegar abaixo dessas camadas. A terceira é dura, difícil de ser penetrada: é o “impasse que cobre a nossa sensação de sermos vazios e estarmos perdidos, a mesma sensação que tentamos banir ao construir defesas do nosso caráter. Por baixo dessa camada está a quarta e mais desconcertante: a camada da “morte”, ou do medo da morte. (...) essa é a camada de nossas verdadeiras e básicas angústias animais, e terror que carregamos conosco no segredo de nosso coração. Só quando explodimos essa quarta camada, diz Perls, chegamos àquela camada que poderíamos chamar de nosso “eu autêntico”; aquilo que realmente somos sem hipocrisia, sem disfarce, sem defesas contra o medo”.

(p. 83)


Convém reter que o “eu” que julgamos ser e que se exterioriza é tão-só uma imagem ou uma máscara sob a qual se disfarça nosso “eu autêntico”. Esse “eu verdadeiro” está soterrado em cada um de nós. Essa visão de um eu desprovido de realidade imediata e aparente, afina-se com a concepção de “eu” do psiquiatra J. D. Nasio, em seu livro Meu corpo e suas imagens (2009):

“Considero, pois, o eu uma entidade essencialmente imaginária cunhada por todas as nossas ignorâncias, erros, miragens que confundem a percepção que fazemos de nós mesmos”.

(p. 55)
(ênfase no original)

Em que período da vida inicia-se nosso desacerto em relação ao mundo? Para Becker, a plena humanidade “é um desajuste primário em relação ao mundo” (p. 84). Convém retroceder à nossa infância, para encontrar as raízes de nossas angústias, do descompasso em relação ao mundo. Chegamos a um mundo sem desejar estar nele, sem saber as razões por que passamos a ocupá-lo. Fomos arremessados a uma existência que se nos apresenta desafiadora e ameaçadora. Precisamos do amparo, dos cuidados de outros. O autor considera a criança um “covarde natural” e isso é compreensível, quando nos descreve a angustiante situação infantil:

“O mundo tal como é, criado do nada, as coisas como são, as coisas como não são, tudo isso é demais para que possamos suportar. Ou, melhor: seria demais para suportarmos sem desmaiar, tremendo como vara verde, imobilizados em transe em resposta ao movimento, às cores e aos odores do mundo. Eu digo – “seria” – porque a maioria de nós – ao deixarmos a infância – já reprimiu a nossa visão do milagre do mundo tal como ele aparece na experiência desarmada”.

(p. 74)

Quando não somos bem-sucedidos, em algum momento da vida, nesse trabalho de repressão da percepção da verdadeira natureza da realidade, rompe-nos o fracasso que se caracteriza como esquizofrenia. O esquizofrênico é aquele indivíduo, comumente, considerado, devido à ignorância geral, demente ou louco, por parecer viver “fora da realidade consensual”. De fato, o esquizofrênico se desliga da realidade assumida por um consenso socio-cultural. Mas convém dirimir alguns equívocos, atentando para a definição rigorosa desse tipo de psicose. No Dicionário técnico de psicologia (2006), lemos:

“A esquizofrenia caracteriza-se por acentuada perda de contato com a realidade (dissociação), grave divisão ou fragmentação da personalidade, formação de um mundo conceptual excessivamente determinado pelo sentimento (autismo) e ocorrência de sintomas que assimilam uma deterioração progressiva”.

(p. 112)
(grifo meu)


