quarta-feira, 7 de outubro de 2015

"Há tempo substituí a prece pela sabedoria filosófica. Nossos mortos deveriam ser lembrados não com orações, mas com lições sobre o bem viver. Aos que pranteiam a morte de um ente amado, deveriam ser oferecidas lições sobre o saber morrer. Que a sabedoria filosófica esclareça nossos enterros" (BAR)

                                


                                               Nossa mortalidade

A mãe que abraça a seu filho com o apego próprio de quem ama profundamente deve saber e aceitar que a quem está abraçando deve, necessariamente, morrer. É no amor e no cuidado que pressentimos a necessidade da perda. Lei inexorável: o que nasce tem de perecer. “Erras se pensas que apenas na navegação a vida se distancia pouco da morte: em todo lugar essa distância é tênue. A morte não se mostra em todos os lugares, mas em todos os lugares ela está próxima” (Sêneca).
Vivemos sempre na iminência da morte. Mas nosso estado habitual é o da negação dessa iminência. Saber que compartilhamos com os outros um mesmo destino determinado desde nosso nascimento não é ainda estar absorvido na angústia dessa iminência. A angústia em face da irrupção inesperada do Nada, do Irremediável, do Abismo intransponível permanece em sono profundo no homem do cotidiano. Mas eis que a proximidade da morte de um ente querido irrompe na estrutura nebulosa de nossas vivências ordinárias para sentirmos nossa constituição fisiológica estremecer, nosso corpo latejar e se lembrar de sua inerente impermanência. E com abissal clareza nosso espírito apreende-se como uma totalidade orgânica também perecível. Sentimos o desamparo, o abandono; experienciamos na profundidade sem fundo de nosso ser nossa impotência em face do Inevitável. E que não haja um após, uma possibilidade de reencontro, de retorno, de transfiguração no Eterno, que a vida seja nada mais do que um intervalo de um espetáculo do Acaso, um hiato entre dois nadas, que sejamos apenas “defuntos adiados”, é isto que parece à maioria dos homens intolerável. Que a vida seja um empréstimo de um Credor inquebrantável e pontual, que a vida não passe de um sintoma do Nunca Mais é isto que os apavora, enquanto permanecem ignorando que o morrer é seu modo de ser.


“É preciso, enfim, que a morte triunfe, pois lhe pertencemos pelo próprio fato do nosso nascimento, e ela não faz senão brincar com a presa antes de devorá-la” (Schopenhauer)

“Deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que te admires, durante toda a vida se deve aprender a morrer” (Sêneca).




"O tempo da vida humana: um ponto. Sua substância: um fluxo. Suas sensações: trevas. Todo o seu corpo: corrupção. Sua alma: um remoinho. Sua sorte: um enigma. Seu renome: uma cega opinião. Resumindo, tudo, em sua matéria: precariedade. Em seu espírito: sonho e fumaça. Sua existência: uma guerra, a etapa de uma viagem. Sua glória póstuma: esquecimento. Que nos pode então servir de guia? A filosofia, apenas isso".

(Marco Aurélio - Meditações, p. 25)

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