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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

"Nós passaremos; só o ser permanecerá sendo" (BAR)

                                             

                                                               

                                                    Parmênides

                                               O filósofo do Ser

                                                 

Este texto inaugura uma série de textos sobre filosofia. Essa série ostentará o título Filósofos em cena; e o primeiro filósofo sobre cujo pensamento eu discorrerei é Parmênides de Eléia, conhecido como o filósofo do ser. A série de textos não se organizará segundo algum critério; os filósofos e suas filosofias me ocuparão segundo minha preferência circunstancial. Hoje, preferi trazer à cena o pensamento de Parmênides. Por um lado, cuidei interessante revisitar a filosofia deste pensador grego; por outro lado, acreditei ser profícuo ao leitor interessado no estudo filosófico, embora não-especialista, conhecer melhor quem foi Parmênides e do que ele se ocupou em suas reflexões filosóficas.

O surgimento da filosofia

Antes de me ocupar com a filosofia de Parmênides, convém situá-lo na história da filosofia. Como ele esteja entre os filósofos que inauguraram a filosofia grega, começarei por expor algumas palavras sobre  alguns acontecimentos que marcaram o surgimento da filosofia.
Em primeiro lugar, a filosofia nasce grega, muito embora dela tenham se apropriado várias comunidades estrangeiras. Ela começa com Tales, em Mileto, uma cidade da costa leste do Egeu. Mileto era uma das primeiras cidades-estado independentes, cuja principal atividade econômica era o comércio externo.
O surgimento da filosofia grega data do século VI a.C; e seu término, do século VI d.C, quando o Imperador cristão do Império Romano do Oriente, Justiniano, determinou o fechamento das escolas filosóficas de Atenas, em 529 d.C. Esses mil anos em que nasceu, floresceu e chegou ao término a filosofia grega pode ser segmentado em três fases: a arcaica, que configura o período cosmológico (séc. VI-V a.C); a clássica, conhecida como período antropológico (séc. V-I a.C); e a helenística, conhecida como período sistemático (séc. I a.C – VI d.C).
No período clássico ou antropológico, surgiram os primeiros grandes sistemas filosóficos do Ocidente. Nesse período, desenvolveram-se os pensamentos de filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles. No período helenístico, tempo de grande difusão da cultura grega no Egito e por todo o Oriente Próximo, tempo em que os gregos desenvolveram ideias sobre arte, ciência, filosofia e religião, deu-se o desenvolvimento dos sistemas filosóficos preexistentes. Trata-se de um período marcado por profunda erudição e por sincretismo. A erudição se expressava na forma de comentários sobre as obras dos filósofos fundadores. Tais comentários decorriam da necessidade de atualizá-las, visto que o sentido original delas se ia, gradativamente, esvaindo-se. Ademais, necessário era examiná-las, porque se acreditava que fossem doutrinas que revelavam verdades perenes e indiscutíveis; numa palavra, dogmáticas. Essas verdades resistiam aos argumentos dos adversários, acusados de não tê-las compreendidos adequadamente. Impunha-se, por isso, a tarefa de sistematizá-las.
A filosofia, portanto, surge em Mileto e não em Atenas. Ela surge nas Ilhas da Ásia Menor e numa região do Sul da Itália, conhecida como Magna Grécia. É somente com a ocupação pelos persas das ilhas da Jônia (uma das ilhas que compunham a região chamada Magna Grécia, berço, pois, da filosofia) e com o consequente empobrecimento das cidades que a filosofia passa a ser desenvolvida em Antenas, dada a migração de um grande número de filósofos jônicos para lá.


O período Cosmológico

Consoante referido acima, a primeira fase da filosofia grega ficou conhecida, na tradição historiográfica, como período cosmológico. É já lugar-comum dizer que a filosofia é, em sua aurora, uma cosmologia. Em outras palavras, a filosofia nasce como cosmologia. Essa fase se caracteriza pelo nascimento do pensamento científico ocidental. É o período em que germinam as primeiras sementes do pensamento ocidental, período – vale frisar – em que grandes gênios filosóficos produziram os primeiros conceitos filosóficos praticamente sem contar com qualquer influência prévia. Trata-se do período em que viveram os chamados filósofos pré-socráticos, expressão que, embora consagrada pela historiografia oficial, não é fiel aos fatos. Um dos problemas ligados a essa expressão é que ela faz crer que aqueles pensadores viveram antes de Sócrates; no entanto, alguns deles foram contemporâneos de Sócrates, entre os quais estavam Demócrito e Anaxágoras. Zenão conheceu Sócrates; e Empédocles era mais jovem que o sofista Protágoras (contemporâneo de Sócrates). Convém, portanto, ficar claro que os filósofos pré-socráticos são assim chamados em virtude da natureza dos temas de que se ocuparam, e não porque tenham vivido antes de Sócrates.
Como tenham sido os primeiros cosmólogos, os filósofos pré-socráticos preocuparam-se em estudar a natureza ou phýsis, entendida como estrutura fundamental do cosmo. Por se tratar de um conceito fundamental nas investigações dos filósofos pré-socráticos, destinarei uma seção para definir, com mais clareza, o que é phýsis; a este conceito reunirei também o de arkhé, cosmo e lógos. Phýsis, arkhé,  cosmo e lógos são conceitos de cuja compreensão depende o esclarecimento sobre a problemática de que se ocuparam os pré-socráticos. Por se interessarem em investigar as leis do universo (cosmo) e sua estrutura, esses filósofos eram chamados, acertadamente, de cientistas naturais.
Conquanto estivessem preocupados com questões tais como a origem do universo e sua estrutura fundamental, não foram os pioneiros nessa seara. A genialidade dos pré-socráticos repousava sobre a maneira como abordavam essas questões. É justamente na maneira como eles as abordavam e respondiam a elas que residia a singularidade do pensamento desses filósofos.


