
A idade da
filosofia
Falta-me
uma palavra semanticamente precisa para tornar viva à consciência esta
experiência que me é muito familiar. Como eu não a encontre, usarei a palavra fastio para nomeá-la.
Corriqueiramente, sinto fastio de tudo e de todos. E o objeto deste fastio deve
expressar-se assim mesmo, em forma indefinida, pois a experiência do fastio é a
experiência da própria indefinição. “Tudo que atinge a totalidade morre, porque
a morte é uma totalidade alcançada, enquanto a vida é a busca da totalidade”. A
totalização da vida é a vida negada, a saber, é a própria morte. Como busca da
totalidade, como movimento para a totalidade, a vida é, para o homem – ser
inacabado – curso pleno de possibilidades. O homem é excesso absurdo em relação
à vida. A experiência do fastio é, então, esse vislumbre de possibilidades irrealizáveis.
Esse excesso absurdo que é o homem cai, entretanto, sob o peso excessivo da
falta que o atravessa: eis o que considero um homem cansado, enfastiado. O
homem enfastiado é o homem que sucumbe à falta excessiva que o constitui. É o
homem que diante de si já nada discerne.
Para
mim – e que seja isto que escreverei muito pessoal -, a filosofia não faz
sentido algum como disciplina a ser ensinada, como matéria para a digestão
cognitiva. Meu encontro com a filosofia se deu como enfrentamento de minha
tragédia, de meu infortúnio. Em Nietzsche – alguns de meus escritos dão disto
testemunho -, encontrei a fórmula da fidelidade a si mesmo como caminho para
superar os estados decadentes de minha consciência e para alcançar algum nível
de grandeza. Na sua VONTADE DE POTÊNCIA, compreendi a necessidade de fazer
durar e crescer a vida, em meio à ruína trágica à qual minha juventude parecia
condenada. É isto a vontade de potência: necessidade de ultrapassar. Mas a
ultrapassagem só poderia dar-se com a condição de que me apossasse
completamente da existência e de mim mesmo.
Durante
muitos anos, eu fora um decadente – e essa compreensão devo a Nietzsche. Mas
não se enganem em depreender daí que eu tenha encontrado paz alguma na
filosofia, tampouco “alimento espiritual”. Não há paz em Nietzsche. Com a
filosofia, eu armei-me para a guerra, fortaleci-me para a luta (luta do ser
contra o não-ser, luta entre o impulso de vida e o impulso de morte), para o
enfrentamento de minha miséria, que compartilho, no entanto, com todo o gênero
humano.
A
filosofia não consola – compreendam bem! Ela até desespera; remove as bengalas
que nos sustentam a vida e diz austeramente: caminha; siga, luta, enfrenta! A
verdade que nos desvela a filosofia tem uma beleza trágica e dura; é crua, é
fria e desola. Não chegou à idade da filosofia quem ainda vive (entenda-se:
quem caminha) ancorado nas promessas metafísicas. A filosofia nada promete,
nada garante (como poderia, se a própria vida, de que se ocupa toda filosofia,
não tem garantias?); a filosofia apenas ensina a viver entre os escombros de
uma existência que é guerra sem trégua entre opostos; apenas ajuda o homem a
encarar seu próprio absurdo nesta sua existência precária que, embora habituada
a toda sorte de ilusões, se sabe finita. Em uma palavra, a filosofia ajuda o
homem a viver num mundo que não lhe foi feito sob medidas, ensina-o a mobilizar,
para tanto, suas próprias forças; ela o ajuda na construção de sua autonomia;
ela o ajuda na experiência de uma vida autêntica, que consiste em realizar-se
enquanto ente absurdo. Apenas os fortes filosofam!
Quanto
aos fracos – aqui é Nietzsche quem o diz também -, estes inventaram as
religiões e as doutrinas metafísicas.
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