A esquizofrenia ensina-nos muito sobre nossa relação com a realidade. Ensina-nos que a realidade não é algo dado, que se põe diante de nós a priori, mas que é construída numa relação complexa entre percepção-cognição, linguagem e cultura, dimensões estas que perpassam e definem o humano. O esquizofrênico é aquele que não domina mais os códigos comuns com os quais constituímos a realidade e a estruturamos.
A questão da esquizofrenia figura no texto de Becker, para que o autor nos mostre que não consiste ela num fracasso dos pais na formação de uma criança bem adaptada à sociedade ou à realidade. A visão segundo a qual os pais seriam culpados pelas repressões da criança, pela produção de defesas de seu caráter e pelo gênero de pessoa que se tornaria foi duramente criticada. A criança, vinda a um mundo absurdo, em condições não escolhidas, precisa criar defesas contra ele. Ela passa a ser vista como um ser que tem de lidar com o mundo, produzindo suas próprias defesas.
A esquizofrenia passa a ser vista como uma condição extra-humana. Quem dela sofre é incapaz de se valer de mecanismos de defesas contra a realidade. O esquizofrênico está desarmado contra a tragédia da vida, segundo Perls. A tragédia a que se refere encerra ‘a finitude humana’, ‘o medo da morte’ e ‘a natureza ameaçadora da vida’. Destarte, para alcançarmos uma compreensão satisfatória da condição do esquizofrênico e entender a condição de todos nós que nos consideramos “normais”, convém atentar para o que se segue:


“O esquizofrênico sente essas coisas [a finitude humana, o medo da morte e a dureza da vida] mais do que ninguém, porque não conseguiu armar as defesas confiáveis que uma pessoa normalmente usa para negá-las. A desdita do esquizofrênico está em que ele ficou sobrecarregado com quantidades extras de angústias, culpa e desamparo, em um meio ambiente ainda mais imprevisível e que não lhe dá apoio. Ele não está instalado em segurança em seu corpo, não tem uma base segura que lhe dê condições para vencer um desafio e obter uma negação da verdadeira natureza do mundo. (...) O esquizofrênico é sumamente criativo num sentido quase extra-humano porque está mais longe do animal: falta-lhe a segura programação instintiva dos seres inferiores. E lhe falta a segura programação cultural dos homens. Não admira que ao homem comum ele pareça “louco”: ele não faz parte do mundo habitual.”

(pp. 88-89)


A conclusão a que chegamos, após a leitura integral do texto, é que aos seres humanos a compreensão e a aceitação da totalidade de sua condição são intoleráveis. Para suportar sua condição, eles precisam forjar traços psicóticos disfarçados, ocultos que virão a constituir o caráter – sua couraça, afinal, contra o absurdo da vida e da morte. Preferem se enganar a respeito de quem realmente são, a respeito de sua própria condição e da natureza da realidade. Por isso, Sartre tão bem notou que o homem é “uma paixão inútil”. Ao que Becker acrescenta, ratificando a posição do eminente filósofo: “O homem quer ser um deus com o equipamento de apenas um animal, e por isso vive de fantasias” (p. 85).

quinta-feira, 3 de março de 2011

O outro escondido em nós

             

Freud e a condição humana
  Quem é o homem?



     Gostaria de principiar este texto, convidando o leitor a pensar no quanto, nós, seres humanos, somos esquisitos, estranhos e absurdos. Quantas pessoas conhecemos que se mostram insatisfeitas com tudo? Quantas pessoas conhecemos que vacilam entre ação e omissão? Quantas pessoas não conseguem explicar os seus sentimentos? Quantas pessoas não sabem o que desejam? Veja-se o que nos ensina o psiquiatra Fábio Herrmann. O trecho foi colhido de um artigo que se acha no livro da série primeiros passos, da companhia círculo do livro.

“(...) os homens divertem-se demais com os próprios pensamentos. São os únicos bichos, ao que se sabe, tão estúpidos que podem ficar imaginando e esquecer-se de comer; e, o que é pior, quando pequeninos e famintos, parece que conseguem ficar sonhando que estão a comer e contentar-se algum tempo com isso (...)”.
(pp. 53-54)