Características do pensamento pré-socrático

Os filósofos pré-socráticos eram homens dotados de grande saber teórico e prático, aos quais foram atribuídos feitos notáveis, como prever eclipses, medir a distância dos navios no mar (Tales de Mileto), traçar mapas da Terra, construir relógios de sol (Anaximandro). Esses filósofos trouxeram uma novidade, em face das explicações míticas e das crenças populares a respeito do mundo: o uso da especulação racional na tentativa de compreender a realidade que se manifesta aos homens.
Os filósofos pré-socráticos empreenderam uma busca pelos primeiros princípios. Princípio é o começo, mas também a causa de tudo. Aristóteles, por exemplo, de cuja pena nos chegou o saber sistemático sobre a filosofia pré-socrática, distinguia a ciência, para ele definida como conhecimento pelas causas, da metafísica, cujo escopo são as primeiras causas ou princípios. O princípio é, portanto, o fundamento, quer no campo da física, da ética, quer no da lógica, quer ainda em qualquer outro campo. Princípio ou fundamento é aquilo de que todas as outras coisas derivam, de tal modo que ele mesmo não é derivado nem deduzido de nada.
Com vistas a conferir um caráter didático ao desenvolvimento desta seção, apresentarei as três características básicas do pensamento pré-socrático, destacando-as em parágrafos distintos.
A primeira característica diz respeito à maneira científica ou racional com que eles investigavam o mundo e com que elaboravam as explicações sobre as ocorrências dele. Assim, o mundo era visto como uma totalidade ordenada e inteligível, cuja história apresenta um desenvolvimento que pode ser explicado. Trata-se de um mundo cujas partes se organizavam num sistema compreensível. Não era mais um conjunto aleatório de partes nem uma série arbitrária de eventos. Enquanto totalidade ordenada, podia ser explicado por meio de um sistema estruturado por princípios gerais aplicáveis aos fenômenos. O cosmo ou universo era explicado com base em suas características internas. Assim, um tipo de evento era explicado tendo em conta a relação que mantinha com outro tipo de evento. Não havia, portanto, apelo a causas exteriores, transcendentes (por exemplo, as ações dos deuses), de sorte que os pré-socráticos se distanciaram do pensamento mítico. Essas causas eram imanentes ao mundo.
A segunda característica notável está na forma sistemática com que se apresentavam as explicações. Elas procuravam dar conta da totalidade dos eventos naturais por meio dos mesmos termos e métodos. Os filósofos pré-socráticos elaboravam princípios gerais e comuns, visando a explicar os mais diversos fenômenos físicos.
A terceira característica diz respeito ao fato de as explicações serem econômicas, o que significa dizer que se compunham de poucos termos, exigiam poucas operações e davam margem a poucas lacunas. Destarte, a multiplicidade dos fenômenos se reduzia a uma ordem simples e inteligível, de modo que a maior quantidade de eventos possível poderia ser explicada com o mínimo de termos e operações. Por exemplo, o filósofo Anaxímenes procurou explicar a existência de tudo, postulando o ar como princípio originário.

Sumariando o que se expôs até aqui, a filosofia pré-socrática surgiu como cosmologia ou física. O mundo era seu objeto de investigação. A filosofia do período clássico, da qual se destaca Sócrates, era uma antropologia, isto é, tinha o homem como sua preocupação principal. Embora houvesse um interesse por questões cosmológicas em Platão e Aristóteles, elas não constituíam o cerne de suas filosofias.


Quatro conceitos importantes no pensamento pré-socrático

As escolas pré-socráticas eram, assim, designadas com o objetivo de sublinhar sua preocupação principal, cujo objeto era a phýsis. Considerem-se, em alíneas, os conceitos de arkhé, cosmos, lógos e phýsis.

a) arkhé

Os primeiros filósofos buscavam a arkhé, ou seja, o princípio absoluto (primeiro e último) de tudo que existe. A arkhé precede a tudo, está no começo de tudo e no fim de tudo. É o fundo imortal e imutável, incorruptível de todas as coisas. É o que as faz surgir e as governa. É a origem, mas uma origem que é perene e permanente. Com a arkhé, os primeiros filósofos evitaram uma regressão ao infinito da série explicativa causal.

b) cosmo

Para os pré-socráticos, o cosmo é o mundo natural dotado de ordem, harmonia e beleza. O cosmo recobre também o espaço celeste, enquanto realidade ordenada de acordo com princípios racionais. A ideia básica pressuposta aqui é que o cosmo é uma ordem racional, uma ordem hierárquica, na qual certos elementos são mais básicos. O cosmo se estrutura de forma determinada e tem a causalidade como lei principal.
O cosmo é uma ordem universal considerada boa e justa pelos pré-socráticos. Eles também a consideravam uma ordem normativa.

c) lógos

Lógos é um conceito polissêmico. Mas é correto defini-lo como discurso. O lógos é uma explicação, na qual são apresentadas razões. É nesse sentido que o discurso dos primeiros filósofos, que se debruçavam sobre o real, procurando explicar suas causas naturais, é um lógos. Essas razões são produto do pensamento humano que visa ao entendimento da natureza. O lógos é, portanto, discurso racional, argumentado, ao longo do qual as explicações são justificadas e estão sujeitas à crítica e à discussão.

A esta altura, impõe-se-nos dar a conhecer um pressuposto básico da filosofia pré-socrática:
A correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real. É essa correspondência, assumida como pressuposta, que torna possível um discurso racional sobre o real.

d) phýsis

Phýsis é uma palavra que compreende diversos significados. Três dos quais se destacam: a) ação de nascer, formação, produção; b) a natureza íntima e própria de um ser, a maneira de ser de uma coisa; c) a natureza como força criadora e produtora dos seres. A phýsis é o objeto de investigação dos primeiros filósofos. Ela pode ser concebida como o mundo natural. A phýsis designa um substrato inesgotável e perene donde provém o cosmos. Tudo é phýsis, tudo provém da phýsis e a ela retorna. Ela é a primeira e última realidade de todas as coisas.
Traduzida para o latim como natura, a phýsis é a fonte originária de todas as coisas, a força que dá origem, que faz nascer, brotar, desenvolver-se, renovar-se todas as coisas. É a realidade primeira e última subjacente aos fenômenos que se dão à nossa experiência. Em suma, phýsis compreende a totalidade de tudo que é: o céu, a terra, os astros, a aurora, o crepúsculo, as estações do ano, as pedras, os animais, os homens, a moral, a política, as ações e os próprios deuses. Assim, nada vem do nada; tanto a arkhé quanto a phýsis são eternas.



Parmênides: o filósofo do Ser

Parmênides nasceu em Eléia, entre 504 e 500 a.C. Platão diz que Parmênides esteve em Atenas, onde se encontrou com o jovem Sócrates: contava, na ocasião, 65 anos. Como era comum aos pré-socráticos, Parmênides também participou ativamente da política. Ele foi o primeiro filósofo a expressar seu pensamento em versos. Seu famoso poema, cujos poucos fragmentos chegaram a nós, ostenta o título Sobre a natureza. Nele, o filósofo se representa como o Escolhido, aquele que transmite a Verdade e toda a Verdade pela Revelação que dela faz a sua Musa.
No entanto, no poema, a fala da Deusa não se expressa numa linguagem sagrada de mistérios. Ao contrário, é a razão quem fala. O poema apresenta uma estrutura argumentativa inteligível. O poema é filosofia.
Após um preâmbulo, o poema se estrutura em duas partes distinguíveis. A primeira parte ficou conhecida como a Via da Verdade (alétheia); e a segunda como a Via da opinião (dóxa).
Muitos comentadores cuidam que o poema foi escrito em oposição ao pitagorismo, que sustentava a dualidade ‘par-ímpar’ como origem do mundo e a Heráclito, cuja doutrina rezava que tudo estava em fluxo permanente e que havia uma identidade entre o uno e o múltiplo.
A filosofia de Parmênides ficou conhecida como monismo, porque constitui uma doutrina que afirma existir uma única realidade. É possível encontrar também o termo imobilismo para caracterizar a sua filosofia, já que Parmênides sustentou a imobilidade do Ser, que é o real em sentido abstrato e básico. Todo o movimento está excluído do domínio do Ser, conforme veremos. Todavia, não nos apressemos. Continuemos a seguir o roteiro delineado. Ao final do texto, explicitarei os pressupostos envolvidos no monismo parmenidiano.
Retomando a consideração do poema de Parmênides, é preciso notar que, a certa altura, ele nos diz “é necessário pensar e dizer isto: que o ente é; pois é ser; que o nada não é, pois (é) não ser”. Eis, portanto, a premissa única, com base na qual se constrói a argumentação de Parmênides: o ser é; e o não ser não é. Todo o seu ensinamento sobre o Ser repousa sobre essa premissa. Intimamente ligada a essa premissa, está outra afirmação de Parmênides, qual seja, a da identidade entre o ser e o pensar: “é o mesmo pensar e ser”. Esse enunciado deve ser parafraseado como: a racionalidade do real e a razão humana são da mesma natureza.
Ao declarar a identidade entre o ser e o pensar, quer dizer Parmênides: a) que o que pode ser dito e pensado deve ser (existir); b) que o ser é o que pode ser pensado e dito. É necessário, no entanto, tornar patente a radicalidade dessa compreensão parmenidiana. A identidade entre ser e pensar (e dizer) deve ser compreendida da seguinte forma: Parmênides não diz apenas que só podemos pensar e dizer o que existe, mas sim que o que é pensável e dizível existe necessariamente. Por outro lado, ele não diz apenas que o nada (o não-ser) não é pensável e dizível; ele afirma, na verdade, que o que não é pensável nem dizível não existe.
Sumario, abaixo, as ideais de Parmênides, a fim de que o leitor as tenha em conta no que se seguirá:

