quarta-feira, 4 de junho de 2014

O Eclesiastes - o problema da autoria bíblica

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                                                  O Eclesiastes
                                Um olhar histórico-crítico

Este edifício textual se assenta sobre o pressuposto segundo o qual a Bíblia é uma obra humana e a produção de seus textos dependeu apenas do trabalho humano sem qualquer alegada inspiração de Deus. Ademais, a leitura deste texto também supõe a admissão do pressuposto segundo o qual uma visão de mundo ateísta não é incompatível com um interesse pelo estudo crítico-histórico da Bíblia.
Dois são os objetivos principais a que viso, na produção deste texto, a saber, dar a conhecer as inconsistências ideológicas e teológicas que permeiam o Livro do Eclesiastes e mostrar por que esse texto não pode ser atribuído a um único autor. Antes de atacar essas duas questões basilares, urdirei algumas considerações sobre o que é a Bíblia e sua utilidade ou não para o desenvolvimento da pesquisa histórica sobre Israel. Outro objetivo a que se destina a produção deste texto é patentear de que modo o Eclesiastes deixa entrever a coexistência de uma visão claramente pessimista sobre a existência, podendo afinar-se, assim, com o espírito de ateus e agnósticos, e de uma visão devocional, que satisfaz o otimismo dos crentes. Não há dúvida, conforme se verá, de que o Eclesiastes sustenta uma visão cética segundo a qual a vida não tem sentido. Como seja um dos livros componentes da literatura sapiencial da Bíblia, o Eclesiastes lega-nos um ensinamento intemporal sobre a condição humana, sobre a vida e a morte – um ensinamento que não pode escapar à consciência quer de leitores devotos, quer de leitores céticos.


1. O que é a Bíblia?

Comecemos por considerar esta passagem de Swenson, em seu Desvendando a Bíblia (2010), na qual a autora nota como, em geral, as pessoas leem a Bíblia com base em um pressuposto equivocado. Elas leem a Bíblia

“Supondo uma origem única (pelo menos para cada livro bíblico), por exemplo, ou que a Bíblia conta coisas do começo ao fim em ordem direta e cronológica”
(p. 21)


Em primeiro lugar, o que chamamos de Bíblia não foi produto de um único autor. Em segundo lugar, seus múltiplos autores não estavam conscientes de que escreviam a Bíblia. A constituição de um cânone foi um longo e complicado processo, durante o qual discussões acirradas opunham entre si os primeiros padres da Igreja cristã. Por exemplo, os manuscritos do Novo Testamento estavam sendo produzidos no século I d.C. Àquela altura, eram milhares os textos que circulavam e eles sofreram muitas alterações, falsificações antes de integrarem um cânone bíblico. Não me estenderei, contudo, sobre esse tema, cuja extensão é suficiente para a produção de um texto outro.
É preciso entender que a Bíblia não se presta a uma leitura “literal”. A própria biografia da Bíblia – ela se desenvolveu durante um longo período de tempo e reflete acréscimos de várias épocas e lugares, abrigando diversas perspectivas – praticamente garante que ela diz muitas coisas (por vezes, contraditórias). As pessoas leem a Bíblia acreditando que seu significado possa ser tomado para compreender a nossa época; mas a distância cultural que nos separa do mundo bíblico é imensa. Esse reconhecimento deveria servir para acautelar os mais apressados que supõem ser a Bíblia um parâmetro para o comportamento moral hoje. Não é difícil mostrar que nós, em matéria de orientação moral, não seguimos tudo que está prescrito na Bíblia. Tome-se este outro passo de Swenson:

“Entendendo que a Bíblia foi composta durante um longo período por muitas pessoas diferentes, e tudo isso há muito tempo, podemos avaliar mais facilmente como, hoje em dia, pessoas diferentes extraem diferentes significados dela. Muito do que está na Bíblia não foi escrito com o objetivo de se tornar bíblico. A maior parte de seu conteúdo foi considerada como autorizada e como escritura sagrada apenas muito tempo depois que os textos foram primeiramente desenvolvidos e usados. Esses fatos tornam a interpretação hoje, tanto a secular quanto a religiosa, uma atividade rica em camadas”.
(pp. 23-24, grifo meu)


A Bíblia mais antiga é a Bíblia hebraica, a que corresponde ao Antigo Testamento da Bíblia cristã. No entanto, a Bíblia hebraica só foi finalizada quando do aparecimento dos primeiros cristãos. Assim, a grande maioria dos textos que viriam a constituir a Bíblia já eram usados e considerados escrituras autorizadas pelas comunidades de judeus havia muito tempo. Judeus e cristãos adotavam certo número de manuscritos pré-bíblicos que eram traduções gregas de antigos manuscritos em hebraico. Essa versão grega é uma espécie de Bíblia cuja estrutura, linguagem e pressupostos explicam as diferenças existentes nas Bíblias de hoje.
A Septuaginta é o nome atribuído à tradução para o grego da Bíblia hebraica. Conta uma lenda que Ptolomeu II, conhecido como Filadelfo, que governou o Egito entre 285-246 a.C., desejou ter em sua biblioteca uma cópia dos cinco primeiros livros da Bíblia. Ele, então, chamou setenta e dois tradutores judeus provenientes da Alexandria para a realização do trabalho, que durou setenta e dois dias. É claro que a tradução, na verdade, durou séculos, mas o termo Septuaginta fez parte da história para fazer referência aos setenta e dois tradutores e aos setenta e dois dias necessários ao empreendimento da tradução.
Jerônimo, que foi responsável por traduzir a Bíblia para o latim (entre 385 – 405), chamou os livros extras da Septuaginta, ou seja, os que não entraram a fazer parte do cânone das Escrituras hebraicas, de apócrifos. Apócrifos  significa “ocultos”. A intenção de Jerônimo era distingui-los dos livros originais em hebraico no final do Antigo Testamento. Mas eles foram incorporados e reconhecidos oficialmente pela Igreja Católica como parte da Bíblia, ainda que lhes tenha sido atribuído o estatuto de “secundários”.
A Bíblia hebraica é produto de acontecimentos sócio-históricos que se desenvolveram ao longo de muito tempo e representa as ideias, crenças e valores do povo protojudaico que falava a língua hebraica e que vivera no Antigo Oriente Próximo nos primeiros séculos antes da nossa era. A Bíblia é produto de um esforço por construir uma identidade pela interpretação de acontecimentos históricos à luz de representações de Deus. A fidelidade do povo a Deus fez com que esse povo responsabilizasse única e exclusivamente a si mesmo pelas adversidades que teve de enfrentar.
A Bíblia hebraica é uma coletânea de livros que expressam muitas histórias sobre o povo escolhido de Deus. Tais histórias dizem respeito às formas como esse povo descumpriu a aliança com o seu deus e como ele foi punido por isso. No tangente ao Novo Testamento, cumpre notar que ele abriga um conjunto de livros reunidos por pessoas de fé, e não por historiadores preocupados em determinar fatos a respeito da vida de Jesus. Jesus, a personagem principal desses escritos, era um profeta apocalíptico judeu. Na época em que Jesus vivera, os judeus não estavam sempre de acordo quanto às suas crenças e visões teológicas. O cristianismo surge como uma seita judaica que rompe com certos aspectos da tradição e com ideias caras e fundamentais para alguns judeus. Eram poucos os judeus que aceitavam a crença, acalentadas pelos seguidores de Jesus, de que ele era o Messias que cumpriu as profecias judaicas, como a de Isaías (53). Não eram raros os judeus que julgavam heréticas as afirmações sobre a divindade de Jesus. Esses judeus as rejeitavam por acreditarem que Deus não podia assumir a forma de um ser mortal. Em outras palavras, para muitos judeus, era um escândalo acreditar que Deus encarnaria num ser humano cujo destino, terrível, seria a crucificação e a morte. Morte de um deus? Como isso seria possível? Escândalo! – revoltavam-se os judeus.
A autoria, durante o período em que os escritos bíblicos era produzidos, raramente era significava a empreitada de um único indivíduo, cujas palavras, uma vez escritas, permaneciam imutáveis. Quase toda a literatura da Bíblia é atribuída a uma pessoa ou outra que não chegou a escrevê-la. Falsificações eram comuns no mundo antigo. A maioria dos textos bíblicos foram escritos anonimamente (mormente, os da Bíblia hebraica) e seus autores eram pessoas que podiam aprender a ler e a escrever – escribas ensinados no templo.
Os escribas produziram textos com base nas tradições existentes e com base em textos, por exemplo, narrativas orais, poesia, anais, oráculos, que foram preservados e transmitidos por discípulos de um profeta. A eles competia copiar e editar esses textos de acordo com as circunstâncias e a teologia que adotavam.
Se a Bíblia não foi entregue pronta por Deus, tampouco constituía um projeto conscientemente desenvolvido por seus autores. O conjunto de livros ou manuscritos que viriam a ser reunidos para compor a Bíblia circulava como partes independentes, muitas das quais assumiram a forma de rolos de pergaminho, em vez de códices encadernados, à semelhança de nossos livros de hoje. Disso se segue que a sua organização e ordem não eram fixas.
Levando-se em conta essas considerações sobre a história da constituição dos textos bíblicos, vamo-nos debruçar sobre o Eclesiastes, a fim de compreender como duas visões divergentes sinalizam duas fontes autorais que, seguramente, estão na origem da produção deste livro. Há, conforme mostraremos, duas vozes cujas perspectivas são claramente conflitantes. Um das vozes assume uma perspectiva pessimista sobre a vida e a condição humana, enquanto a outra sustenta sua crença na providência divina, que, ao cabo, beneficiará os justos e punirá os injustos. Trata-se de um livro que pode satisfazer tanto a céticos (mesmo agnósticos e ateus) quanto a crentes devotos.