Quando preguei meus olhos nesse excerto, dei-me conta, com estúpida satisfação, de que eu me identifico com os homens que se distraem com seus próprios pensamentos e se esquecem de se alimentar. Se, por um lado, a razão e o intelecto conferem-nos uma posição especial na filogenia das espécies; por outro lado, parece que nos tornam seres bem estúpidos, na medida em que oferecem aos nossos impulsos primários substitutos de espécie vária, enganando-nos a nós mesmos por alguns instantes.
Reza a psicanálise que os homens se negam a reconhecerem-se como agentes responsáveis pela criação do mundo. Esse mundo domesticado, fabricado, transformado incessantemente, produto do desejo humano, gera irritabilidade nos próprios homens, justamente no momento em que se dão conta de que esse mundo corresponde bem ao seu desejo. Estranho? Freud explica.
A psicanálise ensina-nos que os homens não sabem bem o que desejam, que eles não desejam realmente o que querem. Nosso verdadeiro desejo, como se verá, permanece inconsciente, conquanto se manifeste sob outras formas à vida psíquica. Convém atentar para as palavras de Fábio Herrmann a seguir:

“(...) O mundo edificado por nossa cultura humanizou-se tanto, no sentido de ser tão fabricado, que sua sombra, o lado desconhecido do desejo humano, acabou por aparecer mais do que devia. O real começou a ficar um tanto duvidoso, e o homem a ver-se, a malgrado seu, cada vez mais absurdo para si mesmo.”

A psicanálise se ocupará com o estudo do inconsciente, visando a contribuir para que o homem, apercebendo-se do absurdo que o constitui essencialmente, reconcilie-se com esse absurdo e consigo mesmo. Uma leitura rápida em qualquer texto que trate de psicanálise nos levará à compreensão de que a consciência humana é determinada por impulsos inconscientes, ou seja, a vida consciente é determinada pela vida inconsciente. Agimos motivados por forças que não dominamos e das quais não estamos conscientes.
A essa altura, convém referir as três fontes de sofrimento humano, segundo Freud. Leia-se o seguinte nesse tocante, em O mal-estar na cultura (2010):

“O sofrimento ameaça três lados: a partir do próprio corpo, que, destinado à ruína e à dissolução, também não pode prescindir da dor e do medo como sinais de alarme; a partir do mundo externo, que pode se abater sobre nós com forças superiores, implacáveis e destrutivas, e, por fim, das relações com os outros seres humanos”
(pp. 63-64)

Em suma, o sofrimento humano advém de três fontes: da fragilidade do corpo; da força destrutiva e inexorável da natureza; e dos conflitos das relações sociais.


O animal humano

A razão, a linguagem e a cultura são instâncias do universo humano responsáveis por atribuir aos homens um lugar de destaque na cadeia evolutiva. Diferenciamo-nos, fundamentalmente, das demais espécies animais porque somos capazes de falar, de fazer cultura, de pensar, de ter consciência da morte, de ter, enfim, autoconsciência.
Um ser humano, ao nascer, já encontra um mundo fabricado que veio antes dele, cabendo a ele adaptar-se a esse mundo para poder sobreviver. A despeito da especialidade do ser humano, todo bebê, ao nascer, é frágil e vulnerável. Ele não consegue prover sozinho sua própria alimentação, não é capaz de se defender contra os perigos do mundo real; ao contrário, a maioria dos animais é auto-suficiente ao nascer. O animal é dotado de instintos, mas não o homem: este tem impulsos, reflexos, necessidades, reunidos sob o rótulo de pulsões. Para sobreviver, os seres humanos precisam passar por vários  processos de aprendizagem ao longo da vida. Os animais já estão condicionados geneticamente para procriar na época adequada, para buscar seu alimento, etc. O homem tem impulso para sobrevivência, é potencialmente capaz de sucção (reflexo necessário para ingerir o leite materno), necessita de alimentação, etc, mas para satisfazer às suas necessidades de sobrevivência terá de aprendê-lo.
Os homens aprendem a sobreviver em contato com as normas e regras de sua sociedade que, através de processos formativos educacionais, vai “lapidando” a criança, adaptando-a ao meio social complexo, já então construído antes de seu nascimento. Os homens, pela aprendizagem, que é um processo pelo qual se modifica o comportamento na experiência, ajustam-se à estrutura de sua sociedade. Convém dizer que o animal, como orangotangos e chipanzés, por exemplo, também podem aprender, mas são menos capazes para tanto, porque lhes falta a capacidade de raciocínio, própria da espécie humana. Também, aqui, há que reconhecer o papel da linguagem, no processo de adaptação da criança à sua sociedade. Nesse tocante, dá-nos a saber a psicóloga Maria Luiza Teles, no livro da mesma série:

“(...) se a criança usa uma palavra ligada ao sexo, em nossa cultura, ela é reprovada com uma cara fechada, uma bofetada, palavras de repressão ou mesmo um castigo. Ela aprende, então, três coisas: que a palavra não deve ser dita; que, se for dita, será considerada uma agressão; e, ainda, que o sentido implícito, sexo, não é algo bem aceito em sua sociedade”.
(p. 21)

Conquanto a humanidade se orgulhe de faculdades como a razão e o pensamento, dever-se-á notar que a psicanálise ensina que a consciência não pode tudo e que ela representa uma pequena parte da estrutura psíquica humana. Freud, aliás, ensinou que o “eu” não é “senhor de sua própria casa”. Foram três os golpes sofridos por nosso narcisismo:

1) Copérnico provou que a Terra não era o centro do universo, abalando a crença antropocêntrica, segundo a qual os homens são o centro do mundo;

2) Darwin mostrou que os homens descendem dos primatas e os reduziu, assim, apenas a um estágio da cadeia evolutiva das espécies, e não seres especiais criados por um Deus para dominar a natureza;

3) Freud mostra que o eu não é o senhor de sua vida psíquica e que a consciência é uma pequena parte do complexo mental.

No que toca ao abalo 3), é interessante notar que há pensamentos que não são de responsabilidade do ego (eu). Muitos pensamentos escapam ao seu controle.




O inconsciente

Do que se ocupa a psicanálise? Em geral, percebemos uma preocupação constante dos psicanalistas com os sonhos; de fato, os sonhos constituem um meio importante para se chegar à compreensão de outra realidade. Essa outra realidade, que é o objeto de estudo da psicanálise, chama-se inconsciente. O inconsciente só é acessível através de um método de interpretação psicanalítico desenvolvido por Freud. Esse método consiste em levar o paciente a fazer associações entre palavras ou lembranças. O psicanalista diz ao paciente uma palavra e pede que este diga a primeira palavra que lhe vem à mente. Em geral, o paciente reage às palavras, deixando de pronunciar a que lhe vem à mente, censurando-a por algum instante. Circunstâncias há em que o paciente fica muito agitado e fala muito, quando da associação das palavras. Por esse método, busca-se compreender a vida inconsciente do paciente.
Antes de discorrer sobre o inconsciente, cabe notar que as experiências e lembranças que podem ser trazidas à consciência em algum momento se dizem pré-conscientes. O inconsciente abriga, assim, os estados mentais que não podem ser recuperados, a saber, trazidos à consciência em circunstâncias normais.
O que é o inconsciente? É uma hipótese teórica e não uma coisa localizada no fundo de nossa cabeça. É um sistema lógico que, em tese, opera em nossa mente. Esse sistema explicaria os motivos que nos impelem a agir e reagir de tal ou qual modo. O inconsciente constitui-se, assim, de forças que impulsionam a vida mental. Essas forças ou pulsões dizem respeito a necessidades básicas do organismo humano, tais como fome, sexo, curiosidade, etc. O inconsciente apresenta uma lógica diferente: nele cifra-se o que, pela interpretação psicanalítica, busca-se decifrar. Essa interpretação visa a explicar o processo que deu origem a uma ideia ou ação.
Um conceito importante para a compreensão do inconsciente é a repressão. Experiências ou pensamentos que se mostram incompatíveis com os padrões sociais tendem a ser reprimidos, ou seja, afastados da consciência. O eu foge a eles. Trata-se de um mecanismo de defesa mediante o qual uma pessoa busca evitar conflitos interiores.
As pulsões do inconsciente estão, assim, reprimidas, visto que a sua manifestação, em geral, são contrárias às normas de boa educação e da civilização. Por exemplo, um desejo forte de pintar a sala com fezes, comum entre as crianças, se realizado, causaria espanto e punição social. Assim, tal desejo precisa ser disfarçado (sublimado) e censurado, para que não chegue à consciência.
No tocante aos sonhos, Freud, ao tentar compreendê-los, assumiu o pressuposto de que eles fazem sentido, embora esse sentido nos esteja velado. O procedimento adotado pelo pai da psicanálise era o seguinte: considerando várias partes de um sonho, levava o sonhador a associar ideias e lembranças. Assim, pôde concluir que os sonhos dizem respeito a acontecimentos do dia anterior e, ao mesmo tempo, estão relacionados a comportamentos de nossa primeira infância. Os sonhos são formas de linguagem simbólicas, materializados em imagens. Para Freud, todo sonho é uma tentativa de realização do desejo. É somente pela interpretação das palavras, dos sonhos, das lembranças e gestos do paciente que se tem acesso à sua vida inconsciente.
Deve-se ficar claro que, ao contrário do que acredita o senso-comum, Freud, embora tenha dado especial destaque à sexualidade, conceito que foi por ele ampliado, na explicação dos fenômenos psíquicos, é errôneo dizer que ele procurou explicá-los, por uma espécie de reducionismo, pelo papel do sexo na vida dos homens.  A sexualidade, portanto, passou a recobrir toda forma de prazer que envolve o corpo. Ensinou que os bebês encontram prazer, primeiramente, nos estímulos orais (fase oral) e, posteriormente, nos estímulos anais (fase anal). Também coube a ele advogar que o menino sente desejo sexual pela mãe (complexo de Édipo), ao mesmo tempo em que teme a castração pelo pai.
O que Freud defendeu foi que as repressões encontram origem na primeira infância (até os cinco anos) e são, basicamente, de natureza sexual. Vou desenvolver esses pensamentos na seção seguinte.