a) o ser é; o não-ser não é;
b) o ser pode ser pensado e dito;
c) o nada não pode ser pensado nem dito;
d) o pensar e o ser são o mesmo;
e) o nada, portanto, é não-ser e impensável;
f) dizer e ser são o mesmo;
g) portanto, o nada é não-ser e indizível.


Lógica e Ontologia: a inovação de Parmênides


Para alguns estudiosos, Parmênides foi o primeiro pensador a formular dois princípios lógicos fundamentais: o princípio da identidade e o princípio da não-contradição. O primeiro reza que “o ser é o ser”; o segundo, que, se o ser é, e o não-ser não é, então o ser é idêntico a si mesmo e é impossível que ele seja o seu contrário, ou seja, é impossível que ele seja o não-ser. Assim também, sendo o nada o não-ser resulta daí que ele nunca pode ser pensado e dito. A afirmação do ser, portanto, implica ou requer a negação do não-ser.
Em Introdução à história da filosofia – dos pré-socráticos a Aristóteles (2002), Chauí nota:

“Parmênides teria descoberto a lei fundamental do pensamento verdadeiro, pela qual é impossível afirmar ao mesmo tempo uma coisa e seu contrário”.
(pp. 90-91)


A Via da Verdade conduz ao ser, ao uno, ao indivisível, à unidade subjacente à diversidade. A Via da dóxa (opinião) é a via do falso. A dóxa se caracteriza por tornar possível e estimular o confronto de ideias contrárias, abonando a validade de ambas. A Via da opinião não observa, portanto, o princípio da identidade e o da não-contradição. Voltarei a considerar a oposição entre Via da Verdade e Via da dóxa, mais adiante.
Por ora, necessário se faz considerar o aspecto ontológico do pensamento de Parmênides. Com Parmênides, segundo alguns intérpretes, teria surgido o estudo do Ser ou o pensamento do Ser.

O que é o Ser, para Parmênides?

Desde já, não parece difícil supor que o Ser é, para Parmênides, a arkhé. A arkhé é o que é, é o ser, é o ente. Todavia, o Ser de Parmênides não é um indivíduo, como na frase “o cachorro é um ser amável”. O Ser parmediniano é o permanente, o imutável, é o real num sentido abstrato, básico. O Ser é a única realidade verdadeira e fundamental, que subjaz a toda a diversidade que se dá à nossa experiência sensível. Parmênides pensa o Ser como indivisível, uno, idêntico a si mesmo, imutável, fixo, pleno, eterno.
A compreensão do conceito de Ser depende da distinção entre dóxa e verdade, estabelecida pelo filósofo. Parmênides, então, assumirá que a dóxa é o caminho do não-ser. Por quê? Porque a opinião refere-se ao que parece ser. As opiniões são formuladas a partir das aparências das coisas, ou seja, a partir das formas como as coisas aparecem em nossa experiência sensível. Pela opinião, exprimimos nossas preferências, sentimentos e interesses, e eles variam de uma pessoa para outra, ou numa mesma pessoa, em circunstâncias diferentes. As opiniões também variam de acordo com as épocas; portanto, são mutáveis, instáveis, efêmeras. A dóxa é intimamente dependente da variação de estados de nosso corpo e das situações de nossas vidas. Ilumina-se, aqui, a oposição entre ser e parecer. As opiniões pertencem ao domínio das aparências. A aparência de uma coisa revela o modo como essa coisa se dá à nossa experiência imediata por meio dos nossos sentidos. Mas as aparências podem deixar de ser como aparecem. As aparências encobrem o ser, na medida em que podem não ser como parecem ser; elas são, por isso, o não-ser.
Na medida em que o ser é idêntico a si mesmo, é imutável, ele não pode revelar-se na experiência sensível, mas tão-só pelo pensamento. É necessário frisar: o acesso ao ser só é possível pelo pensamento. A aparência se mostra como tal na mudança contínua que sofre as coisas ou no devir, no incessante vir a ser das coisas, nesse domínio em que as coisas estão incessantemente tornando-se outras, estão mudando, se transformando, estão tornando-se o que não são. O devir é movimento (Kínesis – mudança qualitativa, quantitativa e locativa). Logo, é o movimento (o devir) o domínio próprio da dóxa e da aparência. Escreve Chauí: “(...) as coisas parecem mudar e as opiniões mudam com elas” (p. 92). O devir, na medida em que é aparência mutável, é o não-ser.
Estamos, agora, em condições de compreender de que modo opera o pensamento do Ser, em Parmênides. Trata-se de um pensamento puro (porque divorciado da experiência sensorial, do mundo das aparências mutáveis), que constrói uma argumentação cuja tese repousa na afirmação da identidade do ser consigo mesmo, ou da unidade da realidade do ser. Ser e real é o mesmo. Apenas o ser é real. As etapas do desenvolvimento argumentativo com que Parmênides pretende sustentar a natureza una, imutável e eterna do Ser serão discriminadas em subseções numeradas, a fim de que elas sejam mais bem apreendidas:

1) O ser é imóvel, ou seja, imutável. Se ele se movesse, se ele mudasse, se tornaria aquilo que não é. Ora, o que não é o não-ser, e o não-ser não existe; não pode ser pensado e dito, portanto;

2) O ser é eterno e indestrutível; logo não tem origem, não nasce, não perece, nem está no futuro. Se estivesse começado, o que havia antes dele? O não-ser, mas o não-ser não existe. Se o ser tivesse um término, também seria o não-ser que estaria depois dele, mas, novamente o não-ser não existe, nem pode ser pensado e dito;

3) O ser é indivisível ou contínuo, se ele fosse passível de ser dividido, o que seriam as partes? Não poderiam ser outros seres, já que o ser é uno, tampouco poderiam ser não-seres, já que o não-ser não existe; portanto não pode ser pensado e dito;

4) O ser é pleno, isto é, não encerra intervalos ou fendas em seu interior. Se não fosse pleno, o que seriam seus intervalos? O vazio? Mas o vazio é o não-ser; e o não ser não existe e não pode ser pensado e dito.


