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terça-feira, 24 de setembro de 2019

"Existir seria uma empresa totalmente impraticável, se deixássemos de dar importância ao que não tem" (Cioran)


                      NIETZSCHE E O NIILISMO - ProEnem
                                                  

                  O niilismo como pensamento dessacralizador


Nesta exposição, interessa-me retomar o tema do niilismo, a fim de argumentar em favor da tese de que o niilismo constitui toda forma de pensamento e/ou questionamento filosófico que põe a descoberto, que desnuda o caráter ficcional do conjunto dos valores e instituições sociais. O niilismo, sendo a lógica de constituição da história ocidental, é um fenômeno decisivo – quiçá determinante - das dinâmicas sócio-históricas que permitiram o desenvolvimento, no interior da sociologia, de uma teoria construcionista crítica. Além de dilucidar, em linhas gerais, a tese central de uma teoria construcionista crítica, pretendo também esclarecer em que medida é lícito dizer que o niilismo instaura o horizonte epistêmico à luz do qual foi possível o desenvolvimento de uma compreensão da realidade social como resultado de uma construção humana.
Antes, porém, de levar a efeito as duas tarefas referidas, urge dizer que o niilismo não é um fenômeno histórico circunscrito ao século XIX. Embora seja sustentável argumentar que os séculos XX e XXI são os períodos históricos de radicalização do niilismo, embora devamos admitir que o niilismo é hoje a nossa condição normal, há traços, pegadas do niilismo em quase toda a história da filosofia ocidental e, certamente, em toda doutrina na qual o Nada aparece como problema central (Volpi, 1999). Os primeiros registros de um pensamento niilista parecem remontar ao movimento sofista. Tome-se, por exemplo, a contenda sofística que põe em confronto nómos e phýsis. Nómos é a convenção dependente de um acordo estabelecido por um grupo de indivíduos e que se torna lei para esse grupo. A phýsis é a natureza cuja ordem necessária independe da ação humana. O niilismo como categoria crítica social começa sua carreira com o questionamento sofístico. Os sofistas sustentaram a primazia do nómos sobre a phýsis. A moral é convenção. A igualdade e desigualdade entre os homens são produzidas pela vida social; elas não são naturais. Pitágoras (481- 411 a.C.), advogando que de todas as coisas “ o homem é a medida”, tomou o homem para critério da realidade. O homem é a medida de todas as coisas, das que são, que são, e das que não são, que não são significa que é a ação humana que faz as coisas existir tais como são; é pela ação humana que outras coisas não existem, porquanto os homens convencionaram , por meio de leis, criadas por eles, não as admitir. O pensamento de Protágoras se filia à invenção da história. É no convencionalismo sofístico, na defesa sofista do nómos que se podem encontrar as primícias do desenvolvimento do niilismo como categoria crítica social. Górgias, por seu turno, foi o primeiro niilista da história ocidental (Volpi, 1999). Pela primeira vez, com clareza, desfaz-se a identidade entre ser, pensar e dizer, expressa na palavra lógos. Com Górgias, estabelece-se a diferença, a separação e a autonomia entre realidade, pensamento e linguagem. Três são as declarações de Górgias cujas consequências levaram à ruptura daquela identidade: 1) o ser não é ou o Nada é; 2) o ser não pode ser pensado; 3) o ser não pode ser dito. Os limites desta exposição impedem-me de me alongar sobre essas três teses. Penso suficientes estas considerações acerca das origens históricas do niilismo.


1. A realidade como constructo social

Passo, pois, a partir de agora, a me debruçar sobre as duas seguintes questões, já anteriormente mencionadas e agora devidamente enunciadas: 1) o que defende uma teoria construcionista crítica?; 2) em que medida o niilismo abre o horizonte epistêmico à luz do qual tornou-se possível o desenvolvimento de reflexões, teorias que põem a descoberto o caráter de constructo social das instituições humanas? A fim de dar conta da primeira questão, começo por citar Harari, que, em seu Sapiens – uma breve história da humanidade (2018, p. 52-53), observa:


(...) grande parte de nossa história gira em torno desta questão: como convencer milhões de pessoas a acreditarem em histórias específicas sobre deuses nações, ou empresas de responsabilidade limitada?



Quando ouvimos, por exemplo, o Presidente da República, falar em “nosso sentimento patriótico”, devemos inferir daí duas conclusões: 1) há uma forte cumplicidade entre o discurso político e o senso comum; 2) o enunciador evoca a crença, comumente partilhada, na existência objetiva dessa entidade chamada “pátria”. A crença na existência objetiva de tipos de coisas que são, na verdade, constructos sociais, ficções culturais, criações da imaginação humana é indispensável não só à constituição da realidade social, mas também à sua permanência. Conservando e partilhando a crença no caráter objetivo dos constructos sociais, como se a realidade social existisse independentemente da atividade humana, muitas pessoas vivem e morrem em nome dessas ficções culturais, dessas construções sociais. À medida que o poder de influência dessas construções imaginárias se amplia, vai-se tornando cada vez mais claro que a própria sobrevivência de rios, leões e matas depende de nossa crença no poder dessas criações da imaginação que damos o nome de nações, deuses, corporações, Estado, capitalismo, dinheiro, etc.  Segundo Harari (ibid., p. 158-159), a ordem imaginada está incrustrada no mundo material. Embora seja criada por nossa imaginação, exista como ente da razão, essa ordem se objetiva, sendo até mesmo gravada na pedra. A ordem imaginada define nossos desejos, como bem assinala o autor:



(...) a maioria das pessoas não quer acreditar que a ordem que governa a sua vida imaginária, mas na verdade cada pessoa nasce em uma ordem imaginada preexistente, e seus desejos são moldados desde o nascimento pelos dominantes. Nossos desejos pessoais, portanto, se tornam as defesas mais importantes da ordem imaginada.



A ordem imaginada é intersubjetiva, ou seja, ela é uma criação de indivíduos social e historicamente situados e engajados em práticas sóciocognitivas-interacionais. Conforme assinala Harari (ibid., p. 164),


[ela] existe na rede de comunicação ligando a consciência subjetiva de muitos indivíduos. Se um único mudar suas crenças, ou mesmo morrer, será de pouca importância. (...) Fenômenos intersubjetivos existem de uma maneira diferente de fenômenos físicos como a radioatividade, mas seus impacto no mundo ainda pode ser gigante.



Uma ordem imaginada só pode ser mudada, se, primeiramente, as pessoas passarem a acreditar na possibilidade de criar uma ordem social alternativa. Um dos postulados da teoria construcionista crítica é sustentar que toda realidade social, por mais densa ontologicamente que seja, por mais sólida que seja, pode ser revogada, muito embora reconheça que o instituído, tendo se estabelecido, passa a existir concretamente, fazendo valer seus imperativos, de modo que “a realidade construída perdura, torna-se instituição, estrutura, moldagem, não sendo o caso de pensá-la como de fácil demolição” (Filho, 2017, p. 38). O que uma teoria construcionista crítica sustenta é, em suma, o seguinte:


A realidade social existente (incluindo as dimensões imaginárias, simbólicas e subjetivas) é uma construção que decorre das práticas dos indivíduos, grupos, classes sociais, instituições, etc. em sua contínua atuação nos vários espaços em que se distribuem nas diferentes sociedades e épocas. ( grifo meu, Filho, ibid., p. 31-32).