O aparelho psíquico

A estrutura de nossa mente se organiza em três instâncias: o ego, o id e o superego. O ego é o “eu”, portanto, a consciência. É a sede de quase todas as funções mentais. É o ego o responsável pelo contato com a realidade exterior. É ele também responsável pelos atos mentais, tais como perceber, pensar, julgar, etc. O ego é submetido aos desejos do id e à censura do superego. Sua realidade fundamental é a angústia, já que, não podendo manifestar os desejos do id, que o tornariam imoral e destrutivo, e não podendo submeter-se totalmente ao superego, sob pena de enlouquecer, precisa adequar-se à realidade do mundo (o ego se guia pelo princípio de realidade), para não ser aniquilado. O ego, portanto, busca objetos que satisfaça o id, sem transgredir as imposições do superego.
O que são o id e o superego? O id é um substrato inteiramente inconsciente, dele provêm as pulsões. É a instância original da psique; ao nascer, segundo Freud, o indivíduo é todo id, que é reorganizado à medida que esse indivíduo é submetido aos processos formativos de sua sociedade. O id é constituído de pulsões, que são os impulsos e desejos inconscientes. A mente humana se estrutura de tal modo que busca evitar o desprazer; nossa vida psíquica é regida pelo princípio de prazer: buscamos experimentar o prazer constantemente. O id é a energia que impulsiona a busca pelo prazer. As pulsões são de natureza sexual e elas são designadas pelo nome libido. O id é um reservatório da libido. A sexualidade não se restringe, assim, ao ato sexual, mas compreende todos os desejos que exigem satisfação e podem ser satisfeitos em qualquer parte de nosso corpo.
O superego, a seu turno, é uma espécie de juiz social; é a voz da censura e da repressão interiorizada na psique por força dos processos formativos impingidos pela sociedade. Particularmente, o superego representa a repressão sexual. O superego é consciência moral e se manifesta por meio de interdições e proibições que dada cultura impõe ao indivíduo. O superego forma-se entre os 6 e 7 anos e o início da puberdade. Embora aja como uma consciência moral, o superego é fundamentalmente inconsciente.
A psicanálise reza que muitas doenças psíquicas e distúrbios de comportamento estão em nossa sexualidade na tenra infância. Freud apontou três fases da sexualidade infantil. Essas fases estão relacionadas ao desenvolvimento do id entre os primeiros meses de vida e os 5 ou 6 anos. A primeira fase é a fase oral. Nessa fase, o desejo e o prazer estão na boca e na ingestão de alimentos, e o seio materno é objeto de prazer (ou um de seus substitutos, a saber, a chupeta, a mamadeira ou o dedo). A segunda fase é a fase anal, na qual a criança sente prazer na excreção e na retenção das fezes. Nessa fase, os objetos de prazer e o desejo estão ligados ao órgão genital masculino, ou seja, ao falo. O menino e a menina só reconhecem o falo, nessa fase. A mãe torna-se o objeto de prazer do menino; e o pai, o da menina.