Considerados os argumentos 2) e 4) que aludem, respectivamente, à eternidade e à plenitude do ser, é possível inferir a ideia de que o ser é presença em excesso ou totalidade presente (dada totalmente) no agora (já que é eterno) e também de que é  completamente fechado em si mesmo ou bastante em si mesmo (já que é pleno e nada lhe falta). Não há carência no ser, não há insuficiências em seu interior. Todavia, é preciso enfatizar que o ser não é uma presença que se dá em nossa experiência sensorial, porque apenas o pensamento pode atingi-lo.
Entre as características com que Parmênides define o Ser, não está a infinitude. O ser não é infinito, mas limitado. Por mais estranho que nos pareça, Parmênides não afirma que o ser é infinito. A razão porque nega ao ser a infinitude é que, se o concebesse como infinito, acabaria por identificá-lo com o apeíron (Anaximandro) que, para os gregos, é o indeterminado, o infinito. O ápeiron é a arkhé de Anaximandro e designa um princípio abstrato que significa ilimitado, indefinido e que subjaz à natureza. Como seja indeterminado, pode crescer, reduzir-se, transformar-se indefinidamente, o que nos impede de pensá-lo, conhecê-lo, dizê-lo. Sendo incognoscível, o ápeiron seria o não-ser, para Parmênides. Mas o problema atinente à definição do Ser não termina por aí; Parmênides precisava ainda conservar a base racional das características que atribuía ao ser, quais sejam, a imobilidade, a eternidade, a indivisibilidade, a continuidade e a plenitude. Para tanto, concebeu o ser como uma esfera, cuja circularidade é perfeita (entenda-se totalmente acabada). O ser não tem começo, nem fim; é indivisível, contínuo e pleno.

Síntese

Tencionando levar a um termo satisfatório este texto, reforcemos e esclarecemos as ideias anteriormente examinadas a respeito do pensamento parmediniano.
Começo, pois, notando que a filosofia de Parmênides ficou conhecida pelo nome de monismo, visto que ela se expressa na forma de uma doutrina que afirma a existência de uma única realidade (a do ser) e, consequentemente, exclui da esfera do ser (o real) o movimento, a mutabilidade. O monismo parmenidiano é, tradicionalmente, entendido como uma doutrina que contrasta com o mobilismo heraclitiano. Esse contraste ajuda-nos a compreender melhor o monismo de Parmênides. O mobilismo, concepção segundo a qual todas as coisas estão em movimento, em fluxo perene, caracteriza a doutrina de Heráclito de Éfeso. Ao contrário de Parmênides, que afirma a imobilidade do ser, Heráclito sustenta que tudo é movimento, tudo está em fluxo, muito embora ele não negue que a realidade possua uma unidade básica. Não deixa de ser curiosa a afirmação heraclitiana de que há unidade na pluralidade. Se Heráclito não deixa de admitir a unidade como uma dimensão do ser; pensa a estrutura do ser, todavia, como atravessada pelo movimento, pela mutabilidade das coisas, pela luta dos contrários. A unidade a que se refere Heráclito é unidade dos opostos. O real ou o ser heraclitiano é profundamente marcado pelo conflito e é do conflito que nasce o mais perfeito equilíbrio. Se, em Parmênides, o devir é o não-ser; em Heráclito, o devir é o próprio movimento do ser. Em Heráclito, o mundo todo, a realidade sensível é caracterizada, fundamentalmente, pela impermanência de todas as coisas. Tudo flui, tudo se move, muda, se transforma. O mundo heraclitiano é um mundo em fluxo incessante, um mundo onde só permanece estável e inalterável o lógos, ao qual cabe reger a inevitável transformação de todas as coisas. Se a arkhé de Parmênides é o ser; a de Heráclito é o fogo, enquanto metáfora, não propriamente como elemento natural. O fogo heraclitiano representa o caráter dinâmico da realidade. É a origem de todas as coisas; é origem eterna, é movimento incessante. A partir do fogo, todas as coisas se formam. O fogo põe todas as coisas em movimento e se identifica com elas.
Convém, no entanto, retornar a Parmênides. Vimos que a dóxa (opinião) identifica-se com a Via da experiência sensorial. A Via da Verdade é a do pensamento puro, do intelecto apartado das sensações. O pensamento identifica ilusões onde sentimos coisas mutáveis e contrárias entre si.
Só há o ser, que é uno, eterno, contínuo, indivisível e imóvel. Só há o pensamento do ser; para o pensamento, o múltiplo e o movimento não são, ou seja, pertencem ao domínio do não-ser (o devir). A mudança e a mutabilidade – vale insistir – estão excluídas do ser. O devir e o múltiplo são o não-ser, portanto o impensável e o indizível.

Em Parmênides, vimos que o ser, o pensar e o dizer é o mesmo; assim também o não-ser, perceber e opinar é o mesmo. Identificando o pensamento com o ser, Parmênides nega ser possível pensar a instabilidade, o imutável, de modo que, do ponto de vista epistemológico, só haveria ciência do ser, ou seja, do imutável, do que é constante, imóvel. O pensamento, assim, exige estabilidade, coerência, permanência e verdade; por isso não há pensamento do devir; só há pensamento do ser. Para o pensamento, perceber, opinar e não-ser é nada. 

terça-feira, 1 de maio de 2012

"Pois pensar e ser é o mesmo" (Parmênides)

                     