O construcionismo crítico mantém que nossas lutas e disputas fazem parte da constituição do tecido histórico, mas essa constituição da história não segue um plano racional. Em grande medida, as construções sociais e seus resultados são involuntários e imprevisíveis. O mundo social é permeado de instituições que não foram racionalmente concebidas ou conscientemente planejadas. Como bem disse Cioran (2011, p. 100), “ninguém quer aceitar que a história se desenvolveu sem nenhum motivo, independentemente de uma direção determinada, de um objetivo”.
Cuidando esclarecida a tese central da teoria construcionista crítica, lançarei olhares sobre a questão que consiste em determinar em que medida o niilismo constitui um horizonte histórico-epistêmico à luz do qual se tornou possível o desenvolvimento de uma teoria ou de um conjunto de reflexões sociológicas, filosóficas que põem a descoberto o caráter ficcional, artificial, imaginário da realidade social.




2. O niilismo como categoria crítica social


Consoante ensina Volpi (ibid., p. 8), “o niilismo constitui (...) uma situação de desnorteamento provocado pela falta de referências tradicionais, ou seja, dos valores e ideais que representavam uma resposta aos porquês, e como tais, iluminavam a caminhada humana”.
A modernidade do século XIX se caracterizou pela atuação de sujeitos sociais que questionavam explicitamente valores e instituições sociais vigentes até então de um modo tal considerado por eles revolucionário. O niilismo, a partir da década de 1860, antes mesmo de sua teorização por Nietzsche, era relativamente difundido pela Europa e referia-se a correntes socialistas revolucionárias atuantes na Rússia czarista. Os questionamentos levantados pelos segmentos sociais que se opunham a estes grupos socialistas eram muito próximos daqueles levantados posteriormente pelos filósofos: é desejável romper com instituições consideradas até então legítimas? Mais do que isso: é possível que o mundo social sobreviva sem elas, sem que tornemos a viver em um estado de barbárie? A essas questões que acenavam com o receio e a angústia em face de um futuro catastrófico, acresce-se a dúvida acerca da possibilidade de os novos valores e instituições que esses revolucionários pretendiam criar fornecerem um sentido sólido para o mundo. O niilismo, nesse contexto histórico, congrega uma série de propostas ativas, anseios, atitudes destinadas ao rompimento com os valores, as instituições e sentidos pré-existentes na sociedade. O niilismo na Rússia da segunda metade do século XIX desenvolveu-se no imaginário popular por força das ações de jovens estudantes socialistas, que atuavam nas grandes cidades do país, como São Petersburgo, Moscou e Novgorod. A intenção deles era organizar a população camponesa para o levante revolucionário contra o Estado czarista. As classes dirigentes da sociedade pressentiam nesses movimentos subversivos o risco do Nada, de que é prenhe todo niilismo: a ausência de toda ordem social.
A experiência da Rússia czarista atesta que, historicamente, o niilismo assenta na contestação e na necessidade de ruptura com os valores sociais tradicionais, considerados como esteios sólidos para a instituição de sentido para o mundo e a existência humana. É justamente nesse horizonte de compreensão do niilismo que proponho se deve vê-lo como um acontecimento histórico que determina o modo de ser do homem que se constituiu na confluência das culturas judaico-cristã e greco-romana. O niilismo instaura uma certa ambiência hermenêutica e epistêmica à luz da qual a realidade social ou o mundo humano, ordenado em instituições, relações e práticas simbólicas, costumes e atividades políticas e culturais pôde passar a ser questionada como uma construção resultante da atividade de agentes humanos situados historicamente. É na esteira do niilismo e graças ao seu poder de negação, de nadificação que se pode combater e recusar as concepções essencialistas com base nas quais se explica a existência do mundo e do homem pela alegação da existência prévia, originária de uma instância transcendente e eterna ou de entes sobrenaturais e criadores.
O niilismo se insurge contra o que Michel Meffesoli chama esquema substancialista que marcou o Ocidente, cujas figuras são a do Ser, Deus, Estado, Instituição, Indivíduo, Identidade, Bem, entre outras. O niilismo descerra as condições de possibilidade para o compromisso com a crítica radical do que Meffesoli chama “Fantasma do Uno”, ou seja, uma matriz ideológica, imaginária que, reduzindo toda a diversidade e complexidade do real (domínio das infinitas possibilidades, das virtualidades) ao imperativo do Uno, está na origem da fundação dos monoteísmos morais, políticos e dos autoritarismos que culminaram com os piores totalitarismos. O niilismo, a fim de assegurar seu poder bélico, contestatório de todas aquelas variantes do esquema substancialista, precisa trazer à luz a insignificância radical da condição humana, o abismo em que assenta a história, a abissal indiferença cósmica para com nossas rixas, rivalidades, lutas e disputas pelo poder de determinar o curso do desenvolvimento histórico que resiste a acomodar-se ao regime de um plano racional.
Penso ter descerrado, a esta altura, o que chamo de Lucidez niilista. O niilismo se apresenta, pois, como uma forma de pensamento dessacralizador, fundado na negação radical de todo ideal, de toda pretensão de segmentos societários, que gozam do privilégio do poder instituído, de reificar, de naturalizar, hipostasiar sentidos e valores que são historicamente produzidos, sedimentados e conservados. O niilismo é o modus operandis de toda crítica desconstrucionista ou genealógica que visa a “desenterrar”, a pôr sobre a terra as raízes das configurações, das conformações históricas cuja existência é justificada metaempiricamente ou metafisicamente. Como bem nota Filho (ibd., p. 52),


(...) é o ser humano o único animal que tem consciência antecipada de sua morte, e a ilusão produzida por ele próprio, de permanência (reprodução, duração e eternidade) da realidade dos mundos cósmico e social anda, em diversas culturas e até aqui, de par com a vontade de imortalidade, invulnerabilidade à morte. Fenômeno cuja generalidade não o torna menos constructo humano que todos os outros.



