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O ressentimento no pensamento de
Nietzsche
Apontamentos para pesquisa
Esta
é uma das poucas vezes em que compus um texto teórico tão rápido. A brevidade
deste texto atende ao objetivo principal para cuja satisfação ele foi escrito: fornecer apontamentos sobre a significação
do conceito de ressentimento no pensamento de Nietzsche. Ao
reunir, aqui, estes apontamentos, espero contribuir para minhas próprias
pesquisas futuras e para as de estudantes de filosofia interessados em se
tornar legítimos leitores de Nietzsche, a saber, leitores capazes de ter a
mesma experiência que a dele, condição esta para a compreensão do modo de ser
do filósofo que, aliás, queria leitores pensantes, autônomos e livres e tinha
horror a angariar discípulos.
Na filosofia de Nietzsche, o ressentimento corresponde a um problema
fisiológico, a saber, à falta de forças de um organismo cansado para reagir às
intempéries da vida e que não consegue digerir os sentimentos ruins que produz.
Da fraqueza que gera tais sentimentos e da presença deles no interior desse
organismo resulta uma desordem psíquica que o impede de viver efetivamente o
presente. Justamente por acarretar uma desordem psíquica, o ressentimento é, a
rigor, um fenômeno fisiopsicológico, tendo em conta o fato de que, em
Nietzsche, psicologia não recobre um domínio estranho ao corpo.
Embora se apresente como
um fenômeno fisiopsicológico, o ressentimento não está desvinculado de momentos
fundamentais da filosofia de Nietzsche, em que ele desenvolve sua crítica à
cultura, à moral ou às configurações políticas de seu tempo, tais como a
democracia, o socialismo ou o anarquismo.
É necessário atentar para
os diferentes acentos de significação com que se apresenta o conceito de ressentimento nos diversos trabalhos
nietzschianos. Por exemplo, em Crepúsculo
dos Ídolos, o ressentimento é entendido como vingança e é relacionado à
justiça, à semelhança da forma como se apresentara em A Genealogia da Moral. Na primeira obra referida, os
cristãos, os socialistas e os anarquistas são considerados como representantes
do espírito de vingança, mormente porque seus ideais de justiça e sociedade se
fundamentam na noção de “direitos iguais”, e porque também esses ideais
envolvem a ideia de culpa, expressa na forma do enunciado “alguém tem de ser culpado pelo fato de o sofredor sentir-se mal”. Destarte,
a justiça equivale à vingança contra todo aquele que faz (o sofredor) sofrer.
Em Ecce Homo, por seu turno, Nietzsche retoma o ressentimento
ressaltando os seus aspectos fisiológicos e pessoais. Aqui o ressentimento é o
próprio “estar doente”; é uma doença. Lê-se, nessa obra, no capítulo Por que sou tão sábio “o
ressentimento é a coisa proibida por excelência a todo doente, aquilo que lhe
faz mais mal; desgraçadamente, é também aquilo para o qual mais naturalmente se
inclina” (2007, p. 45)
Em A Genealogia da Moral, o ressentimento assume dois
significados claros, que discrimino abaixo:
1o signficado: O ressentimento é compreendido como um
problema do homem individual, fraco, incapaz de reagir em face das adversidades
da vida e de digerir o veneno produzido pela sua vingança não realizada;
2o signficado: O
ressentimento se apresenta como um problema social, porque toca a uma concepção
de justiça e a um modo de intervenção social. Nesse caso, situado no domínio da
moral, o ressentimento corresponde a uma vontade
de poder, que opera em vista do domínio sobre as demais vontades de poder e
que efetivamente se tornou vitoriosa na cultura ocidental.
Por fim, levando a cabo
estes apontamentos, na terceira
dissertação de A Genealogia da
Moral, o ressentimento se liga ao sofrimento interior do homem e sua
causa envolve fatores fisiológicos. Consoante Nietzsche, é o sacerdote ascético
o responsável por modificar “a direção do ressentimento”. O sacerdote lança mão
da concepção segundo a qual o sofrimento humano é uma espécie de punição para
conter o rebanho e mantê-lo amansado. È o ideal ascético, portanto, que aparece
como o modus operandi da moral do
ressentimento, de acordo com a qual o próprio sofredor apresenta-se como
culpado de seu sofrimento, disso resultando ser ele – o próprio sofredor – o
alvo de sua própria sede de vingança. Ressalte-se que é o sacerdote ascético
que se vale de estratégias destinadas a impedir que o ressentimento (o
sofrimento) se amplie – pois que seu aumento poderia redundar na perda de seu
rebanho, ou, num sentido diverso, o aumento da tensão no interior do homem
poderia levá-lo a elevar-se através de sua doença, circunstâncias estas que,
segundo Nietzsche, não interessam à interpretação religiosa. Ora, deve-se ficar
claro que a interpretação religiosa pretende que aquele tipo de homem fraco,
totalmente oposto ao ideal nietzschiano de homem suficientemente forte para
superar o ressentimento, permaneça incapaz de tornar-se forte o suficiente para
superar tal estado de envenenamento (isto é, o ressentimento).
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