                                              Os pré-socráticos
                                           A busca pela origem

Não escrevo esperando que meus textos angariem o interesse de muitos leitores; deles pouco sei, já que entre os que me leem são poucos os que deixam suas impressões verbais. E tendo reconhecido isso, preciso lidar com a inquietante questão sobre o porquê, afinal, de dedicar-me tanto a escrever e de propalar meus escritos em um blog. De que me serve divulgá-los, se ainda corro o risco de que eles sejam aproveitados por indivíduos fraudulentos? Que me vale escrever sobre temas que cuido serem intelectualmente fecundos, e preciosos se deles conheço poucos interessados?
Bem sei que há, entre meus seletos leitores, os que me confessam apreciar meus jardins de reflexões, meus tecidos verbais; por isso, talvez, o interesse deles me seja suficiente para animar-me a mente e o coração para que eu continue a escrever. Talvez, devesse eu contentar-me com isso. No entanto, logo reconheço que não escrevo para ser lido. Lembro-me de que, durante muitos anos, escrevia para desanuviar o espírito ou para expurgar sentimentos envelhecidos e daninhos que estavam entulhados ali. Minha escrita sempre foi catártica e não visava a um público. Não havia leitor, senão eu mesmo. Escrevia como quem tem necessidade de se expressar quando sabe que alguma coisa está errada. Escrevia como quem tem necessidade de quebrar um silêncio que, de outro modo, o tornaria cúmplice de um dado ponto de vista. Escrevia para incoformar-me em face do que via, sentia, ressentia, do que experienciava. Era a única forma que encontrei para viver apesar do mundo. Não custa reiterar que minha escrita era uma escrita de resistência.
E sigo resistindo. Agora, ao desinteresse generalizado, ao gosto pela mesmice, à inércia intelectual em face das questões mais urgentes e profundas que a sociedade nos coloca, sobre as quais a vida, a todo momento, nos convoca a pensar ; sigo resistindo à dificuldade que muitas pessoas têm de elevar seu espírito acima dos temas triviais que a mídia repisa (especialmente a televisão). E resisto, especialmente, à crença comum, alimentada nos meios educacionais e que convive bem com outras tantas crenças equivocadas, produto de uma era repleta de incertezas, marcada pelo efêmero, pela obsessão pela novidade e consumo desenfreado de bens descartáveis, segundo a qual o conhecimento só vale quando pode ser aplicado ou quando serve para alguma satisfação imediata. Essa crença é alimentada por professores também, que esperam que se lhes dê a receita pedagógica e que vivem a levantar suspeitas sobre a validade de aprender sobre tantas perspectivas teóricas. De que serve tamanha empresa intelectual, se, no final das contas, não precisaremos de nada disso, quando temos de ensinar a jovens desinteressados pelo estudo, pensam.
Este texto, que se vai desnudando, à medida que o escrevo, não carece de justificativa. Deve ele ser encarado como mais um testemunho do quanto me apraz estudar para saber. Ele é a expressão desse saber compartilhado neste espaço virtual. Enquanto o componho, exercito a capacidade de sistematização do pensamento. Escrever é uma forma de exercitar o pensamento, de discipliná-lo, de dar-lhe ordem, unidade, coerência. Também o conhecimento, quando representado na escrita, quando textualizado, é reinterpretado, reconstituído, reestruturado. Escrever permite sistematizar as reflexões prévias, a análise; mas também permite operar a segunda etapa da análise.
Este texto, então, pretende convidar o leitor a uma aventura: a aventura do saber. Pretende guiá-lo no universo da filosofia nascente, para revisitar o pensamento dos filósofos pré-socráticos. Mas também pretende suscitar questões fundamentais sobre o Absoluto, diante do qual o pensamento silencia e a alma se pasma. Deixemos, por alguns instantes, nossas preocupações cotidianas para meditar sobre o princípio que produziu todas as coisas. Vejamos como aqueles filósofos gregos tentaram dar conta das seguintes questões:

a) Qual a origem do cosmos?
b) Como um único princípio pode dar origem a multiplicidade das coisas no mundo?
c) Como o imutável e idêntico a si mesmo pode gerar o mutável e diverso, o múltiplo?
d) Como o uno dá origem ao múltiplo?
e) Como o múltiplo pode retornar ao uno?


PARTE 1 – OS PRÉ-SOCRÁTICOS

Pré-socráticos é a designação que, tradicionalmente, recobre os primeiros filósofos que viveram antes de Sócrates (470-399 a. C). Alguns chegaram a ser contemporâneos do grande filósofo. Sócrates é um marco da divisão cronológica da filosofia grega devido muito ao fato de ele ter proposto uma nova problemática para as discussões filosóficas, qual seja, a humana e social. Com Sócrates, a filosofia passou a se ocupar com questões ético-políticas que até então não apareciam na agenda dos filósofos predecessores. Embora essa compreensão do papel de Sócrates tenha sido a compreensão consagrada pela historiografia da filosofia, ela mascara o fato de que, na verdade, foram os sofistas, anteriores a Sócrates, quem inaugurou uma filosofia que se ocupou com o nomos, ou seja, a ordem humana. 
Sabemos constituir tarefa difícil o conhecimento das produções desses filósofos, visto que sua obra praticamente se perdeu, sobrando dela apenas algumas citações ou comentários, encontrados, por exemplo, em Aristóteles (384-323 a.C.), na Metafísica. Não obstante a escassez desse legado, esses filósofos anteciparam muitas questões das quais se ocuparia a ciência moderna. Veja-se, a propósito, a contribuição da escola atomista, da qual faziam parte Leucipo (fundador da escola) e Demócrito (seu discípulo e responsável por desenvolver a doutrina conhecida como atomismo. O atomismo era uma doutrina que sustentava que a realidade é constituída de átomos e que eles se atraem e se repelem no vazio, produzindo, assim, os fenômenos naturais e o movimento. O atomismo antecipou a física atômica contemporânea, cuja noção de átomo deriva dessa tradição, a despeito das grandes diferenças existentes entre um e outro ramo do conhecimento.
A pluralidade parece ter sido a característica determinante desse período do pensamento grego, a despeito de ser possível distinguir nele duas escolas: a Escola jônica e a Escola italiana. A primeira compunha-se dos filósofos Tales de Mileto, Anaxímenes, Xenófanes de Colofon e Heráclito de Éfeso. A segunda compreendia os filósofos Pitágoras de Samos, Filoau de Crotona e Parmênides de Eléia.
A Escola Jônica interessava-se, sobretudo, pela physis (a natureza). (mais adiante, definirei physis). A Escola italiana propunha uma reflexão mais abstrata sobre o mundo e a ela devemos o surgimento da lógica e da metafísica.
Os pré-socráticos procuraram desenvolver uma cosmologia, a saber, uma doutrina que oferecia uma explicação racional sobre a origem e a ordem da natureza, bem como sobre as causas de suas transformações, da geração e perecimento dos seres. Interessaram-se pelo estudo da physis, que pode apresentar, pelo menos, três significados: 1) a ação que produz, que faz nascer; 2) a natureza intima de uma coisa ou ser, ou a disposição espontânea e natural de um ser; 3) uma força que produz ou cria todos os seres. Disso se segue que “nada vem do nada e nada retorna ao nada”. A physis é o princípio de tudo que existe. Há physis e sempre houve, pois que ela é eterna. Todavia, para que haja physis é necessário que haja nela ou antes dela um princípio fundador que a revela. Enquanto a physis pode ser percebida, porque compreende tudo que é (o céu, a terra, a água, o fogo, as estações do ano, os animais, os homens, a moral humana, a política, as ações, os pensamentos dos homens, os deuses, etc.), a arkhé é a origem, o princípio absoluto de tudo que existe. A arkhé está antes de tudo, no começo e no fim de tudo. É o fundamento que dá ordem a todas as coisas, que as governa. É eterna e imutável. Portanto, enquanto a physis é o que se revela, a arkhé é o oculto.
Ao refletir sobre a physis, os filósofos espantavam-se com a perpétua instabilidade das coisas. Admiravam-se do movimento, o qual compreende todas as formas de mudança (qualitativa, quantitativa e de lugar). Assim, para os gregos, a noção de movimento não se limitava a deslocamento de um corpo no espaço, mas abrangia ainda as noções de nascimento/ crescimento/ morte, geração e corrupção dos seres. A kinesis, ou o devir, caracterizava fundamentalmente a natureza e, com pasmo, eles se voltavam para ela a fim de explicá-la.