Embora não reste dúvida de que, historicamente, os seres humanos erigiram os grandes edifícios simbólicos que constituem a ordem social com vistas a tornar possível a sobrevivência da espécie num ambiente natural inóspito, é sempre bom lembrar que tais edificações garantem aos homens a proteção contra a angústia originária que, acompanhando Heidegger, dormindo no ser-aí, pode, no entanto, ser despertada revelando o Nada – não o nada como “ao lado” do ente em sua totalidade, mas o nada no ente como perda de mundo, como fuga do ente em sua totalidade. O modo de ser do impessoal tende a expulsar o nada: “quanto mais nos voltamos para o ente em nossas ocupações, tanto menos nós o deixamos enquanto tal, e tanto mais nos afastamos do nada. E tanto mais seguramente nos jogamos na pública superfície do ser-aí”. (Heidegger,  1983, p. 41).
O niilismo é o grande pensamento da Lucidez, da mais luminosa Aurora, que descerra o horizonte do Nada, como experiência da nulidade, da insignificância, do desamparo, da perda, do Vazio para afirmar o real como domínio de infinitas possibilidades e a vida, na esteira de Nietzsche, como complexo de múltiplas interpretações configuradoras, criadoras de novas formas de existência. Sendo os seres humanos animais simbólicos dotados de uma consciência antecipada da morte, o niilismo deve afirmar seu poder de dessacralização sob o regime hermenêutico do signo da Morte, à luz do qual cada indivíduo humano é lembrado de que “ganha a sua vida como uma dádiva, surge do nada, depois sofre a perda dessa dádiva através da morte, voltando ao nada”. É sob o regime hermenêutico do signo da Morte que o niilismo deve lembrar aos indivíduos, contra as suas manias de grandeza, contra seus empedernidos hábitos de rivalizar, disputar e até matar em nome de suas crenças ilusórias, justificadas metafisicamente, contra suas aparentemente inofensivas loucuras diárias que os fazem subservientes do falatório e de seus dispositivos de interpretação que visam a assegurar ser o mundo, o real tal como dele se fala – é, repito, sob o regime hermenêutico da Morte que o niilismo deve lembrar aos indivíduos “que seu lugar e duração (...) são partes finitas de um infinito, de um ilimitado” e que



 sua existência propriamente dita encontra-se apenas no presente, cujo escoar sem obstáculos no passado é uma transição contínua para a morte, um sucumbir sem interrupção (...) pois sua vida passada já terminou por inteiro, morreu e não mais existe. (Schopenhauer, 2015, p. 360).

domingo, 17 de fevereiro de 2019

"Por mais que haja o amor perfeito e desinteressado a alguém, o supremo fim é a geração de um novo ser" (Schopenhauer)


                                      Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.... Frase de Machado de Assis.



                                   Eros e a afirmação da vontade de viver
                                             O amor segundo Schopenhauer

Convém não perder de vista que é a insignificância radical do indivíduo que está sob foco de nossas considerações. A mais enérgica, imperiosa e irresistível forma pela qual o homem e o animal afirmam a vontade de viver repousa na satisfação do instinto sexual. A compreensão da maneira como funciona esse instinto desvela, mais uma vez, a insignificância radical do indivíduo.
Partindo-se da premissa segundo a qual a natureza tem por essência a vontade de viver (e considerando-se que o homem é um ser integrante da natureza), segue-se que o objetivo primeiro do homem é a sua conservação. É importante que não percamos de vista essa inclinação premente da Vontade em Schopenhauer, já que se trata de uma característica que não encontrará acolhida na concepção nietzschiana de “vontade de poder”: a vontade no homem e nos animais não humanos é esforço para a conservação.  Segundo Schopenhauer, uma vez que o homem tenha garantido sua subsistência, sua conservação, ele quererá apenas garantir a propagação da espécie. Deve-se, no entanto, fazer aqui uma ressalva: na verdade, não é o homem que quer conscientemente a conservação da espécie, mas a vontade nele que a quer. Portanto, escreve Schopenhauer “(...) a natureza, que tem por essência a vontade de viver, impulsiona com todas as suas forças quer o animal, quer o homem a perpetuarem-se”. (ibid., p. 346).
Reencontramos expressa aí a insignificância radical do indivíduo: este não é mais do que um meio a serviço da Vontade para a satisfação de seu desígnio. A Vontade é completamente indiferente ao indivíduo.

Portanto, a natureza que tem por essência a vontade de viver, impulsiona com todas as suas forças quer o animal quer o homem a perpetuarem-se. Feito isso, ela tirou do indivíduo o que queria e fica bastante indiferente a sua morte, visto que para ela – que, semelhante à vontade de viver, apenas se ocupa com a conservação da espécie – o indivíduo é como nada. (ibid.).


Para Schopenhauer, os órgãos sexuais são a verdadeira sede da vontade de viver; nenhum outro órgão está tão submetido ao império da Vontade. Essa submissão à Vontade exclui toda a influência da inteligência. Por isso, os órgãos sexuais

(...) são o verdadeiro foco da vontade, o polo oposto ao cérebro, que representa a inteligência, a outra face do mundo, o mundo como representação. Eles são o princípio conservador da vida e que lhe assegura a infinitude do tempo; é por causa desta propriedade que eles eram adorados pelos gregos no falo, e pelos hindus na linga: símbolo duplo da afirmação da vontade, vemo-lo agora. Pelo contrário, a inteligência torna possível a supressão da vontade, a salvação pela liberdade, o triunfo sobre o mundo, o aniquilamento universal. (ibid., p. 346-347).



Schopenhauer atribui à inteligência um papel fundamental na libertação do homem da tirania do querer viver. Devemos, no entanto, protelar a consideração desse aspecto da doutrina schopenhaueriana, que será examinado quando nos ocuparmos da negação da vontade de viver.
A sexualidade é vista por Schopenhauer como uma ilusão vital, tese esta longamente desenvolvida em sua Metafísica do Amor. Ela é uma ilusão vital porque procura ardentemente, à revelia dos amantes, os atributos físicos indispensáveis à geração da criança, a qual deve reproduzir o modelo de espécie mais resistente e adequado à perpetuação da Vontade. Em outras palavras, os amantes creem que escolhem cuidadosamente seu amado, que é o amor apaixonado, desinteressado que os impulsiona nessa busca, mas, na verdade, Eros está a serviço da Vontade; é uma espécie de ardil desta, pelo qual ela quer realizar, através dos amantes, seu desígnio, qual seja, a perpetuação da espécie. Assim, para Schopenhauer, o homem é essencialmente instinto sexual que, tomando corpo, se esforçará, movido pelo apetite sexual, que é a própria essência do homem, para conservar a espécie.
O profundo pessimismo do qual a filosofia schopenhaueriana é um sintoma vigoroso calca-se sobre a convicção de que a essência íntima do universo é uma Vontade cega, absurda e irracional de viver, vontade esta que impulsiona todo o mundo e cada ser vivo a desejar incessantemente a vida. A vida do ser humano, especialmente, é um contínuo e incessante movimento de alternância de desejos que jamais logram satisfação plena e duradoura, do que resulta que a vida seja experienciada pelo homem como uma trama marcada por luta sem trégua, esforços inúteis, dores intermináveis, pálidas satisfações intermitentes e tédio profundo.
À tirania da Vontade, impulso cego sempre diligente em perpetuar a vida, nem mesmo Eros escapa. O amor é, para Schopenhauer, portanto, essencialmente instinto sexual, e dele a Vontade se serve como um estratagema para perpetuar a si própria (já que a Vontade é vontade de viver). Os protagonistas da relação amorosa acreditam estar vivendo livremente essa relação, à qual eles associam toda sorte de significados, anseios, valores, sem saberem que a natureza os usa como meros instrumentos para atingir seu fim fundamental: a conservação da espécie pela reprodução. Assim, o amor, tanto quanto o casamento, é um simples artifício empregado para um fim. Nem um nem outro comporta qualquer valor sagrado. Que o amor esteja submetido à Vontade cega, absurda e irracional o prova a loucura de que está impregnada a experiência amorosa. Assim, Schopenhauer manterá que o amor é realmente poderoso e astuto, pois sabe iludir o ser humano com promessa de felicidade duradoura, que jamais pode ser realizada.
O próprio prazer sexual é efêmero e insatisfatório, porquanto a união sexual não visa nunca a tornar felizes os amantes, mas tão só a possibilitar a geração de novas vidas, e com esta geração garantir a preservação da espécie. Schopenhauer, portanto, opera uma radical desmitificação do amor. Toda pessoa apaixonada é vítima de uma ilusão, por mais que creia no caráter sublime, etéreo, celeste, transcendente do amor, vive-o na ignorância a respeito de sua realidade: ele é instinto sexual a serviço da perpetuação da espécie. É através dele que se afirma de maneira mais enérgica e imperiosa a vontade de viver. Quando um indivíduo é tomado do instinto amoroso, é a vontade que expressa ardentemente seu desejo de se perpetuar num ser novo e distinto. Em A Vontade de Amar (2008, p. 16-17), assinala Schopenhauer:

O instinto do amor é meramente subjetivo, mas sabe iludi-los, ocultando-se sob a máscara de uma admiração objetiva. Por mais que haja o amor perfeito e desinteressado a alguém, o supremo fim é a geração de um novo ser. É prova disso não se satisfazer o amor com sua reciprocidade sentimental, mas ter necessidade da posse do gozo físico.


Conclui, pois, o filósofo  de modo severo e desalentado:


As almas nobres, os espíritos sentimentais, ternamente apaixonados, protestarão em vão contra o realismo rude de minha teoria; seus protestos carecem de razão. A constituição e o caráter da geração futura é uma finalidade do amor muito mais elevada que os sentimentos fantásticos e seus sonhos de idealismo. (ibid., p. 17, grifo nosso).


O frenesi de que é tomado um homem que encontra numa mulher o modelo vivo de seu ideal de beleza é tão só a forma pela qual se agita a índole da espécie, sempre ávida de perpetuar-se. Eis então, no excerto seguinte, como se nos apresenta outro aspecto da constante e insuperável ilusão a que estão destinados os amantes. Note-se que o amante nutre a crença ilusória de que a natureza trabalha para preservar a união dele com o/a amado/a; mas, na verdade, não é isso que acontece, segundo Schopenhauer:

É também uma ilusão a sua crença [do homem apaixonado] de que unicamente a posse de uma mulher, entre todas do mundo, lhe assegura uma ventura infinita. Entretanto, imaginando embora que seus esforços e trabalhos visam apenas lograr um gozo, na realidade trabalha só para perpetuar o tipo integral da espécie, criando um indivíduo determinado, que carece dessa união para existir. (ibid., 2008, p. 21).


O exame levado a efeito por Schopenhauer sobre a natureza do amor se inscreve num horizonte de desconstrução do ideal do amor romântico, ideal cujas raízes remontam ao cristianismo. Há, na crítica schopenhaueriana do amor, um verdadeiro desencantamento de Eros. Esse desencantamento pode ser interpretado como uma verdadeira dessacralização do amor, cujo resultado é devolver a Eros sua natureza instintiva, grosseira, que, ao longo de dois mil anos, foi encoberta por ideais que o imaginário coletivo não fez mais do que reproduzir. Mas, na verdade, a experiência não cansa de nos mostrar que tais ideais, que foram decisivos na construção imaginária do amor ocidental, são incompatíveis com a sua verdadeira natureza: a de ser instinto de reprodução, de procriação, e nada mais.
No passo a seguir, Schopenhauer nos faz ver que o destino de todo amante é a decepção, o desencanto. O amante se engana ao pretender colher do gozo amoroso as mais excelsas alegrias.


Todo amante experimenta, uma vez satisfeito o desejo, uma decepção singular. Surpreende-se de que sua paixão só lhe proporciona um prazer efêmero seguido de um rápido desencanto. (...) [Ele] não tem consciência de que a espécie é quem unicamente lucra com a satisfação de seu desejo; todos os sacrifícios que realizou voluntariamente, impelido pelo gênio da espécie, serviram para obter uma finalidade que não era sua. (ibid., p. 22).


Se nos for permitido empregar um vocábulo que, embora estranho ao pensamento schopenhaueriano, caracteriza bem a condição do amante, esse vocábulo é o adjetivo “alienado”. O amante, ao viver seu amor, o vive na inconsciência de ser um alienado, isto é, na ignorância do fato de que jamais é ele quem se realiza no amor, de que não é ele, amante, que realmente se beneficia do amor. Todo amante é, portanto, um ser alienado na medida em que não tem consciência de que não é sobre ele que recai a vantagem do amor, mas sobre a espécie, que garante, no ato da reprodução, sua perenidade.


quarta-feira, 29 de agosto de 2018

"Toda experiência profunda se formula em termos de fisiologia" (Cioran)



            Imagem relacionadaResultado de imagem para Nietzsche
                         



A disposição afetiva pessimista e a disposição afetiva trágica: natureza e diferenças



1. As disposições afetivas trágica e pessimista


O conceito de afeto, tanto quanto o de disposição, cumprirá um papel importante no horizonte hermenêutico em que se inscreve este texto. Afeto é um conceito que encontramos na Ética de Spinoza. Nesse livro, afeto relaciona-se a pathos (paixão) e recobre a ideia de aquilo que nos põe em movimento, em relação com o mundo[1]. O afeto descreve certo modo de relação que estabelecemos com o mundo. Afeto “é, ao mesmo tempo, o sentimento e a impressão que causamos nos outros e o que os outros causam em nós” (Schöpke, 2010, p. 16). A categoria de afeto cumprirá a função de um dispositivo de interpretação com o qual buscaremos compreender as filosofias de Schopenhauer e de Nietzsche como exercícios espirituais destinados a cunhar dois tipos vitais humanos radicalmente distintos.
O conceito de disposição, por seu turno, encontra registro na obra Ética a Nicômaco, de Aristóteles. Nesse livro, disposições se definem como “estados de caráter formados devido aos quais estamos bem ou mal dispostos em relação às paixões”[2]. Como no excerto aristotélico a “disposição” se define como ‘estados do caráter’, e o caráter, para os gregos, combina entre si os aspectos psicológico e moral, buscamos em Jung uma definição de disposição que não abriga em seu campo intensional qualquer referência à moral. A definição proposta por Jung tem a vantagem de ser descritivamente adequada à compreensão do que entendemos por disposição afetiva. Para Jung, “disposição é uma propensão da psique para realizar algo determinado, para agir e reagir em determinada direção. (...) Pode-se definir disposição como uma ordenação – quer inata quer resultante da experiência – dos elementos orgânicos ou dos elementos mentais, ou de ambos”. (ênfase nossa).[3] Duas “fatias” do significado de disposição nos interessam para efeito de aplicação à proposta interpretativa em curso neste trabalho: propensão para e ordenação. Tendo em conta a compreensão jungiana de disposição como propensão para e ordenação dos elementos orgânicos quer inatamente fixada, quer decorrente da experiência, propomos subsumir o conceito de disposição no de destino. Mas destino não deverá ser entendido como ‘poder mais ou menos personificado que determina de modo irremediável o curso dos acontecimentos’. Ao tomar disposição como destino, aproveitamos as noções de propensão para e ordenação orgânico-mental, para construir dois significados que se fundem no conceito de destino: 1) como destino, a disposição caracteriza certo modo de estar afetado pelo enviar-se, pelo destinar-se da vida, cuja dinâmica de forças produz tais ou quais efeitos psicofisiológicos sobre um corpo vital humano; 2) como destino, a disposição não está sob o nosso controle, no sentido de que não escolhemos ser constituído psicofisiologicamente de tal ou qual modo[4].
Vale dizer que do fato de que não escolhemos a disposição que nos constitui não resulta que seja ela absolutamente inalterável. Não obstante, a alteração de uma disposição não depende de um ato deliberativo da vontade. Para que a alteração da disposição se dê, necessário é que o enviar-se da dinâmica da vida nos afete de modo diferente, que as conformações do enviar-se da vida modifiquem a estrutura afetiva de nosso corpo.
Entenderemos, portanto, por disposição afetiva um modo de ordenação dos afetos que nos predispõem, que nos fazem propensos a sentir e a perceber o mundo em consonância com o modo como o destinar-se da dinâmica da vida nos afeta e incide sobre nós, vale dizer, sobre nosso corpo, enquanto totalidade psicofisiológica.
Crendo esteja esclarecido o conceito de disposição afetiva, vamo-nos debruçar sobre a apresentação das características distintivas, das quais nos dá testemunho Rosset (1989), das visões pessimista e trágica. O esclarecimento dessas características deverá contribuir para que não se confundam as duas visões de mundo, muito embora elas não se diferenciem absolutamente. Conquanto seja pertinente, do ponto de vista teórico e metodológico, a maneira como Rosset as diferencia, no que nos diz respeito, será mais importante sublinhar a forma distinta como as duas disposições afetivas – a disposição afetiva pessimista e a disposição afetiva trágica – respondem aos dois pressupostos básicos, os quais as cosmovisões pessimista e trágica compartilham entre si:

1º pp. uma produção enunciativa sobre o pior;
2º pp. o reconhecimento da inerência do sofrimento ou da dor à dinâmica da vida.

Em outras palavras, tanto a cosmovisão pessimista quanto a cosmovisão trágica concordam em que: 1) é possível desenvolver um pensamento do pior; 2) a dor ou o sofrimento são experiências inerentes à dinâmica da vida.
Doravante, lancemos olhares sobre o modo como Rosset nos apresenta a distinção entre o pensamento trágico e o pensamento pessimista. Rosset começa por notar que subjaz a todo pensamento filosófico um desejo; esse desejo reside na origem da filosofia. No caso particular da filosofia trágica, o filósofo é movido por algo que “quer o trágico”. Nietzsche é uma expressão paradigmática desse querer, pois seu querer assume a forma de um “sim” incondicional à vida. Não cabe aqui esclarecer o que significa, para Nietzsche, dizer sim incondicionalmente à vida. É forçoso protelar o tratamento desse ponto para que não nos desviemos demais do objetivo a que visamos nesta seção, qual seja, o de dilucidar a diferença entre as disposições afetivas pessimista e trágica. Não deixaremos, no entanto, de tecer considerações esclarecedoras no que toca ao caráter incondicionalmente afirmativo da filosofia trágica de Nietzsche.
Rosset prossegue afirmando que “a intenção trágica [sic.] não é comandada por uma visão pessimista do mundo”. (Rosset, 1989, p. 19). Disso não resulta que o pensamento trágico não seja expressão de uma visão de mundo “mais pessimista que qualquer pessimismo”. (ibid.). O que o pensamento trágico produz é uma interpretação deveras pessimista do real, mas essa interpretação não se encaminha no sentido da desaprovação do mundo, muito pelo contrário. O pensamento trágico, a despeito de pôr a nu o caráter doloroso da existência, a miséria da condição humana, a inexorabilidade do destino humano que, posto sob a consciência crítica, se revela irracional, sustentará uma aprovação jubilosa da existência.
Rosset se refere a duas diferenças maiores entre o pensamento trágico e o pensamento pessimista: a diferença de conteúdo e a diferença de intenção. Do ponto de vista da diferença de conteúdo, o pessimista supõe a existência de uma natureza, do ser, de uma ordem do real, a qual considerará má e insatisfatória. É nesse sentido que o pessimista afirma o pior. O pessimismo realça e condena a incoerência do já ordenado: o mundo deve ser desaprovado, porque sua ordem é má. Para Rosset, a filosofia pessimista é uma filosofia que, assumindo o ‘dado’, ou seja, o mundo já ordenado, dotado de uma “natureza” (essência), reputá-lo-á mau, tenebroso, um erro que não deveria ser. Por outro lado, o pensamento trágico, negando a existência do ‘dado’, isto é, do mundo ordenado, se constitui num pensamento do acaso. Nas palavras de Rosset,


Não somente o pessimista não acede ao tema do acaso, como ainda a negação do acaso é a chave-mestra de todo pessimismo, assim como a afirmação do acaso é aquela de todo pensamento trágico. O mundo do pessimista está constituído de uma vez por todas; donde a grande palavra do pessimista: “Não se escapa”. O mundo trágico não foi constituído; donde a grande questão trágica: “Aí não se entrará jamais” (...). (ibid. p. 20, ênfases no original).


Ainda segundo o autor, não é nem o humor, nem o afeto que distinguem entre os dois pensamentos. O pensador trágico e o pensador pessimista encontram-se em igualdade de humor e afetos.
Se não são os afetos nem o humor que estão na base da diferenciação entre o pensamento trágico e o pessimista, em que termos se deve expressar tal diferença? Do que se expôs, fica claro que a filosofia trágica e a filosofia pessimista se diferenciam relativamente à afirmação ou à recusa de uma ordem do mundo já dada. O pensamento trágico a recusa; o pensamento pessimista a supõe e afirma a irracionalidade dessa ordem dada. Assim, para o pensador pessimista, o que existe não é objeto adequado para o pensamento. Segundo Rosset, o pensamento pessimista é a grande filosofia do ‘dado’, isto é, a filosofia pessimista assume a existência de um mundo já ordenado, cuja natureza é má. O pessimismo filosófico, na medida em que é uma filosofia do ‘dado’ enquanto já ordenado, coincide com a filosofia do absurdo.
Deveríamos concluir do que precede que a categoria do absurdo é um traço distintivo importante na caracterização dos pensamentos pessimista e trágico? Será que estamos autorizados a dizer, a partir de Rosset, que a filosofia trágica nega a absurdidade da existência? Uma tal conclusão é autorizada por Rosset, consoante podemos ler no seguinte passo:



Esta filosofia do absurdo [a filosofia pessimista] não é tanto contrária ao pensamento trágico quanto sem relações com ele. Trata-se aí, com efeito, de uma absurdidade segunda, condicionada, que se sustenta no sentido uma vez constituído: mostra-se que os “sentidos” apresentados pelo mundo existente recobrem outro tanto de não-sentido em relação a tudo aquilo que o homem se pode representar em matéria de finalidade”. (ibid., p. 22-23, ênfase no original).


