quarta-feira, 23 de setembro de 2015

"(...) a minha "humanidade" consiste não em simpatizar com os outros homens, mas em suportar sua proximidade...A minha humanidade é uma vitória contínua sobre mim mesmo" (Nietzsche - Por que sou tão sábio)

         
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            O ressentimento no pensamento de Nietzsche
                                
                            Apontamentos para pesquisa


Esta é uma das poucas vezes em que compus um texto teórico tão rápido. A brevidade deste texto atende ao objetivo principal para cuja satisfação ele foi escrito: fornecer apontamentos sobre a significação do conceito de ressentimento no pensamento de Nietzsche. Ao reunir, aqui, estes apontamentos, espero contribuir para minhas próprias pesquisas futuras e para as de estudantes de filosofia interessados em se tornar legítimos leitores de Nietzsche, a saber, leitores capazes de ter a mesma experiência que a dele, condição esta para a compreensão do modo de ser do filósofo que, aliás, queria leitores pensantes, autônomos e livres e tinha horror a angariar discípulos.

Na filosofia de Nietzsche, o ressentimento corresponde a um problema fisiológico, a saber, à falta de forças de um organismo cansado para reagir às intempéries da vida e que não consegue digerir os sentimentos ruins que produz. Da fraqueza que gera tais sentimentos e da presença deles no interior desse organismo resulta uma desordem psíquica que o impede de viver efetivamente o presente. Justamente por acarretar uma desordem psíquica, o ressentimento é, a rigor, um fenômeno fisiopsicológico, tendo em conta o fato de que, em Nietzsche, psicologia não recobre um domínio estranho ao corpo.
Embora se apresente como um fenômeno fisiopsicológico, o ressentimento não está desvinculado de momentos fundamentais da filosofia de Nietzsche, em que ele desenvolve sua crítica à cultura, à moral ou às configurações políticas de seu tempo, tais como a democracia, o socialismo ou o anarquismo.
É necessário atentar para os diferentes acentos de significação com que se apresenta o conceito de ressentimento nos diversos trabalhos nietzschianos. Por exemplo, em Crepúsculo dos Ídolos, o ressentimento é entendido como vingança e é relacionado à justiça, à semelhança da forma como se apresentara em A Genealogia da Moral. Na primeira obra referida, os cristãos, os socialistas e os anarquistas são considerados como representantes do espírito de vingança, mormente porque seus ideais de justiça e sociedade se fundamentam na noção de “direitos iguais”, e porque também esses ideais envolvem a ideia de culpa, expressa na forma do enunciado “alguém tem de ser culpado pelo fato de o sofredor sentir-se mal”. Destarte, a justiça equivale à vingança contra todo aquele que faz (o sofredor) sofrer.
Em Ecce Homo, por seu turno, Nietzsche retoma o ressentimento ressaltando os seus aspectos fisiológicos e pessoais. Aqui o ressentimento é o próprio “estar doente”; é uma doença. Lê-se, nessa obra, no capítulo Por que sou tão sábio “o ressentimento é a coisa proibida por excelência a todo doente, aquilo que lhe faz mais mal; desgraçadamente, é também aquilo para o qual mais naturalmente se inclina” (2007, p. 45)
Em A Genealogia da Moral, o ressentimento assume dois significados claros, que discrimino abaixo:

1o signficado:  O ressentimento é compreendido como um problema do homem individual, fraco, incapaz de reagir em face das adversidades da vida e de digerir o veneno produzido pela sua vingança não realizada;

2o signficado: O ressentimento se apresenta como um problema social, porque toca a uma concepção de justiça e a um modo de intervenção social. Nesse caso, situado no domínio da moral, o ressentimento corresponde a uma vontade de poder, que opera em vista do domínio sobre as demais vontades de poder e que efetivamente se tornou vitoriosa na cultura ocidental.

Por fim, levando a cabo estes apontamentos, na terceira dissertação de A Genealogia da Moral, o ressentimento se liga ao sofrimento interior do homem e sua causa envolve fatores fisiológicos. Consoante Nietzsche, é o sacerdote ascético o responsável por modificar “a direção do ressentimento”. O sacerdote lança mão da concepção segundo a qual o sofrimento humano é uma espécie de punição para conter o rebanho e mantê-lo amansado. È o ideal ascético, portanto, que aparece como o modus operandi da moral do ressentimento, de acordo com a qual o próprio sofredor apresenta-se como culpado de seu sofrimento, disso resultando ser ele – o próprio sofredor – o alvo de sua própria sede de vingança. Ressalte-se que é o sacerdote ascético que se vale de estratégias destinadas a impedir que o ressentimento (o sofrimento) se amplie – pois que seu aumento poderia redundar na perda de seu rebanho, ou, num sentido diverso, o aumento da tensão no interior do homem poderia levá-lo a elevar-se através de sua doença, circunstâncias estas que, segundo Nietzsche, não interessam à interpretação religiosa. Ora, deve-se ficar claro que a interpretação religiosa pretende que aquele tipo de homem fraco, totalmente oposto ao ideal nietzschiano de homem suficientemente forte para superar o ressentimento, permaneça incapaz de tornar-se forte o suficiente para superar tal estado de envenenamento (isto é, o ressentimento).



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