PARTE 2 – Monismo x Mobilismo

Heráclito de Éfeso, filósofo da Escola jônica, era chamado “o Obscuro”, em virtude da dificuldade de interpretação de seu pensamento. Ele foi um representante do mobilismo, doutrina segundo a qual a realidade da natureza se caracteriza por um movimento contínuo. Tudo flui, ensinará o filósofo. Particularmente importante é o conceito de logos, em seu pensamento, já que por meio dele pode-se explicar a unidade da realidade. O logos é, assim, o princípio que unifica a realidade, é o princípio de racionalidade do cosmos. O cosmos, inicialmente, designava a ordem no mundo humano, visto que dizia respeito às ações humanas que se conformavam ao estabelecido; posteriormente, passou a designar a ação humana que produz a ordem no mundo; finalmente, com a filosofia, passou a designar a ordem do mundo.
Segundo Heráclito, tudo é movimento, tudo está em fluxo ininterrupto, mas atrás da mudança, da diversidade das coisas havia um princípio básico de unidade. Havia uma unidade na pluralidade. Essa concepção pode ser entendida como a expressão do conflito entre os opostos. Esse conflito produz o equilíbrio, porque os opostos se equivalem e se reúnem (dia e noite, calor e frio, vida e morte são opostos que se complementam). Em Heráclito, a pluralidade do real é acessível à experiência sensível. Sua filosofia centra-se nessa experiência. O fogo é, para ele, o elemento primordial, já que o fogo a tudo consome e se autoconsome, enquanto energia. Ele simboliza o dinamismo próprio da realidade.
Parmênides de Eléia, expoente da doutrina monista, segundo a qual existe uma única realidade base por trás do movimento percebido introduziu e desenvolveu a distinção entre realidade e aparência. Destarte, ele situa o movimento no domínio da aparência; é o movimento um aspecto superficial das coisas. A verdadeira realidade é o Ser e só pode ser conhecida pelo pensamento que ultrapassa a experiência sensível. O Ser é imutável, não tem começo, nem fim; é contínuo, indivisível. O Ser identifica-se com o pensamento. Assim, para pensar o ser, o homem deve trilhar o caminho da verdade, da razão e afastar-se da opinião, que é mutável, porque formada de hábitos, percepções, impressões sensíveis, imprecisas e ilusórias. O Ser é o real numa acepção mais abstrata e básica.
Para Parmênides, ao contrário de Heráclito, o movimento não define o real. O filósofo do Ser defendia o pressuposto de que sem o permanente, o imutável não se pode compreender o mutável. A noção de movimento pressupõe, portanto, a de permanência.
Melisso de Samos, discípulo de Parmênides, viria a defender o monismo contra os filósofos do mobilismo, afirmando que o Ser é eterno, imutável, atemporal e incriado (Marcondes, 2008).

ÙLTIMAS NOTAS

Os filósofos pré-socráticos, por se preocuparem em estudar a physis, ficaram conhecidos como physiologoi, ou físicos. Todos estavam interessados em determinar um princípio primordial que deu origem à ordem do mundo. Tales de Mileto, por exemplo, o primeiro filósofo, o fundador da filosofia grega, sem fazer apelo ao sobrenatural, explicava a natureza adotando como princípio gerador a água. Anaximandro, a seu turno, discípulo de Tales, propunha o apeíron (o indeterminado, o ilimitado), que é um princípio abstrato. Coube a ele falar também em arkhé com o sentido já referido. Anaxímenes propôs o ar como princípio primordial, ou seja, como o arkhé. Sendo um elemento incorpóreo e invisível, o ar permitia ao filósofo dar uma explicação de caráter mais abstrato para o real. Xenófanes, a seu turno, concebia a terra como o princípio primordial.
Finalmente, elenco abaixo, com base em Chauí (2010), as principais características do pensamento grego na sua fase pré-socrática:

1) a filosofia nascente era uma cosmologia e, como tal, estava interessada em explicar racionalmente a ordem do mundo, o que implica determinar suas causas, sua forma, compreender suas transformações;

2) Era uma filosofia que não admitia que tudo que existe viesse do nada, por isso assentava no pressuposto de que “nada vem do nada e nada retorna ao nada”. Não há, portanto, criação a partir do nada (como sucede na narrativa do Gênesis em que o Deus judaico-cristão cria o mundo a partir do nada). Assim, o real sempre existiu, pois que é eterno, imortal. Há uma força imperceptível, mas imperecível que conserva a estabilidade e a permanência, malgrado a mutabilidade da superfície das coisas;

3) Era uma filosofia que se ocupa do estudo da physis, que é a base de tudo que existe. Ela é perene e dela tudo brota, tudo deriva;

4) Era uma filosofia que tinha de lidar com o problema do devir (a existência inegável da mudança das coisas, do movimento, do fluir incessante) relativamente à possibilidade de o real poder ser pensado. O pensamento só pode pensar o imutável, o permanente, o Ser. Como o uno, o idêntico a si mesmo se torna múltiplo, diverso? Pressupondo o uno (physis), como pode ele produzir o diverso, o diferente de si e mutável? Pressupondo o múltiplo (kósmos), como, então o uno é possível?

5) Finalmente, era uma filosofia que fundou a distinção, posteriormente explorada por Platão, entre a aparência do mundo e a essência ou verdade do mundo. O domínio da aparência é acessível à experiência sensorial; o da essência, à experiência do pensamento, intelectiva, portanto. Pelo pensamento, busca-se atingir (entenda-se compreender) o ser. Assim, a physis, que é manifestação da arkhé, torna-se, manifesta ao pensamento, e não mais só para os olhos do corpo. Com o decorrer da filosofia pré-socrática, a physis passará a ser visível apenas para o pensamento e oculta para a experiência sensível.

Também encontraremos no Hinduísmo e no Taoísmo uma explicação para a origem de tudo que há. Na primeira, o princípio primordial (portanto, único e unificador) é chamado de Brahman, que é a força primordial que sustenta o mundo. Na segunda, encontramos o Tao, que também encerra o espírito da indivisibilidade, é uno, portanto. O Tao é o absoluto, ou

“(...) caminho, representa o elo que liga todos os tempos. É um caminho de infinidade. É o caminho que rompe a barreira do tempo e do espaço. É tão grande que nos permite apreender todas as coisas. É tão minúsculo que pode caber dentro de um grão de poeira”.

