
Enquanto bilhões dizem Amém...
I
No ocidente, o cristianismo se desenvolveu com
base na crença na exterioridade de Deus em relação ao homem e ao mundo. Daí
para a ideia de Deus como uma projeção, atualmente desacreditada, bastou um
passo curto.
Na medida em que fizeram de Jesus
o único avatar, os cristãos desenvolveram uma concepção exclusivista da verdade
religiosa. Jesus foi considerado a encarnação primeira e definitiva da Palavra
de Deus, de tal sorte que outra Revelação futura se tornava desnecessária.
Não foi sem escândalo que os
cristãos viram surgir na Arábia do século VII um profeta que preconizava ser
portador de uma revelação direta do Deus que os próprios cristãos adoravam.
Esse profeta trouxe consigo uma nova Escritura. Essa versão do monoteísmo, que
se tornaria conhecida como islamismo, angariou, de modo muito rápido, milhares
de adeptos no Oriente Próximo e no Norte da África.
Como, nessas regiões, não se
verificava a influência do helenismo, não custou aos adeptos da nova fé
abandonar a doutrina grega da Trindade, com a qual o cristianismo ortodoxo
expressava o mistério de Deus. O idioma árabe não se prestava à formalização de
uma tal concepção trina de Deus, e os adeptos islâmicos puderam adotar uma
noção mais semita da divindade.
Se você é cristão, não pode
aceitar outra revelação de Deus senão a que se deu por intermédio de Cristo; se
é judeu, não poderá aceitar Cristo como o Messias; se é islâmico, deverá
assumir que a Revelação definitiva de Deus se deu através da figura do profeta
Maomé.
Enquanto nenhuma das partes que
julga dispor do privilégio da Revelação de Deus consegue determinar quem
tem razão, Deus permanece sendo um mistério transparente e uma evidência oculta
para os que se habituaram a dizer simplesmente Amém.
II
Se você não está disposto a
desacostumar-se, muito provavelmente não se entregará à filosofia. Se você vive
confortavelmente amparado no sistema de crenças com o qual se habitou, desde
tenra idade, a ver o mundo, provavelmente se contentará em dizer aquilo que a
maioria gosta de ouvir. Se, além disso, nutre fortes convicções religiosas,
muito provavelmente se agradará de dar a conhecer aos que concordam com você em
sua cosmovisão o que acredita ser a verdade sobre a identidade de Jesus.
Julgará, por força do hábito, que é relativamente simples determinar e revelar
o Jesus histórico – afinal, a Bíblia encerra os quatro Evangelhos que nos dão
testemunho de quem foi Jesus.
Por estar tão acostumado (ou
acostumada) a reproduzir a herança de sua tradição religiosa – e crendo que, ao
fazê-lo, satisfaz suas necessidades espirituais, - sequer desconfiará de que é
extremamente difícil saber, com segurança, quem realmente foi Jesus e o que ele
fez. Uma das razões para essa dificuldade repousa no fato de que os quatro
Evangelhos canônicos estão repletos de contradições. Outra razão diz respeito
ao fato de eles terem sido escritos décadas após o ministério e a morte de
Jesus – e pasme-se! -, sem que seus autores tenham testemunhado os
acontecimentos relatados. É isso mesmo: os autores dos quatro Evangelhos não
foram testemunhas oculares; as pessoas às quais se atribuiu a autoria não foram
seus verdadeiros autores. Os textos foram escritos entre 35 e 65 anos depois da
morte de Jesus por pessoas que não o conheceram; pessoas que sequer falavam o
idioma que ele falava, e que viveram em outro país.
A despeito disso, a verdade de
Jesus fez carreira, pondo em movimento legiões de mentirosos.
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