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domingo, 1 de abril de 2012

"Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo." (Sócrates)


                           

                               
                                     Um cidadão do mundo

Nem provinciano, nem nacionalista, mas um cosmopolita. Sócrates era um homem de vanguarda. Um andarilho que vivia na Atenas de 470-399 a.C. Um homem que logrou conciliar sabedoria e virtude, o bem e a verdade. Um homem que cuidava ser o mal fruto da ignorância. Um homem injustamente condenado pela ignorância de seus conterrâneos, que o julgaram corruptor dos jovens. Um homem que pagou com a própria vida simplesmente porque viveu a questionar o senso-comum de sua época. Um homem que morreu pelas mãos do que combatia – a ignorância. Um homem que submeteu as opiniões correntes ao escrutínio da razão, o único caminho pelo qual julgava ser possível conhecer a verdade. Um homem que ficou famoso pela formulação de um método, conhecido como “maiêutica” e, por isso, chamado de “parteiro das ideias”. E acrescente-se das ideias pré-concebidas. Sua filosofia era uma filosofia da ética, voltada para o questionamento dos valores morais. Eis Sócrates, o pai da razão!
Ele não foi o único personagem da História da filosofia que me ensinou a compreender a importância de não aceitarmos as opiniões e as ideias correntes, sem que antes as examinemos. Decerto, à medida que me aprofundava na leitura filosófica, outras tantas figuras dignas de nota contribuíram para que esse espírito crítico-reflexivo adormecido em mim acordasse. E há algum tempo escrevo sobre os benefícios que a renovação intelectual permitida pela filosofia me acarretou. Hoje, me apercebo de que minha prática como educador e pesquisador, na área da ciência da linguagem, só enriqueceu. O poeta, o professor, o pesquisador, o leitor, o ateu, o amante da linguagem – todas essas faces que compõem a imagem do “eu” que me cabe estão em harmonia visceral, de tal sorte que uma não pode ser compreendido sem  relação com a outra.
A escolha pelo conhecimento, certamente, acarreta-nos algumas limitações em nossa sociabilidade. Em outras palavras, se escolhemos tornar-nos leitores dedicados e amantes da leitura, e se julgamos, assim, ser o conhecimento um bem a ser perseguido, é quase certo que nossas vivências sociais, nossas relações com os outros não serão as mesmas. Você, leitor, abandonará certos grupos, buscará integrar-se a outros grupos cujos indivíduos têm interesses afins e exibem um grau de escolarização e/ou letramento maior. Sua vida social mudará drasticamente. A solidão intelectual acaba por ser inevitável, até que você possa reconstruir sua identidade social e linguística, para viver relações que satisfaçam suas novas necessidades.
A pós-modernidade nos coloca diante de um desafio, no tocante à (re)construção da identidade. Os especialistas nesse campo advogam que as identidades são hoje plurais e versáteis. Trocamos de identidade mais ou menos como trocamos de roupa, dependendo da situação. A globalização explica, pelo menos em parte, essa versatilidade de identidades, que redunda em fragmentação. Não há mais lugar para identidades fixas, que conservamos até o fim da vida.  Há disponível uma multiplicidade de estilos; o império do efêmero rege nossas vidas. Os códigos culturais se fragmentam e as identidades  mudam constantemente. Nesse contexto, o sujeito é continuamente deslocado. 
Se é possível assumir muitas identidades, como então conciliá-las? Como mobilizá-las adequadamente aos diferentes contextos sociais? E não podemos nos esquecer da relação intrínseca entre identidade e linguagem, já que pela língua as identidades são construídas e negociadas. Quando falamos, evidenciamos muito do que somos. Heidegger ensinou-nos que a linguagem é a morada do ser; de um ser que é social e histórico. Não há eu fora da linguagem, não há sujeito (que, na modernidade tardia, se desloca continuamente) fora do discurso. Não há humano sem a dimensão simbólica. Tão importante quanto essa relação é pensar a identidade relativamente à diferença. Na realidade, não podemos pensar a identidade sem considerá-la na sua relação necessária com a diferença, já que a identidade de uma pessoa se constrói, pela linguagem, na relação com o outro. Essa relação se dá dentro de um sistema de produção de significados compartilhado (cultura). 
Precisamos de professores não só que ensinem conhecimentos, mas que ensinem o valor de conhecer. Precisamos de professores que não ensinem o conhecimento como mercadoria empacotada e pronta para ser desembrulhada e consumida, mas que conduzam os estudantes no longo e instigante processo de construção intersubjetiva (porque social) do conhecimento. Precisamos de professores com vocação ao magistério; de professores que não se limitam a reproduzir conhecimentos já dados esquematicamente em compêndios, mas de professores que proponham as questões já suscitadas sob novas perspectivas e que suscitem novas questões. Precisamos de professores-pesquisadores, como advogava Paulo Freire.
Enfim, precisamos desenvolver em nós o espírito socrático, para verdadeiramente alcançarmos a condição de cidadão do mundo.