(Iniciação ao Taoísmo, p. 12)


Houve um tempo em que precisei contar com a literatura filosófico-religiosa, como o Taoísmo, o Budismo, o Bhagavad Gita, e ela devo muito minha compreensão mais apurada da vida e do sofrimento. O Budismo reza que nascer é sofrer, viver é sofrer e morrer é sofrer. Uma religião sem deus que me pareceu muito mais inspiradora e consistente com o real, com a aridez da vida. Elas me permitiram tocar de leve o Mistério que nos abraça. Não me refiro ao mistério da origem do universo, que a teoria até então aceita – Big Bang, parece explicar de modo satisfatório. Há vestígios da Grande Explosão no espaço, segundo os cientistas. Nós, leigos, no entanto, não nos satisfazemos com essa verdade. Podemos compreendê-la e aceitá-la, mas, ainda assim, sobra-nos pesadamente um sentimento inexplicável. Esse sentimento é o sentimento de Existir. Os textos hindus reunidos sob a designação Upanixades, a despeito de reconhecerem um “eu” efêmero, que há de fenecer, que se identifica ao “ego”, rezam existir um eu essencial, definido como atman. Este eu é infinito, transcendente. Um eu interconectado a todos os outros seres. Assim, o nosso eu transitório é apenas uma máscara (o que está de acordo com  algumas teorias sociológicas e da Análise do Discurso). Há verdade nessa afirmação. O nosso eu é uma imagem, um simulacro, ensina um psicanalista francês. Mas o atman (eu transcendente) é  indefinível, inapreensível.
Esse sentimento de unidade do eu, que torna cada um de nós único, esse sentimento que me informa de quem eu sou para além de minha natureza físico-corpórea, mesmo sendo produzido por um cérebro, mesmo sendo uma ilusão deste órgão, como nos ensinam os neurocientistas, esse sentimento é inextinguível.
Os filósofos pré-socráticos estudados aqui, bem como as religiões referidas acima, nos suscitam a grande questão: é possível a existência de uma realidade supra-sensível? É possível que haja existência para além da ordem material de que nos fala a ciência? Há, por detrás de tudo que experienciamos, alguma força invisível que fez brotar a vida? Os cientistas nos falam da expansão cada vez maior do Universo. Falam-nos da extinção do sol, das galáxias. Existirá um Fim? Ou será o universo eterno? Não será, como imaginou Nietzsche, o tempo cíclico? Poderemos falar de fim absoluto ou de términos e recomeços de ciclos cósmicos? Será a vida inesgotável? Creio que, no estado de finitude, que é intrínseco à natureza humana, o sentimento de inesgotabilidade da vida só temos na experiência amorosa. Claro que nos enganamos; no mais, estamos certos de que passaremos, de que vivemos para um dia morrer. O movimento é inevitável, é a ordem natural das coisas, tudo flui, tudo muda. E vivemos cientes de que o nascimento é o início de nossa inescapabilidade ao movimento.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

"Nada vem do nada e nada retorna ao nada" (só há phýsis)


                                                 

                                                       Jônia
                                                O berço da filosofia
A 
filosofia, na Grécia, se desenvolveu na cidade de Jônia, uma das áreas que compunham a região da antiga Ásia Menor, da qual faziam parte também Mileto, Éfeso, Samos, Cólofon e Quio. Jônia era, no século VI a.C., o grande centro de irradiação e prosperidade da cultura grega. Os jônios fundaram numerosas colônias junto ao mar Egeu e ao mar Negro. Quais foram as condições sócio-históricas que favoreceram o surgimento da filosofia em Jônia? E dentre elas qual a mais importante?
Alguns especialistas na História da Filosofia apontam as navegações e as transformações técnicas como fatores importantes para o surgimento da filosofia naquela região, porquanto causaram o desencantamento do mundo. Em outras palavras, pôde-se com elas superar a visão mítico-religiosa de mundo (até então predominante), pondo-se-lhe no lugar uma visão racional da realidade, que passaria a exigir explicações e justificativas assentadas na razão. Há também aqueles que consideram a invenção do calendário (que permite a abstração do tempo), da moeda ( signo que viabiliza a troca)  e da escrita como fatos que possibilitaram aos gregos desenvolver o pensamento abstrato. Decerto, todos os fatos mencionados contribuíram para a formação, entre os jônicos, do pensamento filosófico.
Todavia, como nos ensina Chauí (2002: 40), o fato determinante para o surgimento da filosofia foi a política. A filosofia, entre os gregos, surge inextricavelmente ligada à política, e esta encontrava seu nascedouro e local de desenvolvimento na pólis. A filosofia nasce como cosmologia e, como tal, preocupa-se em explicar a natureza (princípio primordial que produz todas as coisas), muito embora, porque nasce no interior da pólis, a forma como a ordem sociopolítica era explicada fosse projetada para explicar também a natureza ou phýsis.

1. A pólis: o nascedouro da filosofia grega

Pólis é a palavra grega para designar “cidade”, ou “Cidade-Estado”. Na pólis, os cidadãos se reuniam para deliberar sobre assuntos de interesse público. Dela também provém a palavra política (do grego politikós, que é o cidadão, ou o que diz respeito aos negócios públicos, à administração pública) (Chauí, 2000). É nos limites da pólis que a democracia grega nasce e floresce, já que era na pólis que se davam os debates, que os cidadãos (homens livres, excetuando-se os escravos e as mulheres) podiam exercer o poder de discursar.
O ambiente político, favorável ao debate, às tomadas de decisões sobre os rumos da sociedade, permitiu que a visão místico-religiosa de três personagens reais, até então predominante, pudesse ser, aos poucos, suplantada. Eram elas o poeta, o adivinho e o rei-de-justiça, todas recobertas pela designação Mestre da Verdade. O filósofo, seu sucessor, traria, em substituição à Verdade unilateral, derivada da autoridade, a Verdade como meta a ser alcançada pelo diálogo, pelo discurso racional. Convém atentar para as palavras de Marcondes & Japiassú, ao definir pólis, em seu Dicionário Básico de Filosofia:

“polis A cidade estado grega da qual Atenas
foi o principal exemplo no período que vai
das reformas de Clístenes (séc. VI a.C.) até
a conquista da Grécia por Felipe da Macedônia.
A polis se constituía como uma unidade política
e territorial, sobretudo através do vínculo que
seus cidadãos mantinham com ela por lealdade,
identidade cultural e origem. É na pólis que se
dá a democracia, caracterizada pela igualdade
dos cidadãos perante a lei e pela participação
destes na decisão política (...)”
(grifo meu)

Comum às três personagens reais, estava o dom de vidência, a capacidade de ver para além da realidade sensível. Eles viam o invisível. O poeta, ao cantar seus versos, tornava presente o passado; o adivinho (ou profeta) era capaz de ver o futuro; o rei-da-justiça (ou sábio) era capaz de ver ordem em meio às mudanças no mundo. Todos tinham visões inspiradas em oráculos. Eles não só tinham o dom de ver para além, mas também o dom de fazer as coisas acontecerem. A palavra deles era um fazer: “ao falar, fazem com que aconteça aquilo que dizem” (Chauí, p. 40).
Que verdade revelavam eles? O que era, em tais condições, a verdade? Em grego, verdade se diz alétheia. Assim, verdade depende da automanifestação da realidade ou do ser. A realidade se revela à visão intelectual dos homens. A verdade é, assim, aquilo que a coisa é. Quando a realidade se nos desnuda, se manifesta clara ao espírito, quando é seu ser mesmo que se mostra, dizemos que ela é verdadeira. Assim é que, para os gregos,

“o verdadeiro é o ser (o que algo realmente é) e o falso é o parecer (o que algo aparenta ser e não é)”.
(Chauí, 2008: 96)

Cumpre observar que, em alétheia, há um prefixo grego de negação –a, e o radical léthe, que significa “esquecimento” ou “esquecido”. Destarte, alétheia é o “não-esquecimento” ou o “não-esquecido”. A verdade é não esquecer e se liga a Mnemosýne, a deusa da memória. O poeta, o adivinho e o sábio (rei-de-justiça) são aqueles que não esquecem e evitam que os homens esqueçam. Como ensina Chauí (2002: 41):

“O poeta canta os feitos dos antepassados. O adivinho diz os feitos e efeitos da ação dos deuses e dos homens. O rei-de-justiça diz justiça (dike*), isto é, afirma que a ordem do mundo é governada por uma lei boa e justa.”.