2. O Eclesiastes: tema e problema da autoria

Em seu Como ler a Bíblia – História, profecia ou literatura (2010), Mckenzie observa que o Eclesiastes é um exemplo da literatura sapiencial bíblica, conhecido pelo nome hebraico coélet. Essa palavra é um título usado pelo autor do livro e se traduz geralmente como professor ou pregador.
A questão principal de que trata o livro do Eclesiastes é a do sentido da vida. O Eclesiastes é um subgênero do gênero sabedoria; é uma autobiografia ficcional. Segundo Mckenzie,

“A compreensão do Eclesiastes como autobiografia ficcional confere a ele autoria desconhecida. O Eclesiastes, como o Livro dos Provérbios, é atribuído ao rei Salomão, embora ele não seja o autor verdadeiro”.
(p. 115, grifo meu)


A perspectiva predominante no Eclesiastes, deveras pessimista, é a de que a vida não tem sentido. Uma leitura acurada revela inconsistências, já teológicas, já ideológicas (em sentido lato), significativas, que dizem respeito a alguns tópicos principais de trata o livro. Note-se, de passagem, que a palavra vaidade, que ocorre no texto, significa “vazio” ou “sem sentido”. Há uma visão cética no Eclesiastes segundo a qual a vida não tem sentido.
Convém esclarecer que as biografias ficcionais se dividem em três partes. Todas se iniciam com uma breve introdução, em que se informa quem é a pessoa retratada; posteriormente, estende-se uma longa narrativa durante a qual os prodígios da pessoa retratada são pormenorizados. Na terceira parte, que difere de um trabalho para outro, se topa um conjunto de bênçãos e maldições, uma lista de donativos para culto a um deus, uma profecia ou um conselho sapiencial. O Eclesiastes se assemelha ao tipo de narrativas que se estruturam na forma de um conselho sapiencial.
O Eclesiastes, conforme veremos, encerra duas vozes, imediatamente apreensíveis, cujos pontos de vista são conflitantes. Há certo consenso entre os estudiosos da Bíblia em considerar o Livro como resultado de acréscimos realizados por editores posteriores. Destarte, por exemplo, as passagens em que se recomenda o temor a Deus na esperança de que ele recompensará os justos e punirá os ímpios são exemplos de trechos acrescidos, vez que suas ideias estão limitadas aos dois últimos versos do livro.
Há uma voz que sustenta não ter a vida sentido algum e que, por isso, devemos “comer, beber e se divertir”. Consoante essa visão, a morte é o fim de cada um de nós e ninguém sabe o que há além do túmulo. A outra voz, por outro lado, advoga que existirá um julgamento final e que o significado da vida repousa na obediência a Deus. Essas vozes correspondem a dois locutores distintos, os quais representam diferentes tradições. Na subseção a seguir, nos deteremos a discorrer sobre os elementos temáticos da narrativa, com vistas a fazer aparecer as duas perspectivas conflitantes.

2.1. Elementos temáticos e perspectivas conflitantes

1) Carpe diem (aproveite o dia)

O Eclesiastes afirma que todos nós devemos aproveitar a vida enquanto ela dura. Vejam-se os excertos que dão testemunho dessa visão:

12. Já tenho entendido que não há coisa melhor para eles do que alegrar-se e fazer bem na vida.
13. E também que todo homem coma e beba, e goze do bem de todo o seu trabalho, isto é um dom de Deus.
(3: 12-13)


Não há contradição necessária entre as ideias de gozar a vida e a vida não ter sentido. As duas perspectivas podem ser compatíveis entre si.  Nos excertos a seguir, a despeito da visão segundo a qual a vida é vã, gozá-la é conveniente e desejável:

7. Vai, pois, come com alegria o teu pão e bebe com coração contente o teu vinho, pois já Deus te agrada das duas obras.
8. Em todo tempo sejam alvas as tuas roupas, e nunca falte o óleo sobre a tua cabeça.
9. Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias da tua vida vã, os quais Deus te deu debaixo do sol, todos os dias da tua vaidade; porque esta é a tua porção nesta vida, e no teu trabalho, que tu fizeste debaixo do sol.
10. Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.


O locutor sustenta a tese de que devemos gozar a vida antes que morramos. Retomando-se a tensão entre as ideias de “gozar a vida” e “a vida não tem sentido”, faz-se mister notar que ela é muito forte em todo o livro. Em 2: 1-11, observa-se que o prazer é uma das possíveis razões para viver. Entre os prazeres mencionados pelo texto, está o prazer de trabalhar.