Devemos, pois, reter que o pensamento pessimista, porquanto supõe a existência de um mundo já ordenado, pressupõe que esse ordenamento está investido de um sentido já constituído. Mas esse sentido já constituído pelo fato mesmo de haver ‘ordem’, uma natureza do mundo, se imiscui com uma vasta facha de sem-sentido. Em outras palavras, por mais que o homem possa “ver” uma ordem teleologicamente constituída no mundo, há sempre uma grande parte dessa ordem que se mostra desprovida de qualquer sentido.
Para o pensador pessimista, o absurdo está aí, já constituído, já instalado nas formas como o sem-sentido irrompe na malha do sentido, de tal modo que o pretenso sentido da ordem do mundo não elide as tribulações do sem-sentido, sempre persistente e perturbador daquela ordem. Destarte, o pensamento pessimista, seguindo a compreensão que tem dele Rosset, assume um sentido dado, a partir do qual esse pensamento explorará a fragilidade, a insuficiência desse sentido. O pensador pessimista denuncia o caráter insensato da ordem ontológica vigente. A ordem do mundo, no entanto, vige, mesmo que se apresente como desordem, como absurda (isto é, sem sentido).
Por seu turno, o pensamento trágico afirma a inexistência de um sentido já dado, mesmo que o mais absurdo. O pensador trágico sustenta a insignificância de tudo. Sendo afirmação do acaso, o pensamento trágico “é não somente sem relações com a filosofia do absurdo, como ainda é incapaz de reconhecer o menor não-sentido; o acaso sendo, por definição, aquilo a que nada pode desobedecer”. (ibid., p. 23, grifos nossos).
Consideremos, agora, a diferença entre a filosofia pessimista e a filosofia trágica do ponto de vista da intenção. Em consonância com esse ponto de vista, a sabedoria pessimista se caracteriza pela constatação, resignação e sublimação mais ou menos compensatória. A sabedoria trágica, por outro lado, recusa a constatação, ou, melhor ainda, se orienta pela impossibilidade de constatação. Tampouco é uma sabedoria que se erige “ao abrigo da ilusão” (ibid.). Também não afirma uma felicidade “ao abrigo do otimismo” (ibid.). Segundo Rosset, o pensamento trágico busca “uma coisa inteiramente outra: loucura controlada e júbilo”. (ib.id.). Façamos eco às palavras de Pascal, embebidas na loucura jubilosa do homem trágico, que cai no abismo dançando: “Nós somos tão necessariamente loucos que seria estar louco por uma outra espécie de loucura, não estar louco”. (...) “Alegria, alegria, lágrimas de alegria”. (apud. Rosset, p. 23-24).
Em que medida as considerações de Rosset sobre a diferença entre a sabedoria trágica e a sabedoria pessimista ajudam-nos a determinar a orientação diversa, não coincidente, das disposições afetivas a que já aludimos? Da compreensão de Rosset da diferença entre as duas sabedorias, colheremos as noções de acaso e absurdo, aprovação incondicional e desaprovação.
Em consonância com a lição de Rosset, diremos que a disposição afetiva trágica afirma e/ou celebra o júbilo na insignificância radical da existência, a coragem no enfrentamento do caráter deveniente da vida, a qual se revela como fluxo incessante que arrasta tudo que existe para o aniquilamento. A disposição afetiva trágica sustenta a aprovação jubilosa da existência.
A disposição afetiva pessimista, por sua vez, é movida pela resignação em face da crueldade do real, pela constatação do caráter insatisfatório, absurdo e aterrador da existência. A resignação pessimista pode vir acompanhada de uma proposta compensatória ou consoladora, animada, no entanto, pela negação da vida sem concessão, pela recusa da existência como irremediavelmente má, pela desaprovação da ordem do mundo considerada como desprovida de qualquer sentido último.
Acresce-se que as duas disposições afetivas afirmam o desespero, mas o fazem em sentidos diversos: a disposição afetiva trágica afirma o desespero jubiloso que quer o real tal como é. Para a disposição afetiva trágica, o devir, que caracteriza a impermanência de todas as coisas, que torna todas as coisas destituídas de densidade ontológica, não constitui razão para a negação do mundo. Por isso, o pensador trágico dará sua aquiescência ao fluxo incessante, ao destinar-se inexorável de tudo que existe ao aniquilamento. Um exemplo desse espírito trágico está muito claramente sumariado no seguinte trecho de Ecce Homo (2013, p. 107-108):



A afirmação do fluir e da destruição, elemento decisivo numa filosofia dionisíaca; o dizer “sim” à contradição e à guerra; o devir, com uma recusa radical do próprio conceito de “ser”- nisso tenho de reconhecer, em qualquer circunstância, o que está mais próximo de mim dentre o que até agora se tem pensado.



Consoante afirma Rosset (2000, p. 35), a sabedoria trágica enuncia “(...) uma fidelidade incondicional à nua e crua experiência do real”.
A disposição afetiva pessimista afirma o desespero como desesperança desorientadora, quanto à possibilidade de encontrar qualquer sentido último para a existência. Esse desespero aterrador inspira no espírito pessimista o pensamento de recusa do real tal como é, ao mesmo tempo em que lhe inspira a força com que denuncia o caráter insatisfatório, contraditório e mau da existência. O desespero pessimista orienta-se sempre no sentido da negação do mundo: desespero-me de buscar um sentido para a existência – diz o pessimista -, logo a existência é um inconveniente, um desastre, um acontecimento absurdo ao qual só posso dar minha desaprovação. A lenda do rei Midas, relatada por Nietzsche em O nascimento da tragédia, e referida antes por Schopenhauer, em O mundo como vontade e representação, merece ser evocada aqui como um exemplo paradigmático do espírito pessimista, vale dizer, da negação da existência que caracteriza fundamentalmente o pensamento pessimista. Escreve Nietzsche:



(...) Reza a antiga lenda que o rei Midas perseguiu na floresta, durante longo tempo, sem conseguir capturá-lo, o sábio SILENO, o companheiro de Dionísio. Quando, por fim, ele veio a cair em suas mãos, perguntou-lhe o rei qual dentre as coisas era a melhor e a mais preferível para o homem. Obstinado e imóvel, o demônio calava-se; até que, forçado pelo rei, prorrompeu finalmente, por entre um riso amarelo, nestas palavras: - “Estirpe miserável e efêmera, filhos do acaso e do tormento! Por que me obrigas a dizer-te o que seria para ti mais salutar não ouvir? O melhor de tudo é para ti inteiramente inatingível: não ter nascido, não ser, nada ser. Depois disso, porém, o melhor para ti é logo morrer”. (Nietzsche, 2007, p. 33).