A fala dos três tem efeito mágico. Ela realiza o verbalizado. Ao cantar seus versos, o poeta torna o passado presente; ao anunciar, o adivinho traz à consciência dos homens o futuro; ao enunciar justiça, o rei-de-justiça cria a lei (à semelhança do Deus judaico-cristão, que ao dizer “faça-se”, as coisas acontecem)
“Sua palavra [a dos três personagens], mesmo quando proferida em público, é sagrada e secreta, um dom que somente os iniciados possuem. É, portanto, uma palavra de poder ou de soberania, reservada apenas a alguns, homens excepcionais, dotados de poderes religiosos. São essas três figuras que irão, pouco a pouco, desaparecer com o surgimento da pólis.”

                                                             (Chauí, ib.id.)

A Grécia antiga também produziu seus guerreiros, um grupo de homens que também tinham direito à palavra, muito embora ela fosse de natureza diferente da do Mestre da Verdade. A palavra dos guerreiros é uma palavra dialógica, portanto, compartilhada entre eles. Era uma palavra publicamente acessível. Também não era uma palavra religiosa, mas leiga, própria dos homens (não tinha inspiração divina).
Após o combate, esses guerreiros se reuniam e formavam uma assembleia. Em círculo, cada qual podia se dirigir para o centro e falar, propondo táticas e estratégias de combate. Essa prática acontecia ao cabo de cada combate. Cada guerreiro também tinha o direito de escolher seus espólios. Podiam eles falar, emitindo suas opiniões e eram considerados iguais em face da lei, criada pelo próprio grupo. Com a assembléia dos guerreiros e em virtude delas, surge a pólis e a política.
Em grego, palavra ou discurso se diz lógos, que, por sua vez, relaciona-se à dóxa, que significa “opinião”. Dóxa pode significar tanto ‘participar na base de um julgamento adequado a uma situação”, ‘conformar-se a uma norma’ ou ainda ‘escolher e decidir’. A dóxa se situa no campo político e como tal está a serviço daqueles que pretendem persuadir e impor sua opinião aos outros. Não tardou para notar a aproximação dela com a alétheia, já que, por vezes, pela dóxa o cidadão buscava seduzir seu interlocutor, mas de modo enganoso.
A filosofia surge então do encontro da dóxa com a alétheia. Em vários momentos, os filósofos se inclinavam mais a uma do que a outra. Entre estes estavam os sofistas, que empregavam a dóxa para persuasão e cobravam pelo serviço prestado. Coube a Sócrates e Platão fazer valer a alétheia sobre a dóxa.

“Será o momento em que a filosofia, em vez de ocupar-se com a origem do mundo e as causas de suas transformações, se interessará exclusivamente pelos homens, pela ética, pela política. A dóxa (palavra própria do espaço político da discussão, da escolha e persuasão) será substituída pela alétheia (palavra dos iniciados que se expõe a todos, sem necessidade de persuasão e de escolha) quando a ética e a política deixarem de ser opiniões práticas sobre a conduta individual e coletiva para serem consideradas ciências ou conhecimentos teóricos sobre a essência do homem e da pólis”.
(p. 44)

A filosofia, assim, inaugura, através do lógos (discurso racional) a sua grandiosa investigação sobre o ser. A pergunta com que todo labor filosófico se inicia – O que é o ser? – que, em Parmênides de Eléia, já encontrara sua expressão germinal, passaria a ocupar a mente dos pensadores gregos. A pergunta pelo ser das coisas é a pergunta pela verdade, mas de uma verdade que deve ser buscada pelo pensamento; daí entender-se o pensamento de Parmênides, ao anunciar “é o mesmo o ser e o pensar”.  Nada mais do que dizer que o real é racional e o racional é real. Eis a identificação entre razão e realidade, tão cara aos filósofos de todas as épocas, que viriam a beber da fonte grega.
Cuido necessários alguns comentários sobre a figura de Parmênides, o filósofo do Ser. O Ser, para Parmênides, era real, mas sua realidade era inacessível aos sentidos. O Ser de Parmênides tem natureza oculta, abstrata e opõe-se à aparência. Do Ser só se pode dizer que ele é. O não-ser não é. O Ser é imutável, permanente, resiste às mudanças, a que temos acesso pela experiência sensível. O Ser está ligado à experiência intelectiva, ou seja, do intelecto. Seu principal discípulo, Melisso de Samos, pensava o Ser como eterno, imutável, atemporal e incriado (Marcondes, 2008: 36). O Ser não tem começo e de nada deriva.
Da alétheia do Mestre do Saber (o poeta, o adivinho e o rei-de-justiça), a filosofia colheu o sentido de verdade que sobrepuja a dóxa. A filosofia se assenta no lógos e, portanto, propõe um discurso (que é ação pela palavra) que se destina a buscar a verdade. O que se faria, doravante, seriam debates desinteressados, que visariam a trazer à tona a verdade. A filosofia tornar-se uma contemplação desinteressada da verdade (theoria). A theoria será o resultado da ação do lógos, que se assenta no acordo entre o ser, a razão, o pensamento e a palavra, que são comuns a todos os seres humanos.

“A opinião é múltipla e variável; a verdade é uma e imutável. A opinião nasce dos conflitos e os alimenta. A razão é idêntica em todos os homens e propício à paz”.

(Chauí, 2002: 45)

A universalidade pretendida pela filosofia ficou, entretanto, no plano das ideias, pois que, historicamente, veio a ser tornar, para o bem da própria atividade crítico-reflexiva de que ela é a maior expressão, um palco de pluralidade de vozes, consoante ensina Chauí:

“Paradoxalmente, essa pretensão da filosofia de ser universal, de encontrar o acordo entre as ideias e estabelecer a identidade entre as coisas e o pensamento se realizará como ideal inatingível, pois, de fato, será feita de desacordos e de oposições entre os filósofos”.

(ib.id)

Ser um discurso que se abre para muitas vozes, para muitas perspectivas é próprio da filosofia. Nos seus vastos palcos, encenam muitas vozes; todas dialógicas, conflitantes ou consonantes; todas atravessadas pela pluralidade dos discursos. Todas compromissadas com a verdade.








[1] Chauí, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos à Aristóteles, v. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2002
___________ Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2008.

Marcondes, Danilo. Hilton Japiassú. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
Marcondes, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.