1. Disse eu no coração: Ora, vem, eu te provarei com alegria; portanto goza o prazer; mas eis que também isso era vaidade.
2. Ao riso disse: Está doido; e da alegria: De que serve esta?
3. Busquei no meu coração como estimular com vinho a minha carne (regendo porém o meu coração com sabedoria), e entregar-me à loucura, até ver o que seria melhor que os filhos dos homens fizessem debaixo do céu durante o número de dias de sua vida.
4. Fiz para mim obras magníficas; edifiquei para mim casas; plantei para mim vinhas.
5. Fiz para mim hortas e jardins, e plantei neles árvores de toda a espécie de fruto.
6. Fiz para mim tanques de águas, para regar com eles o bosque em que reverdeciam as árvores.
7. Adquiri servos e servas, e tive servos nascidos em casa; também tive grandes possessões de gados e ovelhas, mais do que todos os que houve antes de mim em Jerusalém.

Note-se que o locutor era um homem de muitas posses. Em 7, afirma que tinha muitas propriedades, como servos e servas que lhe permitiam dispor do tempo necessário para fruir a vida.

8. Amontoei para mim prata e ouro, e tesouros dos reis e das províncias, provi-me de cantores e cantoras, e das delícias dos filhos dos homens; e de instrumentos de música de toda a espécie.
9. E fui engrandecido, e aumentei mais do que todos os que houve antes de mim em Jerusalém, preservou também comigo a minha sabedoria.
10. E tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o meu coração de alegria alguma; mas o meu coração se alegrou por todo o meu trabalho, e esta foi a minha porção de todo o meu trabalho.

Finalmente, o locutor reconhece que, após gozar do prazer proporcionado pelo luxo e riqueza, após deleitar-se com a obra de seu trabalho, tudo é vaidade, isto é, tudo é sem sentido. Trata-se da percepção de quem se cansa da vida e não encontra nela qualquer fonte de significado.

11. E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol.


Em 11, clara está a visão pessimista do locutor que reconhece a insignificância de suas realizações, dos próprios esforços empregados na construção de suas obras. O trecho dá testemunho de um locutor que padece pelo reconhecimento de que não há proveito nenhum em viver.
Há também um conflito entre a ideia básica de que a vida não tem sentido e a ideia de que devemos temer a Deus: “essa também é uma ideia que se repete ao longo do livro” (p. 117). Em 3:14, se acha a ideia de que devemos temer a Deus. Gozar a vida e temer a Deus também se acham em conflito em outras passagens. É necessário lembrar-se do criador. O jovem deve gozar a vida, mas é prevenido de que Deus o julgará pelos seus atos. Ora, os dois conselhos são incongruentes (p. 117).

9. Alegra-te, jovem, na tua mocidade, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade, e anda pelos caminhos do teu coração, e pela vista dos teus olhos; sabe, porém, que por todas estas coisas te trará Deus a juízo.
10. Afasta, pois, a ira do teu coração, e remove da tua carne o mal, porque a adolescência e a juventude são vaidade.
(11: 9-10)
2) Prazer

Embora prazer e diversão sejam apreciados e recomendados como modos de viver, sendo mesmo considerados dádivas divinas, o Eclesiastes diz ser o prazer sem sentido (ver 2:1-11).


3) Trabalho

O trabalho, tal como o prazer e a riqueza, é considerado, em alguns textos, como um presente de Deus. No entanto, em outra parte, o Eclesiastes descreve o trabalho como enfadonho e sem sentido. O trabalho a que se devota o locutor (2: 4-6) é vazio e odiado pelo locutor (2: 18-23). Não há benefício no trabalho. O trabalho é motivado pela inveja interminável (4:4) e não produtiva (4:8).

4) Riqueza

Também a aquisição de bens materiais, busca a que o Eclesiastes leva a cabo, é, eventualmente, considerada sem sentido (2: 1-11).

5) Sabedoria

A sabedoria também é considerada uma dádiva de Deus e uma recompensa para aquele que dela se beneficia (2: 26). A sabedoria é vantajosa para aqueles que a possuem (7: 11). Não obstante, o locutor, que se beneficiou de uma vasta sabedoria, cuida que ela é sem sentido também e uma fonte de frustração (1: 17-18). Mesmo que, comparada à tolice, a sabedoria seja melhor, no final das contas, ambas não livram tanto o homem da morte, que é inevitável, para o sábio ou para o tolo. Portanto, ser sábio ou tolo não faz diferença nenhuma em face da consciência do destino seu comum (2: 13-16).

16. Porque nunca haverá mais lembrança do sábio do que do tolo; porquanto tudo, nos dias futuros, total esquecimento haverá. E como morre o sábio, assim morre o tolo.

6) Significado da vida/ retribuição

Há inconsistências também quando se considera a questão de se a vida tem significado e a questão de se haverá alguma recompensa aos justos. Por um lado, a vida parece evidentemente injusta: há maldade em vez de retidão e justiça (3: 16). Os oprimidos não têm conforto ou crença (4: 11). Os justos morrem jovens, enquanto os ímpios têm vida longa (7: 15). Não parece haver um sistema de punição imediata para os ímpios.Todos são iguais no túmulo (9: 2).

2. Tudo sucede igualmente a todos; o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento.

Eclesiastes 9:2

No entanto, o Eclesiastes encerra uma série de textos que sustentam a visão segundo a qual haverá uma retribuição divina. Alguns desses textos se assentam na crença de que Deus recompensará os fiéis e punirá os ímpios. Há textos em que se percebe a crença num julgamento final.

13. De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem.
14. Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau.

Eclesiastes 12:13-14


7) Morte

A vida merece ser vivida ou morrer é preferível a viver? Esta é também uma questão de que se ocupa o Eclesiastes.
Os mortos irão para o Sheol, que é a morada dos mortos, onde não há “nem trabalho, nem pensamento, nem sabedoria” (9:10).

10. Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma.


O Eclesiastes odeia sua vida, porque ela é destituída de significado (2: 17).

17. Por isso odiei esta vida, porque a obra que se faz debaixo do sol me era penosa; sim, tudo é vaidade e aflição de espírito.


A morte é considerada melhor que a vida, e o melhor mesmo é nunca ter vivido.

Eclesiastes 4: 1-3

1.       Depois voltei-me, e atentei para todas as opressões que se fazem debaixo do sol; e eis que vi as lágrimas dos que foram oprimidos e dos que não têm consolador, e a força estava do lado dos seus opressores; mas eles não tinham consolador.

2. Por isso eu louvei os que já morreram, mais do que os que vivem ainda.

3. E melhor que uns e outros é aquele que ainda não é; que não viu as más obras que se fazem debaixo do sol.


No entanto, no versículo 9: 4-6, sustenta-se que a vida é melhor que a morte.


4. Ora, para aquele que está entre os vivos há esperança (porque melhor é o cão vivo do que o leão morto).

5. Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, mas a sua memória fica entregue ao esquecimento.