É na terceira fase que surge um fenômeno que determina toda a vida psíquica, a saber, o complexo de Édipo (suponho que o leitor conheça a tragédia de Édipo). O complexo de Édipo é o desejo incestuoso da criança pelo pai ou pela mãe. Esse desejo é que determinará a totalidade de sua vida psíquica, a saúde dela depende do modo como atravessamos essa fase que, em geral, é conflituoso. O complexo de Édipo acarreta o surgimento de outro complexo, denominado de complexo de castração. Esse complexo explica o temor da criança de perder o falo ( e cabe lembrar que as meninas imaginam que também o possuem) como punição pelo desejo incestuoso pelos progenitores.
Gostaria de volver, antes de encerrar, à angústia do ego. O ego cumpre um papel importante na vida psíquica, visto que a ele cabe recalcar os desejos demasiado fortes do id, satisfazendo ao imperativo do superego. O recalcamento é, pois, uma repressão forte imposta pelo ego ao id, evitando que as pulsões deste cheguem à consciência. No entanto, cabe ao ego também satisfazer o id, sob pena de viver um profundo e constante desprazer. Nossa vida consciente normal e saudável é resultado dessa dupla função do ego, desse equilíbrio produzido por ele, quando busca interditar os desejos arrebatadores do id e, ao mesmo tempo, limitar o poder do superego. O inconsciente oferece à consciência formas compensatórias de experimentar o prazer. O substituto oferecido pelo inconsciente satisfaz o id e o superego. Constituem substitutos a chupeta, o dedo, tintas, pintura, uma pessoa amada no lugar da mãe ou do pai, além dos sonhos, lapsos, atos falhos, etc. Através deles, realizam-se os desejos inconscientes de natureza sexual. O sonho, o ato falho e os lapsos de memória indicam que nossa existência não se dá ao acaso, nossa vida é determinada (daí o determinismo assumido por Freud, segundo o qual todo evento tem uma causa) pela natureza da libido. Em nossa vida psíquica, os objetos e as pessoas se revestem de sentido afetivo-sexual, são alvo de nossa adoração ou ódio, ou são objeto de nosso temor, sem que o saibamos.
Ao mencionar o papel dos substitutos para a satisfação do id, descurei de observar que o recurso pelo qual o inconsciente oferece alternativas à satisfação do id e do superego, dá-se o nome de sublimação. Na sublimação, os desejos inconscientes são satisfeitos, pois que transformados em outra coisa valorizada positivamente: obras de arte, ciência, religião, filosofia, ações éticas, etc.
As palavras de Marilena Chauí põem termo a este texto e nos lembram que a consciência é frágil, mas, porque dotada de vontade e razão, decide aceitar ou abalar as opiniões e ideias estabelecidas:

“A consciência é frágil, mas é ela que decide e aceita correr o risco da angústia e o risco de desvendar e decifrar o inconsciente. Aceita e decide enfrentar a angústia para chegar ao conhecimento de que somos um caniço pensante”.