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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

"A vida não examinada não merece ser vivida" (Sócrates)


                 



                      A experiência de escrita
                                                      
                     Pensamento em comum

 
Não, definitivamente este blog não se confunde com um diário eletrônico. Ele é um vasto terreno fértil de reflexões. Ele é um descampado pelo qual circulam verbalizadas as experiências de leitura e de vida que fui acumulando ao longo dos anos. Ele reúne as minhas experiências com a escrita. Escrever é também uma experiência e uma experiência que não está apartada das outras experiências de vida. Não há distância entre o que vivo e o que escrevo. Há uma intrínseca relação entre escrever e viver, para mim.
A experiência é, por definição, uma relação entre um sujeito conhecedor e um objeto a ser conhecido. Na experiência, observamos, experimentamos, percebemos. Todavia, a própria experiência, fonte de sensações e percepções, também deve ser explicada. Eis que surge o pensamento, que não é senão outra forma de experiência, já que serve à busca do conhecimento. A experiência do pensamento é a capacidade de abrir constantemente longínquos e férteis caminhos para o conhecimento. Refiro-me ao pensamento conceitual, que se desenvolve na base dos conceitos, os quais, por sua vez, não são possíveis sem os quadros da linguagem verbal. O pensamento conceitual, portanto, tem seu fundamento nas palavras, sem as quais ele não é possível.
A experiência de pensamento é o esforço continuado do sujeito pensante (que é um sujeito sócio-historicamente situado) para abrir sempre mais terrenos de reflexões. Daí o pensamento reflexivo, aquele que se volta sobre o já pensado. Todo pensamento é uma forma de representação, ou melhor, de reelaboração ou re-criação do real. O acesso ao real não é imediato, mas mediado pelo pensamento. Não conhecemos o real em si, mas a representação (ou a re-criação) do real no pensamento.
Sei bem que me delonguei em pormenores, protelando o que, na verdade, motiva-me a produção deste texto. Não posso deixar de referir as amigas, com quem me detenho a férteis e inesgotáveis discussões on-line. Também sou beneficiado por conversas presenciais, durante as quais apreendo as feições, as reações corporais da pessoa, o tom de voz, a emoção que emprega em seu discurso. São todos aspectos da experiência vivida que, uma vez captados em minha alma, são verbalizados no papel.
A experiência de pensamento a dois, em conjunto, ou melhor, o pensar em conjunto é muito mais estimulante e produtivo do que o pensamento solitário. Cada palavra proferida, cada concatenação verbal, cada pensamento verbalizado, a cada novo turno de fala, vamos construindo uma cadeia de reflexões. Uma palavra puxa a outra e os pensamentos que se formam vão abrindo novos terrenos, ainda não explorados... E temos de lidar com a insuficiência do que se está pensando e com a inesgotabilidade do que ainda há de ser pensado... Os pensamentos nunca conseguem abranger a totalidade do real.... A dialética nos ensina isso: apenas conseguimos apreender parcelas dessa totalidade, num movimento progressivo totalizante, baseado num processo constante de sucessivas sínteses. Esse processo é inacabado, já que nunca alcançamos o todo; há sempre a emergência do novo, de algo que ainda não conhecemos. A busca pelo conhecimento é, portanto, ininterrupta, inesgotável, incessante. Um princípio básico da dialética consiste em afirmar que a realidade é mais rica do que o conhecimento que temos dela. A realidade sempre escapa às nossas sínteses. Assim é que cada nova síntese gera uma antítese. A realidade é, essencialmente, marcada por contradições. Durante o processo de compreensão, acabamos por avaliar certos aspectos, ignorando outros, no entanto sempre buscando o todo. Sínteses são visões de conjunto que nos permitem apreender a significação da realidade. A estrutura significativa que nossas sínteses buscam apreender é a totalidade.
Pensar a dois permite-nos preencher o maior número de lacunas; ocupar o maior número de espaços ainda não ocupado pelo pensamento. Há sempre um aspecto a ser considerado, algo que um não conseguiu perceber e que o outro percebeu; há caminhos sinalizados por um, que imediatamente são atravessados pelo outro. E assim vão-se construindo vastas avenidas de pensamentos, asfaltadas com palavras. Palavras que erigem grandiosos templos de reflexão e que me motivam, por si mesmas, a insistir a escrever para pensar e viver a compreender.
Todo homem é um filósofo, se puder conservar na alma o espanto diante da vida e do mundo. A filosofia começa nessa admiração, nesse espanto, nesse pasmo diante da realidade, diante da vida. A escrita nos leva a experimentar esse espanto e a desenvolver a faculdade de pensar, complexificando-a e enriquecendo-a.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Para pensar, eu preciso escrever (BAR)