6. Também o seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram, e já não têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol.


Ademais, em 11: 8, observa-se que uma pessoa que vive muitos anos deve alegrar-se em todos eles. O Eclesiastes afirma a vida e considera válido seu usufruto. Esse tema se desenvolve a par do pessimismo profundo à luz do qual a morte é valorizada quando cotejada com a vida (p. 120).



Adendo

3.      Reconstruindo a história de Israel

Uma das dificuldades para a reconstrução da história de Israel repousa na escassez de fontes não literárias e literárias com base nas quais esse processo possa lograr o sucesso pretendido. O leitor poderia perguntar por que não se servir da Bíblia para estudar a história de Israel. A razão é simples: a Bíblia não pode servir de fonte para estudar e reconstruir a história de Israel, uma vez que a Bíblia não tem como preocupação principal apresentar uma perspectiva histórica dos fatos e das personagens. Sua preocupação central é patentear a ação de Deus na história da comunidade de seu povo; ademais, a Bíblia se preocupa em mostrar como esse povo respondeu aos apelos de Deus, num contexto sócio-histórico marcado por sucessos e insucessos, prosperidade e opressão, liberdade e escravidão, na busca por conquistar e reconquistar a terra prometida por Deus. A Bíblia não tem um compromisso em fornecer informações históricas tais como nós a entendemos hoje, à luz de nossa mentalidade racional e científica.
Os estudiosos se dividem em duas tendências básicas, no tocante à questão da utilidade da Bíblia como fonte para a pesquisa histórica. Há os que afirmam a impossibilidade de se servir da Bíblia para reconstruir a história de Israel; e há outros que aceitam a Bíblia como fonte primeira, salvo em casos em que ela, a Bíblia, se mostra absolutamente falseada, tendo em vista o cotejo das informações que abriga com os dados das ciências auxiliares, entre as quais se acha a arqueologia.
É claro que a Bíblia codifica a visão particular do povo, escolhido por Deus, sobre a sua própria história. Esse povo compreendeu e releu a sua história e a registrou, sem, contudo, preocupar-se com relatos fidedignos dos acontecimentos que viveu. Ademais, os escritos bíblicos expressam não a visão de todo o povo de Israel, mas de uma parcela significativa cujo olhar sobre a história, então registrado, se impôs ou foi preservado e se tornou acessível a nós. Destarte, não há apenas uma história de Israel, mas histórias de Israel.


3.1.  A edificação de um conhecimento e a ruína da fé

Costumeiramente, eu sou importunado por um sentimento que me aviva na consciência a importância de reanimar na consciência de outrem o que eu entendo por Deus, sendo eu ateu declarado. Em primeiro lugar, enfatizo que não há vantagem nenhuma em ser ateu. Já faz algum tempo em que a assunção do meu ateísmo deixou de significar libertação de grilhões emocionais que me conservavam na dependência de uma visão de mundo que descobri ser seriamente danosa. O amadurecimento de meu ateísmo, muito graças aos estudos que empreendi em filosofia, levou-me a perceber que o abandono da fé impulsionou meu interesse por compreender os alicerces sócio-históricos dessa fé. Em outras palavras, tendo superado a fase de libertação emocional, compreendi haver uma conexão entre minhas convicções ateístas e meu amadurecimento enquanto estudioso de filosofia. Percebi que o abandono da fé impulsionou um avivado interesse por estudar teologia e história das religiões, sem perder de vista o legado da filosofia, com base no qual meus caminhos intelectuais eram iluminados.
À proporção que ia se construindo em mim uma consciência histórica e crítica da Bíblia e quanto mais apurado se tornava meu conhecimento – sempre em desenvolvimento – da história do povo hebreu, mais frágil e desnecessária se tornava para mim a fé num Deus que, não contando com o apoio de evidências para sustentar sua existência, se reduziu a um signo dotado, contudo, de uma materialidade histórica (sobre a qual já derramei algumas tintas neste blog).
Tendo a consciência aliviada dos hábitos de uma fé, historicamente pouco suscetível a dobrar-se ao debate crítico, passei a compreender Deus como signo linguístico entretecido de uma materialidade histórica e ideológica, o qual reflete os avanços e retrocessos de um povo que lutava pela conquista da Terra Prometida.
Aprendi que contar a história desse Deus, uma palavra tão pronunciada por milhões de pessoas ao redor do mundo, é contar a história do povo de Deus, os hebreus, a quem Deus havia prometido uma terra.  Aprendi que contar a história do povo de Deus é o mesmo que contar a história da terra de Deus.
Para mim, não resta, hoje, dúvida de que é por força de contingências históricas que a sociedade ocidental, da qual a sociedade brasileira é, evidentemente, um exemplo, professa a fé num único Deus, dotado de uma historicidade cujas tramas são, em geral, desconhecidas da maioria dos homens e mulheres do mundo da rua e do trabalho.
Não se deve chegar à conclusão apressada de que meu declarado ateísmo significa um desinteresse por Deus; de resto, o número de textos que dedico ao tratamento do tema é suficiente para provar ser justamente o contrário disso. A forma por que eu entendo Deus é que sofreu uma mudança radical. Deus não é senão, para mim, um signo ideológico (na acepção de Bakhtin), cujo uso pode servir - e serve, com frequência, - às classes dominantes, com o concurso da Igreja, ela mesma uma instituição representante das forças de dominação, à conservação do status quo. Também como signo, que não designa senão uma ideia na mente, sem que lhe corresponda um referente exterior identificável com um objeto material no mundo conhecido, Deus enfeixa uma série de acontecimentos sócio-históricos que está na raiz do seu desenvolvimento, enquanto signo, e que remontam a mais de 3.000 anos.
Conhecer esses acontecimentos é devolver a Deus sua face humana. O homem retirou de Deus aquilo que o identifica como obra da atividade histórica humana. Conhecer tais acontecimentos é por de pé o que o próprio homem, no devir histórico, pelo próprio trabalho da história, pôs de ponta-cabeça: no princípio, está o homem; depois ocorreu ao homem que Deus estava em sua origem; e Deus se fez criador do homem, e o criador-homem se fez criatura de Deus. O verdadeiro criador se submeteu à verdadeira criatura. Os polos se inverteram: Deus - criador, causa, origem explica o homem - criatura, consequência, procedência. Deus se apresentou à consciência do homem como a origem do homem e passou a dominar a consciência do homem, que já não mais se reconhece como o verdadeiro inventor de Deus.















quinta-feira, 29 de maio de 2014

“Se nossa condição fosse verdadeiramente feliz, não seria necessário desviarmos dela nossos pensamentos” (Blaise Pascal)

                                    
                                    