       
             2. A influência de Schopenhauer na formação do pensamento de Nietzsche


Escapa à alçada desta exposição discorrer em pormenores sobre a influência que a filosofia de Schopenhauer exerceu sobre o pensamento de Nietzsche. Nosso intento é mais modesto: queremos apenas assinalá-la de tal modo, que se torne possível o conhecimento da dívida que o pensamento de Nietzsche tem, sobretudo nos anos de juventude desse autor, para com a filosofia de Schopenhauer. A influência da filosofia de Schopenhauer sobre a formação do pensamento nietzschiano não deve ser interpretada de modo reducionista como a presença de marcas, de “pegadas” schopenhauerianas que sinalizam uma reapropriação e ressignificação pelo pensamento de Nietzsche de domínios de significado do pensamento de Schopenhauer. A influência se deixa ver também nos pontos claros de desacordo entre esses dois filósofos, na insistência com que Nietzsche cita Schopenhauer para censurá-lo, para marcar os pontos de discordância entre seu pensamento (de Nietzsche) e o pensamento desse filósofo pessimista.  Assim, a marca de influência de um pensador e/ou autor sobre outro se deixa ver não apenas nos rastros de continuidade que podemos identificar, mas também nos rastos de ruptura, de dissensão entre os dois pensamentos.
A descoberta da filosofia de Schopenhauer por Nietzsche se dá quando da leitura que este faz do livro O Mundo como Vontade e Representação. Àquela altura, Nietzsche frequentava os cursos de filologia do professor Ritschl, mestre a quem acompanha ingressando na universidade de Leipzig, em 1865.
Na leitura de O Mundo (publicado em 1819), Nietzsche se dá conta do sentido filosófico da tragédia. Ele não deixa de se admirar da concepção schopenhaueriana de mundo como manifestação de uma Vontade cega, sem finalidade e irracional. Em grande medida, é na filosofia schopenhaueriana que Nietzsche encontrará a matriz de sua metafísica trágica[5]. Consoante Rosset (1989), essa visão trágica já se deixa ver no pensamento schopenhaueriano. Recorde-se que a Vontade em Schopenhauer é o fundamento sem fundamento da existência. Essa “verdade trágica” será radicalizada por Nietzsche na elaboração de sua experiência dionisíaca de mundo, “cuja descoberta não suportaríamos sem o socorro da arte e das aparências”. (Rocha, 2003, p. 46).
O leitor familiarizado com o pensamento nietzschiano pode discordar – não sem razão – de que haja uma metafísica em Nietzsche. É verdade que um pensamento que toma o mundo como destituído de ser é ele mesmo antimetafísico. Não resta dúvida, portanto, de que “[a] concepção de existência como desprovida de ser atravessa toda a obra de Nietzsche”. (Rocha, 2003, p. 45). Não obstante, em O Nascimento da Tragédia, obra que se situa entre os escritos de juventude de Nietzsche e onde é mais flagrante a influência de Schopenhauer sobre Nietzsche, há uma concepção metafísica que se expressa na admissão de uma essência dionisíaca subjacente às aparências. Todavia, nota Rocha (ibid.), essa essência não deve ser tomada como fundamento do mundo, “mas, ao contrário, é uma instância privada de toda medida e inteligibilidade”. Se a filosofia do jovem Nietzsche pode ser considerada “metafísica”, isso se deve à preservação do horizonte de interpretação do mundo à luz do qual este é explicado a partir da postulação de uma instância subjacente às aparências. Não obstante, a metafísica que aí se afigura é “intrinsecamente paradoxal, já que esta instância é desprovida de todos os atributos que se supõem caracterizarem uma essência”. (p. 46). Paradoxal ou não essa metafísica, deixando de lado as sutilezas semânticas envolvidas nos termos linguísticos que entram a fazer parte da discussão, acreditamos que, sob a influência schopenhaueriana, a esta altura do desenvolvimento do pensamento de Nietzsche, ainda está presente o dualismo ‘aparência x essência’ que caracteriza o modo de pensar metafísico (dualismo que Nietzsche tratará de superar ao longo da produção posterior de sua obra).
A influência de Schopenhauer sobre o pensamento de Nietzsche não se reduz à apropriação que este faz do termo Vontade, cujo conceito divergirá, no entanto, completamente do conceito schopenhaueriano de Vontade. Nietzsche admirou Schopenhauer por ter este produzido um pensamento superior, que nada devia às influências de poder. A admiração nietzschiana por Schopenhauer é de tal vulto que a este um texto é dedicado. A terceira consideração intempestiva, que recebe o título Schopenhauer Educador, é um elogio ao filósofo de Dantzig, reputado por Nietzsche como um filósofo exemplar, que representou o modelo de homem lúcido, altivo e idealista, capaz de subverter as convenções e de lançar por terra as ilusões ao abrigo das quais a maioria dos homens vive. O trecho a seguir nos dá testemunho do tom elogioso com que Nietzsche fala de Schopenhauer:



O que eu relato é somente a primeira impressão, de algum modo fisiológica, que sobre mim produz Schopenhauer (...). Ele é probo porque fala e escreve para si mesmo; é alegre porque conquistou pelo pensamento a mais difícil das vitórias; é constante porque não pode não sê-lo. Sua força cresce vigorosamente e sem esforço, como uma chama no ar calmo, segura de si, sem tremular, sem inquietude”. (Nietzsche, 2008, p. 29-30).


Outro ponto de aproximação entre Nietzsche e Schopenhauer reside no reconhecimento de que ambos os filósofos conceberam a Vontade como constitutiva tanto do homem quanto da existência em geral, fora de uma perspectiva espiritualista. Ainda que sejam inegáveis as diferenças que se deixam ver quando cotejamos entre si os pensamentos desses dois filósofos, é igualmente inegável que ambos se notabilizaram como grandes perscrutadores da existência, “do fundo sombrio e doloroso da vida”. (Brum, 1998, p. 18).