                                 
                                              Escrevo, logo sou


Quando decidi cursar Letras, eu sequer suspeitava do grande valor que tem a linguagem para a própria condição humana. A faculdade da linguagem nos determina como seres humanos, como homo loquens (seres de discurso). Não obstante, cuidava que, desde então, eu conciliaria duas inclinações: a inclinação poética e a inclinação para a reflexão teórica. Conciliados em mim o poeta e o cientista da linguagem. E a linguagem tornara-se, então, o terreno de minha expressão lírica e poética e o objeto de estudo teoricamente dirigido, ou seja, de estudo acadêmico.
Não tardou para eu me aperceber de que a linguagem é um importante instrumento que permite a coesão social; não tardou para eu me aperceber de que a linguagem constitui a base fundamental das sociedades humanas, sem a qual estas não seriam possíveis. Não tardou para eu aprender que o modo como experienciamos o mundo, como o interpretamos e compreendemos depende fundamentalmente do modo como a nossa língua “recorta” o real. Aprendi que as nossas experiências de mundo se tornam dados de nossa consciência, ou seja, formas  de conhecimento, por meio das categorias disponibilizadas pela linguagem. Aprendi que a linguagem está intimamente ligada ao pensamento, à cognição, à cultura e que a inter-relação entre esses domínios permitem aos homens a construção da realidade.
Evidentemente, para os não-iniciados nos estudos linguísticos, sociocognitivos e filosóficos, essas considerações sobre o valor da linguagem podem parecer ininteligíveis (mas já tive a oportunidade de esclarecê-las aqui neste blog, em outros textos). Todavia, não é de minudências teóricas que vou tratar aqui.
Comecemos por um fato evidente por si mesmo: nós falamos o tempo todo. Nosso universo social, em todas as esferas por que transitamos, está povoado de palavras e outras formas de linguagem. A linguagem perpassa todas as esferas de convivência humana;  em outras palavras, todas as esferas sociais. Com Heidegger está a razão, ao declarar:

“O homem fala. Nós falamos na vigília e no sono. Falamos sempre, até quando não proferimos nenhuma palavra, mas escutamos ou lemos, mas nos dedicamos a um trabalho ou nos perdemos no ócio. De um modo ou de outro, falamos ininterruptamente. Falamos porque o falar nos é inato. O falar não nasce de ato particular de vontade. Diz-se que o homem é de natureza falante e é próprio dele, ao contrário das plantas e dos animais, é o ser vivente capaz de falar. Dizendo isso, não se pretende afirmar apenas que o homem possui, ao lado de outras faculdades, também a de falar. Pretende-se dizer que propriamente a linguagem faz do homem o ser vivente que é enquanto homem”.

É claro que a faculdade da linguagem é, aí, compreendida como uma propriedade que define a espécie humana. Todos nós falamos, todos nós, homens e mulheres, nos servimos da linguagem para interagir socialmente, para comunicar nossos estados de espírito, nossos pensamentos.  Nem todos, contudo, usam-na de modo a se notabilizarem, a se distinguirem.
Há os que se utilizam de palavras rasteiras, esvaziadas, se valem delas como um chamariz. Há os que a usam para promover discórdia, para ferir os outros. Como forma de ação social, a linguagem nos permite atuar socialmente. Ao usar a linguagem, agimos sobre o outro, provocando nele, por meio de atos de fala, determinadas reações e comportamentos. Como forma de instituição e delimitação de poder, pelo uso da linguagem discriminamos, marcamos uma relação hierárquica, delimitamos as fronteiras sócio-culturais que nos separam do outro. Pelo uso da linguagem, excluímos socialmente.
É fato inegável que o uso da língua pode congregar ou apartar. Falar uma mesma língua é indispensável à construção de uma identidade social, nacional e histórica. A língua é um elemento fundamental da identidade. Pelo uso da linguagem, marcamos a unidade e a diferença.
Quando decidi criar meu blog e, através dele, propalar os meus escritos, consegui, para a minha alegria, congregar pessoas que, hoje, partilham comigo de suas experiências, sentimentos, ideias e emoções. E muito se deve isso à minha iniciativa de pôr a nu a minha alma, de desnudá-la, de modo que ler-me é me conhecer. Quem me ler me conhece. Conhece-me o essencial, eu diria. O essencial em mim está verbalizado. Ser e escrever, em mim, é a mesma coisa. Vale a paráfrase da famigerada frase cartesiana – “escrevo, logo sou”.
A experiência que eu tenho com a linguagem é uma experiência de sensibilidade. Para não ficarmos patinando em clichê, a sensibilidade deve ser entendida aqui como ‘capacidade de ser afetado por algo’,  ou ‘percepção aguçada’. A linguagem me toca, me afeta, me acarinha a alma e me aguça a percepção. E me alegro quando me dou conta de que as palavras que se espraiam nestes papéis virtuais também afetam os leitores. A linguagem atua não só no domínio racional, mas no domínio da emoção, do sentimento. É neste domínio, em particular, que concentro a expressão de meu lirismo. É aí que as palavras ganham vivacidade, colorido, força, levando os espíritos a vôos longínquos. Para pensar, preciso escrever. E cada vez que escrevo eu me encho de ser.