                                      Fragmentos trágicos

Escrever é, para mim, um exercício de existência. O que se seguirá são rascunhos, rasuras, esboços, rabiscos de fragmentos de um filosofar que me atrai, que me seduz, que me revela verdades atemporais e que convém ter presentes no espírito. Por isso, tenciono tão-somente referir passos de alguns livros que li, que leio e releio, de fragmentos que destaquei, que reproduzi num caderno e que, agora, dou a conhecer, a fim de que, através da leitura deles, possa eu mesmo reconhecer-me. Não deixarei de comentá-los, mas só me cingirei a fazê-lo; não pretendo submetê-los a uma análise rigorosa. O trabalho do leitor consistirá não tanto em ler os fragmentos que cito, com vistas a compreendê-los; há que fazer um ultrapassamento, que é próprio da filosofia. Necessário será ler o que não está neles, o que está para além deles, num lugar outro mais denso e profundo, num escuro iluminado que se revela. Ao cabo, espero que se perceba que é o escuro de todos nós, porquanto todos os registros que aqui dou a conhecer dizem respeito à condição humana. Não espero, no entanto, que a consciência desta condição esteja tão avivada no leitor quanto  está em mim. Talvez, seja isso, leitor, que nos distancia; decerto, devo a ela meu interesse pela filosofia, meu abandono gratuito ao filosofar, meu convívio aturado com os livros.
Comecemos, pois, referindo dois trechos de Gilvan Fogel, em seu O que é filosofia? – filosofia como exercício da finitude (2009). Escreve o autor a respeito da filosofia o seguinte:

“A filosofia não é “coisa” nenhuma. Não é uma disciplina de um curso ou de um currículo acadêmico; não é um acervo, uma reserva de informações, sobretudo não é um domínio da “cultura” (...)”.
(p. 86)


O saber filosófico não é um saber de que nos apropriamos na academia (o que não significa negar a importância do diálogo com a tradição, com a apropriação do já pensado, trabalho de que depende o desenvolvimento desse saber). Mas a filosofia não é uma disciplina acadêmica; a filosofia é um saber-ação para exercitar a existência. Contra o acadecismo filosófico, pondera Gilvan:

“Não. Dispor-se, pré-dispor-se para a filosofia significa, na verdade, abrir-se para a conquista de um modo próprio de ser do homem, da vida”.
(p. ib.id., grifo meu)


Há pressuposta, neste trecho, a existência de um modo próprio de ser do homem e da vida que precisa ser conquistado. Mas a conquista deste modo de ser do homem depende do predispor-se à filosofia. Nem todos se apropriam desse modo de ser, visto que nem todos se predispõem à filosofia. E Fichte nos lembra que “filosofar não é propriamente viver; viver não é propriamente filosofar”. Não, leitor, não se está afirmando um divórcio entre viver e filosofar; está-se afirmando que, para filosofar, necessário é um distanciamento relativamente ao viver, que é viver chapado (Gilvan), um viver preenchido de preocupações, de ocupações, um viver que nos habitua à azáfama do cotidiano, que reúne todos os seres humanos numa massa que está sempre a caminho, sempre em movimento ininterrupto. Distanciamento e isolamento, que permitem-nos sentir a vida, sentir e auscultar o fundo da vida (Gilvan), que é Dor - Dor “que é evidência de nada ser de antemão (p. 96)”, são duas condições para o filosofar. São as vozes de Kierkegaard e de Sartre que ecoam mais nitidamente aqui. Gilvan é mais inquietante e interessante do que deixam sugerir esses esboços interpretativos. Não me interessa explicar a filosofia, nem elucidar o modo como Gilvan no-la explica. Tomem-se outros passos e prossigamos.

“Filosofar consiste em uma ação na qual o mundo do trabalho é ultrapassado”.
(p.8)


“O mundo do trabalho é o mundo do cotidiano do trabalho, o mundo da utilização, da serventia a fins, do rendimento de exercício de funções; trata-se do mundo da necessidade e da renda, o mundo da fome e do modo de saciá-la. O mundo do trabalho é dominado pelo objetivo de realização da “utilidade comum”.
(ib.id.)


Estes passos foram tomados a Josef Pieper, em O que é filosofar? (2007). Já antecipo uma provável interpretação, equivocada, e que deve, por isso, ser rechaçada. O autor não pretende menosprezar o trabalho; mas sustentar que o exercício do filosofar supõe o ultrapassamento desse mundo utilitário, da produção, no qual os indivíduos são avaliados segundo sua eficiência e produtividade. O lugar da filosofia foi, desde seu começo com os antigos gregos, o do ócio, não o do negócio. O mundo do trabalho é o mundo da necessidade de subsistência: trabalha-se para sobreviver. O viver chapado de que nos fala Gilvan é, em parte, também esse viver destinado a produzir a subsistência. Viver comum do homem comum. Lugar comum do homem comum. Mas o lugar do filósofo é onde reside o distanciamento e o isolamento. Pois enquanto se vive chapado ao viver dificilmente se pode filosofar. Todo ato de filosofia supõe e exige um distanciamento relativamente ao viver, como condição para pensar o viver e a condição humana. Viver não é o mesmo que existir. O leitor chegaria a essa conclusão, caso se detivesse na leitura do texto de Gilvan – conclusão que, a mim, se impõe, na verdade, como pressuposto do filosofar. Viver e existir não se confundem. Consideremos, agora, os trechos que tomei a Luc Ferry, em seu Aprender a viver – filosofia para os novos tempos (2010):

“O que desejamos, de fato, acima de tudo? Não queremos ficar sozinhos, queremos ser compreendidos, amados, não queremos ficar separados dos próximos, em resumo, não queremos morrer, nem que eles morram. Ora, a existência real, um dia ou outro, frustra todas essas expectativas (...)”.
(p. 22)


Observe-se, de início, que o locutor nos interpela sobre o que mais valorizamos, o que mais desejamos. Trata-se, agora, de nos chamar a atenção para nossos medos básicos: o da solidão, o do desprezo e indiferença e o da morte. Prossigamos com Ferry:

“Pois a verdade é que a morte, ao contrário do que sugere o adágio antigo, possui faces diferentes cuja presença é, paradoxalmente, perceptível no próprio coração da vida mais viva”.
(p. 23)


“Ora, é exatamente isso o que, num momento ou noutro, atormenta esse infeliz ser finito que é o homem, já que apenas ele tem consciência de que o tempo lhe é contado, que o irreparável não é uma ilusão, e que é preciso que ele reflita bem sobre o que deve fazer de sua curta vida”.