2.1. Diferenças fundamentais entre a filosofia de Nietzsche e a de Schopenhauer


O pensamento de Nietzsche se pretende afirmador de uma única verdade: a verdade trágica, a qual, por sua vez, esteia-se na afirmação da inexistência do Ser. A afirmação da inexistência do Ser faz da filosofia de Nietzsche uma negação da metafísica, a saber, uma antimetafísica que ensina a inexistência de um fundamento que confere sentido e finalidade à existência.
O pessimismo de Schopenhauer, considerando como absurdo o mundo, que é espelho de uma Vontade obscura e inconsciente, oferece como saída para uma existência intrinsecamente dolorosa - a negação da vontade. Nietzsche, ao contrário, embora também considere o sofrimento como o fundo da existência, oferece a possibilidade de uma afirmação da vida no tempo. Nietzsche é aqui o antípoda de Schopenhauer. Para Nietzsche, “o homem trágico diz “sim” em face até do sofrimento mais duro: é bastante forte, bastante abundante, bastante divinizador para tanto”. (Nietzsche, 2011a, § 483).
Ainda que Schopenhauer explique o sofrimento, a dinâmica dolorosa da vida como um efeito necessário da afirmação do querer-viver, ele continua vinculado ao horizonte de compreensão cristã do mundo, à luz do qual o sofrimento torna a vida indesejável, uma experiência da qual devemos querer escapar, uma experiência que, maculada pela dor e sofrimento, a vontade deve recusar. A filosofia experimental de Nietzsche, por outro lado, “quer antes penetrar até o contrário, até o dionisíaco sim do mundo, tal qual é, sem desfalque, sem exceção e sem escolha, quer o eterno movimento circular: as mesmas coisas, a mesma lógica e o mesmo ilogicismo do encadeamento”. (Nietzsche, 2011a, § 476).
Contra o pessimismo schopenhaueriano, que vê a vida como uma catástrofe, um erro que não deveria ser, Nietzsche oferece seu dionisíaco sim à existência: “Estado superior que o filósofo pode atingir: ser dionisíaco em face da existência. Minha fórmula para tanto é o amor fati”. (ib.id.).
Nietzsche não se limita, como faz Schopenhauer, a admitir o caráter doloroso da existência como uma necessidade (Schopenhauer, aliás, o admite para, em seguida, oferecer uma fuga). Nietzsche o considera não só necessário, como também desejável, “como o lado mais potente, o mais fértil, o mais verdadeiro da existência” (ibid.). Schopenhauer ainda se movimenta num horizonte hermenêutico de justificação do mal, do sofrimento. Nietzsche, ao contrário, afirma o “pessimismo da força”, segundo o qual “o homem agora não tem mais necessidade de justificação do mal”; ele “condena precisamente a justificação: usufrui do mal puro e cru, acha o mal sem razão mais interessante”. (Nietzsche, 2011, § 461).  Nietzsche ousa ainda mostrar a radicalidade de sua transvaloração: é o bem que precisa ser justificado, que “precisa possuir um fundo mau e perigoso” (ibid.), sob pena de ser “uma grande tolice”.
Schopenhauer se movimenta ainda num horizonte de compreensão metafísica do mundo: ele busca o incondicional em face do condicional, a saber, seu pensamento opera segundo a crença em que o que é relativo (o mundo fenomênico) deve repousar sobre o absoluto (a Vontade como coisa-em-si). Schopenhauer é um herdeiro da tradição metafísica ocidental, na medida em que explica o devir, a impermanência, recorrendo à coisa-em-si, ao Ser.
Nada mais estranho ao pensamento de Nietzsche do que esse modo de pensar o real. Para Nietzsche, o mundo carece de substancialidade; o mundo é um fluxo de forças agonístico. Só existe o mundo do devir, caracterizado pela dinâmica agonística das vontades de poder: “o mundo – escreve Nietzsche – não é absolutamente um organismo; é o caos”. (ibid., § 316).
A filosofia de Nietzsche pode ser entendida como uma ontologia negativa[6], porquanto pensa o mundo como desprovido de Ser.  Na tradição, o ser se diz daquilo que é necessário em contraste com o que é apenas contingente; o ser se diz também daquilo que permanece idêntico a si mesmo e que, por isso, serve de suporte ao devir (o ser se diz substrato do devir); finalmente, o ser designa o que é em si mesmo e para si mesmo, independentemente do aparecer dos entes. Ora, a metafísica baseia-se no mecanismo de duplicação do real, o qual consiste em superpor ao mundo sensível, deveniente, o mundo inteligível, da necessidade e da permanência. Assim, em toda metafísica, a aparência só “é” na medida em que é suportada por uma essência da qual toma seu ser e a qual lhe dá consistência ontológica.
É precisamente essa duplicação do real em mundo sensível e mundo do Ser que Nietzsche rejeita. O pensamento de Nietzsche é, nesse sentido, antiplatônico, antimetafísico. Nietzsche recusa um tal desdobramento metafísico do mundo. Mesmo quando ele fala em “essência”, ela se esgota no seu aparecer. Em suma, como metafísica negativa, o pensamento de Nietzsche nega:

1)       A hipótese de que há um mundo sensível e que esse mundo é expressão de uma essência;
2)       O fluxo do devir como manifestação do Ser;
3)       O mundo sensível como uma duplicação do mundo suprassensível;
4)       Que as interpretações sejam a representação de um mundo previamente constituído.

Cumpre acrescentar que, se Nietzsche rejeita a existência do mundo suprassensível – chamado por ele de mundo-verdade -, o faz não por uma razão teórica, visto que a inexistência desse mundo não pode ser demonstrada, mas por razões práticas. Nietzsche rejeita a existência do mundo verdade (mundo das Essências imutáveis) pelas consequências que a crença nesse mundo acarreta: o niilismo e a condenação da vida, a qual é desvalorizada em favor da vida além-mundo, em favor do mundo suprassensível, o qual realizaria a verdadeira vida (como creem, por exemplo, os cristãos). A crítica nietzschiana à metafísica açambarca uma crítica à moral, à religião e ao racionalismo, os quais são entendidos como expressão da crença em um mundo-verdade. Aqui é oportuno lembrar que Nietzsche também criticará o que chama de “vontade de verdade” que está na raiz da crença de que o mundo tem um sentido já dado, que cabe ao homem tão-só descobrir.



[1] Por afetos, entende Espinosa (2011, p. 98) “as afecções do corpo, pelas quais a sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções”.  O afeto se distingue da paixão pela possibilidade de podermos, no caso do afeto, nos conceber como a causa de uma afecção.
[2] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Edson Bini. Bauru: SP, 2013, p. 74.
[3] CABRAL, Álvaro; NICK, Eva. Dicionário Técnico de Psicologia. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 87.
[4] Nada obsta a que a disposição possa ser pensada à luz do registro do ser espinosista como recoberto pela dinâmica dos encontros, pelas relações entre os corpos, pela dinâmica relacional caracterizada por encontros potencializadores ou despontencializadores de meu corpo com outros corpos. Nessa perspectiva teórica, a disposição afetiva poderia ser pensada como uma espécie de ‘marca’ piscofisiológica resultante da forma como se dão aqueles encontros.
[5] Conforme ficará claro adiante, a “metafísica trágica” caracteriza um momento do desenvolvimento do pensamento de Nietzsche: em uma palavra, o período em que vem a lume O Nascimento da Tragédia, obra onde a influência schopenhaueriana é flagrante. A esse respeito, Rocha (ibid.) faz uma observação que suprime qualquer margem de dúvida quanto ao domínio de referência a que se aplica o emprego do termo metafísica quando se fala de Nietzsche: “(...) podemos considerar que o termo metafísica deve ser entendido aqui de um modo muito particular: se o que o define é a concepção de uma essência subjacente às aparências, então a obra do jovem Nietzsche é efetivamente metafísica. Mas se o que define é a crença em um fundamento ou uma razão para a existência, então a filosofia de Nietzsche é desde o início rigorosamente antimetafísica”.
[6] Seguindo aqui a interpretação de Rocha (ibid., p. 44).




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           REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




             CABRAL, Álvaro; NICK, Eva. Dicionário Técnico de Psicologia. São Paulo: Cultrix, 2006.


            NIETZSCHE, Friedrich. Schopenhauer Educador. São Paulo: Escala, 2008.

___________________. Vontade de Potência. Trad. Mario Ferreira dos Santos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011a.

___________________. Além do Bem e do Mal. Trad. Mario Ferreira dos Santos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

___________________. Assim Falou Zaratustra. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011b.



___________________. Ecce Homo. Trad. Antonio Carlos Braga. São Paulo: Escala, 2013b.

ROCHA, Silvia. P.V. Os abismos da suspeita: Nietzsche e o perspectivismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.

ROSSET, Clément. Lógica do pior. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.

SPINOZA, Ética. Belo Horizonte: Autêntica Ed., 2011.