“Filosofar, mais que acreditar, é, no fundo – pelo menos do ponto de vista dos filósofos, já que o dos crentes é, com certeza diferente -, preferir a lucidez ao conforto, a liberdade à fé. Trata-se, em certo sentido, é verdade, de “salvar a pele”, mas não a qualquer preço”.
(p.31)


O fato sempre presente da morte; desse já-aí da morte, como presença enraizada em nosso âmago, como verdade de razão e de fato que recalcamos. A morte é – diz Ferry – “perceptível no coração da vida mais viva”, isto é, se faz pulsante numa consciência que sente em profundidade o que significa existir para o homem. É preciso considerar que uma grande medida de nossa infelicidade reside no fato de sermos seres finitos conscientes de nossa morte inevitável, que é esse domínio do “nunca mais”. Outra medida dessa infelicidade encontra raízes na consciência de que nossa existência é efêmera, de que cada dia vivido nos aproxima da morte inevitável. Mas a morte não está à nossa espera; ela nos espreita (eu posso morrer aqui e agora). Morre-se todos os dias, em qualquer hora. No entanto, ainda não alcançou uma consciência avivada da morte quem não a pensa como uma possibilidade já-aí que lhe é própria; trata-se de ouvir a Heidegger: trata-se de encarar a morte como minha morte, minha possibilidade real (e não como um fato que se estende aos outros).  A filosofia não nos salva da morte, é claro; porque nada, na verdade, nos salva dela. Por isso, é necessário filosofar.
Avivada a consciência desta terrível condição (o leitor poderia me dizer que ele sabe disso; mas trata-se de um saber recalcado, afastado da consciência, um saber que preferimos não vasculhar, não remexer, é um saber-sentir que silenciamos). Por isso, quando escrevo “avivada consciência” quero dizer um saber desperto que sente a verdade da morte na estrutura de nosso ser, que necessariamente perderá tudo que ama na vida. O destino do amor, em face da morte, é a perda inevitável. Triste destino o nosso: amamos os que nos faltarão inevitavelmente. Mas amor é desejo de possuir mais e mais; é desejo não só do que falta, mas do que faltará necessariamente. O homem amante é homem que vive a perda, que está no caminho incontornável da perda. É o que a vida nos ensina. Alguns preferirão acreditar num Deus; outros não se deixarão convencer-se da existência de tal ser, nem seduzir-se pelas promessas das religiões. Para estes, a filosofia se apresenta como uma necessidade urgente.
No entanto, a filosofia, enquanto exercício de existência, não se impõe apenas quando somos confrontados com o estar-aí da morte, mas também com o fato mesmo do existir, tão humano, por isso tão frágil, pleno de misérias, de dor e sofrimento. O sofrimento tece as malhas da existência. Trata-se de uma proposição irrefutável. Doravante, citarei passos tomados a Blaise Pascal, Schopenhauer e Luiz Gonzaga de Bem, que me contentam pela verdade trágica que revelam e pelo sentimento estético que provocam. Quem negará que do trágico pode nascer a beleza? Os antigos gregos o provam!

“De fato, a vida devotada ao saber se esvai silenciosamente e é muito vazia de acontecimentos. O mal existe. Todos os seres vivos sofrem, ora pelo corpo,ora pelo espírito. Padecemos pelas intempéries, pelas misérias, pelas doenças, pela ignorância, pelos vícios, pelas injustiças, pelas guerras, etc. Crianças há que nascem para sofrer e morrer. Homens existem de tal modo desgraçados que melhor lhes fora nunca haverem nascido. E há os que não deixam memória, que morrem como se jamais tivessem existido, e parece que sequer nasceram, e o mesmo ocorre com a sua prole. O mal existe, portanto – eis uma verdade insofismável”.
(p. 127, grifos meus)


Este excerto topa-se na obra Confissões de um filósofo desesperado (2009), de Luiz Gonzaga de Bem. A morte, o sofrimento e o mal existem e afirmá-lo é evidenciar a dureza de uma verdade que resiste às tentativas de refutação. O locutor representa uma realidade onde o mal e o sofrimento se manifestam sob várias formas. Uma dessas formas é a insignificância desse acontecer que, como costuma dizer o vulgo, “faz parte”, a falta de sentido da existência e do mal. Nem a existência nem o mal se justificam. A mim me espanta o fato terrível da morte dos que já nascem desgraçados, dos que existem num intervalo de tempo muito breve e morrem jovens demais para deixar seus rastros de dor suportável. A vanidade dessas vidas que já nascem seladas pela morte prematura é um acontecimento para o qual qualquer esforço de justificação é igualmente inútil ou mesmo ofensivo aos que sofrem pela perda de tais vidas tão desafortunadas. Por isso, insurjo-me contra os que, intentando salvaguardar a bondade de um Deus criador, empregam todo e qualquer estratagema e se dedicam a longas elucubrações para elaborar uma teodiceia repugnante às sensibilidades, escandalosa ao bom senso.
“Ser pai, disse Victor Hugo, é oferecer reféns ao destino”. Fazer nascer uma criança é transmitir-lhe o legado de nossa miséria. Tales permaneceu solteiro e adotou o filho de sua irmã. Negou-se a ter os seus próprios filhos, “por amor aos filhos”. Segue-se daí, forçosamente, que trazer ao mundo uma criança é condená-la às agruras, às dores, às angústias, às instabilidades da fortuna, à decrepitude de uma existência que se sabe finita. Esse pensamento trágico é libertador: quer elevar o homem ao poder de resistir aos apelos de seus genes, que o impelem a reproduzir-se para garantir a perpetuação da espécie. A morte de um indivíduo que não deixou descendentes é a impossibilidade de seus genes legarem a miséria da existência a outros que prolongariam gerações de inocentes entregues à fortuna. O homem, que é ser social também, dotado de consciência de sua real condição de existência e por profunda comiseração para com o sofrimento das crianças, cuidará, de bom grado, não condenar qualquer delas à amargura de uma vida a ser suportada em condições socioeconômicas precárias.
Acompanhemos outro trecho de Gonzaga de Bem:

“O homem, o mais valente dos animais e mais habituado ao sofrimento, não repudia o sofrimento em si; o homem o deseja, chega a buscá-lo, desde que reconheça no sofrimento um sentido, um propósito. A falta de sentido para o sofrimento, não o sofrimento em si, era o malefício que afligia a humanidade”.
(p. 136)


Um pensamento trágico afirma a falta de sentido no sofrimento, por isso é incompatível com um pensamento religioso, que tenta atribuir um sentido ao que se nega a ter um. O sofrimento de uma criança é o abismo do sem-sentido. Insanidade humana: procurar sofrer desde que suponha ter esse sofrimento algum significado! Isso não deixa de ser tragicômico, consoante nos lembra Schopenhauer.


“Efetivamente, em toda parte a vida humana é um estado em que há muito a sofrer e pouco a desfrutar. A vida humana não passa de um sonho. A vida é apenas um torpor no claro-escuro, uma inércia entre luzes e sombras, uma caricatura desse sol interior que nos faz crer ilegitimamente em nossa excelência sobre o resto da matéria. Nossa vida é curta e entediante, é uma sombra que passa, e depois do nosso fim não há retorno, pois está selado: homem algum haverá de retornar; para a morte não há remédio. A vida é a piedade da duração, o sentimento de uma eternidade dançarina, o tempo que se supera e rivaliza com o sol. Nada prova que sejamos mais que nada. Ontem, hoje, amanhã: categorias para uso de criados”.
(p. 126, grifo meu)


Nasce-se condenado e sem direito à apelação. Os que, após mensurar benefícios e custos, cuidam que os custos pesam mais, embora estejam assaz entediados para tirar a própria vida, vivem a piedade da duração. Que a existência não exceda os limites das forças que são dispensadas para suportá-la é o que esperam da piedade da duração!

“O que as pessoas não inventam por tédio! Elas estudam por tédio, jogam por tédio e finalmente morrem de tédio!” (George Büchner)


Leiamos estes passos de Blaise Pascal:


“Não tendo os homens podido curar a morte, a miséria, a ignorância, resolveram, para ficar felizes, não mais pensar nisso”.

“Se nossa condição fosse verdadeiramente feliz, não seria necessário desviarmos dela nossos pensamentos”

“É necessário conhecer-se a si mesmo. Ainda quando isso não servisse para encontrar a verdade, pelo menos serve para regrar a própria vida, e nada há de mais justo”.


“Condição humana: Inconstância, tédio, inquietação”.


“Quando se lê depressa demais ou devagar demais, não se entende nada”.


Não leia nem depressa, nem devagar, nem com demasiado escrutínio crítico, leitor; leia com o coração este rascunhado texto de quem se deleita com o desespero do filosofar: porque é não esperar nada além do que a alegria do pensar.


“A grandeza do homem é grande por ele conhecer-se miserável; uma árvore não se reconhece miserável. É então ser miserável se conhecer(-se) miserável, mas é ser grande conhecer que se é miserável”.


Neste trecho, Pascal argumenta que a grandeza do homem reside na sua capacidade de conhecimento. Somente o homem é capaz de conhecer a sua miséria, ou seja, ter consciência dela. Mas também nesse (re)conhecimento de nossa condição miserável repousa nossa fraqueza. A inconsciência da fraqueza talvez seja preferível? Saber-se miserável é também fonte de dor, de um excruciante terror! Grandeza do homem e fraqueza reconhecida do homem: eis nossa inquietante condição!
O homem é um desconhecido de si mesmo. Freud desferiu um duro golpe sobre nossa auto-estima calcada sobre a crença no livre-arbítrio, na liberdade do eu racional. Ele sugeriu que há uma dimensão nos homens que põe em movimento forças à revelia deles próprios, há algo neles que age sem que eles saibam sobre o que fazem. Freud descobriu o inconsciente e asseverou “o eu não é o senhor nem mesmo em sua própria casa”. O homem foi descentrado de si. Antes dele, Copérnico retirou a Terra do centro do universo e Darwin lançou por terra a máscara e as vestes de nossa suposta superioridade no universo natural, revelando-nos nossa nudez animal. Desde então, o homem não era mais um ser especial no reino da natureza.

Ouçamos Schopenhauer, em Do mundo como vontade e representação:

“A vida de qualquer indivíduo, considerada no seu conjunto e na sua generalidade unicamente nos fatos mais silentes, é, em realidade, sempre uma tragédia, mas examinada nos pormenores, tem caráter duma comédia. Porquanto o andamento e os tormentos de cada dia, as incessantes amolações do momento, os desejos e os temores da semana, os aborrecimentos de toda hora que nos foram mandados pela sorte sem pausa ocupada em escarnecer-nos, tudo isto são deveras cenas de comédia. Mas as ambições sempre desiludidas, os esforços sempre inúteis, as esperanças esmagadas sem piedade pela fortuna, os erros fatais de toda vida, com a dor que vai aumentando e com a morte por conclusão, eis em verdade a tragédia. Deste modo, e como se à  desolação da existência, a sorte tivesse querido juntar ainda a ironia, a nossa vida deve compreender todas as dores da tragédia, sem que ao mesmo tempo nos seja possível conservar ao menos a dignidade das personagens trágicas; devemos, ao contrário, nas largas particularidades da vida, ser, forçosamente, vulgares caracteres cômicos”.
(p.93)


Estranha essa vizinhança entre tragédia e comédia tomados como domínios da existência humana; não obstante, o trágico é da ordem estrutural e geral; e a comédia se imiscui no domínio das vivências particulares. As limitações de espaço e o arrefecimento do espírito desencorajam-me a levar adiante um gesto de interpretação desse passo. Considere-se o passo seguinte também de Schopenhauer.

“(...) a base de cada querer é uma falta, é uma indigência, é a dor; pela sua origem, pela sua essência, o querer está, portanto, destinado a sofrer. Ainda que tivesse objetos a desejar, uma satisfação demasiado fácil de súbito lhos tolheria, e o homem sentir-se-ia invadido por um vácuo espantoso e pelo fastio, em outros termos, seu ser e sua existência se lhe tornariam um peso insuportável. A vida, portanto, oscila como um pêndulo entre a dor e o fastio que são, de feito, os elementos que a constituem. Fato estranho que deveis exprimir de maneira assaz estranha: depois de ter colocado no inferno todas as dores e todos os suplícios, o homem nada encontrou para colocar no paraíso, além do tédio”.
(p.79, grifos meus)


Não espanta que os que se deixam guiar irrefletidamente pelos padrões da cultura do otimismo, que nos inculca continuamente ilusões de prosperidade e que, tendo em sua base também o legado cristão, promessas de redenção (porque, numa cultura do otimismo cristão, é necessário supor que sejamos sempre culpados), sintam-se desconfortáveis ao ler Schopenhauer. Não raro, Schopenhauer conduz seu leitor a um beco sem saída, pouco apropriado ao trânsito dos pensamentos que se alimentam da esperança e da salvação. Pois não há salvação e esperança alguma em Schopenhauer. Cada vontade individual se funda numa carência, numa penúria, numa dor. Essa carência, essa penúria, essa dor em que repousa o querer são insuperáveis. O homem está destinado a sofrer. Ele jamais consegue conservar um estado de felicidade e de prazer, porque “a vida oscila entre a dor e o tédio (ou fastio)”. Schopenhauer exerceu sobre Freud marcante influência. Em seu mal-estar da civilização (2010), Freud mostrará que o homem, por força da estrutura de sua psique, jamais pode permanecer indefinidamente no estado de prazer, posto que o desejo seja essa permanência. Nessa obra, Freud nota que o homem está cercado de sofrimento por todos os lados; ele identifica três origens donde lhe advém o sofrimento: da fragilidade de seus corpos, que nos destina à ruína; das forças implacáveis da natureza e do convívio com os seus semelhantes. No tangente ao sofrimento oriundo desta última fonte, observa Freud: “(...) talvez seja sentido de modo mais doloroso que qualquer outro” (p. 64).
Volvemos nossos olhares para este outro trecho de Schopenhauer:

“Os esforços contínuos para alhear a dor não tem outro resultado senão o de transformá-la. Ela originariamente se manifesta como privação, necessidade, inquietação pela manutenção da vida. E quando se tem conseguido, o que aliás é bem difícil, afastar a dor sob tal forma, eis que se apresenta sob mil outras formas variantes com a idade e as circunstâncias: instinto sexual, amor apaixonado, ciúme, inveja, angústia, ambição, avareza, doença, etc., etc. E se por fim não encontrar outras maneiras para introduzir-se, virá sob a triste e sombria capa da saciedade e do tédio, contra os quais há de provar-se, então, todos os meios. Mas se lograrmos, finalmente, derrotá-la também sob tais formas,mui dificilmente se terá feito tal coisa sem lhe abrir acesso sob alguma das formas precedentes e então a dança recomeça: porquanto a vida de todo homem oscila entre a dor e o fastio”.
(pp. 83-84, grifos meus)


Vamo-nos debruçar sobre este trecho de Schopenhauer com vistas a lhe atribuir um sentido. Seu tópico discursivo é a dor e as formas como a dor invade a existência. Schopenhauer aponta-nos várias formas pelas quais a dor se manifesta. O enunciador aprisiona seu leitor num labirinto lógico: mesmo que nos esforcemos por afastar a dor, por nos curar dela, o que fazemos não é senão dar-lhe outras formas. Não há meios de escapar à dor. Todos os nossos esforços nesse sentido são vãos, risíveis. A dor resiste a todos os nossos esforços para impedir que ela penetre as entranhas de nossa existência. Até mesmo na saciedade, o homem há de experienciar uma forma de insatisfação, porquanto, como vimos antes, a base do querer é a falta. O homem é impulsionado pelo desejo que o condena à insatisfação permanente, que o condena à busca contínua de outras formas de satisfação, todas destinadas ao fracasso da saciedade do desejo. O desejo nos move, mas nos move para o abismo do “jamais satisfeito”. Eis o trágico escuro de nossa condição! A verdade do desejo é sua permanente insatisfação, é seu vácuo impreenchível. A dança existencial é dolorosa, pois, malgrado os esforços para cessá-la, uma vez preservando-se em seu ser, o homem é impotente para interromper-lhe seu contínuo oscilar. Schopenhauer nos oferece alguma alternativa? Há alguma forma de exercer domínio sobre a realidade positiva da dor? Em seu A arte de ser feliz, a influência que sobre o pensamento schopenhaueriano exerceu o budismo se deixa entrever. No passo seguinte, o enunciador schopenhaueriano ilumina-nos algum caminho:


“(...) o edifício da nossa felicidade comporta-se de modo inverso ao que se verifica em relação a quaisquer outros edifícios, que são tão mais estáveis quanto maior é a amplitude de seus alicerces. O modo mais seguro de evitar uma grande desventura é reduzir ao máximo as próprias pretensões em relação aos meios de todo tipo de que dispomos. Pois toda felicidade positiva é quimérica, enquanto a dor é real.” (pp.83-84, grifo meu)


Considere-se com atenção este trecho. Em primeiro lugar, diz-nos Schopenhauer que quanto mais amplas são as pretensões de felicidade mais profundas e permanentes podem ser nossas desventuras. O excesso em nossas pretensões à felicidade é proporcional à desventura de um viver que se sabe decepcionante. Ora, se viver é sofrer, se a felicidade é uma quimera e apenas a dor é real, convém não instilar excesso em nossas aspirações à felicidade, pois que também excessivo pode ser o peso da dor que daí sobrevém. Schopenhauer considera a felicidade na modalidade do negativo, ou seja, a felicidade é um estado de ausência de perturbação, de inquietude. Ela é desprovida de realidade positiva. Nesse sentido, Schopenhauer foi influenciado pelo estoicismo. Devemos renunciar a uma felicidade positiva, porque ela é ilusória; nunca a alcançaremos, porque ela não tem realidade objetiva. Só nos resta uma pálida sensação de felicidade, que é o sentir-se impertubável, que é o encontrar-se num estado de ausência de perturbação, de dor, de inquietude. Retomemos a famosa imagem schopenhaueriana: “a vida é um pêndulo que oscila entre a dor e o fastio”.  Dor e fastio são extremos de descontentamento para o homem, são os domínios da desventura. Esse movimento entre um extremo e outro não cessa. Pois existir é estar em movimento. O pêndulo nunca cessa de oscilar, de ir-e-vir; o seu vaivém nos arremessa continuamente de um extremo ao outro; esse movimento incessante é a própria dança dolorosa que recomeça. Há momentos em que nos encontramos nem num extremo nem no outro, embora nunca estejamos em repouso, de resto, nunca atingimos o estado permanente de satisfação ou felicidade. Entre a dor e o tédio, há átimos de sensações de impertubabilidade, há instantes em que a vida nos é amena, suportável; talvez até nos sorria com algumas alegrias fugazes, com algum contentamento circunscrito a um momento de graça. Mas nada além disso nos é possível experienciar, segundo parece nos querer dizer Schopenhauer.
Outros trechos poderiam ser acrescidos aos que referi, de modo a compor um cenário trágico mais abrangente. Limitar-me-ei ao seguinte excerto, colhido de Dezoito brumário de Napoleão Bonaparte, de Karl Marx. Neste trecho, Marx patenteia-nos que os homens são, ao mesmo tempo, produtores e produtos da História. Os homens produzem as condições históricas que os dominam, que se tornam forças que se impõem independentemente de sua vontade e ação. Os homens ao fazer a história não se reconhecem mais como os agentes produtores das condições históricas. Experienciam no interior de si uma alienação, uma cisão entre a consciência e a prática.

“Os homens fazem sua história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas sob circunstâncias com que se depararam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas pesa como um pesadelo sobre o cérebro dos vivos”.


Certa feita, entrei em desacordo com um amigo no tocante à importância da filosofia. Nossa motivação para a filosofia é bastante diversa. As necessidades que esperamos ela satisfaça de algum modo não são as mesmas entre os indivíduos. No entanto, de minha parte, é preciso ver que toda sorte de questões que ocupara os grandes filósofos ao longo dos séculos se atrela a uma questão fundamental e precedente a todas elas: a questão do bem viver. Mesmo um Kant, que se preocupou especialmente com as condições do conhecimento, que se debruçou sobre uma questão que, aparentemente, parece não dar espaço para algum pronunciamento sobre como devemos viver (sabemos, no entanto, que o Kant da Crítica da Razão Pura escreveu outras duas Críticas), não deixou de ter em conta o problema da condição humana e não deixou de oferecer sua perspectiva sobre como os homens devem viver. Toda a filosofia parte do homem, da condição humana e se debruça sobre ela. As perspectivas pelas quais ela é abordada variam, é claro. Mas pretender afastar da reflexão sobre o homem ou sobre a condição humana problemas como o do sofrimento, do sentimento do trágico, da morte, da dor, supondo haver questões mais urgentes, é sinal de uma grave miopia filosófica; em última instância, é não se ter ainda apropriado daquele modo de ser próprio do homem (de que nos fala Gilvan), que é condição para o exercício da filosofia, o qual não se confunde com erudição filosófica, embora passe por ela.


sexta-feira, 2 de maio de 2014

Poema antigo






Infelicidade

Esta infelicidade rasga-me as pálpebras
Ácida! Morde-me as maçãs do rosto
Lança-me ao leito em lancinante desgosto
Sorvido no ventre das noites álgicas

Amor ficcional no coração liliputiano
Trama, urdidura de angústia das virgens vestais
Enredos me tramam o dissabor Danteano
Morre-me o fogo de Héstia em suspiros matinais

Abandonado ao colo de sono abissal
Beijo os lábios de imagens lascivas
E na minha alma doces estigmas

Supurados em ardência e anseio
Legam-me das auroras as apatias
No túmulo pulsante de meu peito.


(BAR)