Por um saber que impregne a
sensibilidade
"Fazer
o trágico passar do estado inconsciente para o consciente" - nisso
consiste o projeto de uma "filosofia terrorista", segundo o filósofo
trágico contemporâneo Clément Rosset. Rosset não crê na possibilidade de curar
os partidários de ideologias de todo gênero, já que eles vivem encerrados em
seu dogmatismo.
Em
entrevista a Sébastien Charles, registrada no livro É possível viver como eles pensam
(2006), Rosset responde, da seguinte forma, à sugestão de que seu trabalho Lógica do
Pior, a considerar a impossibilidade de livrar o homem de suas
posições dogmáticas, só convenceria os já convencidos.
"É impossível tirar os homens da ilusão
impondo-lhes um saber que eles podem admitir no plano teórico ou abstrato, mas
que não impregnará sua verdadeira sensibilidade".
Ora,
"um saber que não impregnará sua verdadeira sensibilidade" é um saber
que não é incorporado, que não exerceu nenhum efeito sobre a fisiologia desse
homem que apenas o admite abstratamente. Esse saber que não integra à
sensibilidade do homem é um saber ineficaz e estéril. Ineficaz e estéril porque
não penetra sua estrutura sensível, porque não metamorfoseia seu modo de ser.
Suspeito
de que essa experiência da não incorporação à sensibilidade de um saber seja
uma experiência com que o professor, que pretende ensinar verdadeiramente a
filosofar, se defronta, quer no nível básico, quer no nível superior de ensino.
A experiência da incapacidade de o outro ser afetado fisiologicamente ou
sensivelmente pelo saber suscita a questão sobre o que é ensinar a filosofar.
Essa questão é tanto mais premente quando nos lembramos de que a experiência
filosófica é, conforme mantém Sponville, "pensar sua vida, viver seu
pensamento". Sponville, aliás, nos faz ver que não há demonstração
filosófica e, se não há uma prova que dê sustentabilidade a uma ou outra
posição filosófica que venhamos a assumir, o que então nos faz adotar uma
posição em detrimento da outra? Trata-se, para mim, de uma evidência que
reencontro nos filósofos que frequento: nosso passado, nossas experiências de
mundo, as formas como somos afetados pelo mundo, nosso temperamento. É isso que
nos fará tomar uma ou outra orientação filosófica, a assumir um ou outro modo
de ser. Sponville nota que não fazemos uma escolha livre entre uma ou outra
posição filosófica. Simplesmente, chega um momento em que temos a impressão de
que "não posso pensar de outra maneira". Assim, se assumimos uma
posição materialista, o fizemos por certo número de razões, que, no entanto,
não precisam ser concludentes ou demonstráveis. Se, então, sou materialista, é
porque não consigo pensar e sentir (pensar e sentir se fundem) de outro modo.
Para Sponville, uma parte considerável da filosofia é tentar comunicar
racionalmente certo número de quase evidências que nós trazemos em nós mesmos.
Voltando
a Rosset, esse filósofo está convencido de que o homem não é capaz de enfrentar
a ideia da morte. O homem que se vê em face de uma perda, por exemplo, de um
grande amor, é lançado num estado de preparação para o grande desnorteio de se
reconhecer detentor de um saber que não pode assumir. Ele sabe que morrerá, que
morrerão todos aqueles que ele mais ama, mas não pode verdadeiramente assumir
esse saber, isto é, incorporá-lo à sua sensibilidade. Freud – lembremos - ensinou
que para o inconsciente somos imortais. Assim, vivem os seres humanos em seu
cotidiano: como se jamais fossem morrer. Para Rosset, "se sua estupefação
cessa, o homem não é mais trágico". O homem mediano evita o confrontar-se com sua condição
desesperadora: ver-se lançado no mundo para nele necessariamente morrer. Há
algo de desesperador aí que ele vive evitando incorporar a sua sensibilidade (isto é, a sua capacidade de se deixar afetar, impressionar, sentir). Daí que, segundo Rosset,
"Todo filósofo,
por mais ilustre que seja, que não concorde sobre este ponto com Cioran,
Lucrécio, Nietzsche, Schopenhauer, etc., e que não passe pelo credo absoluto e
sem nuance que afirma que o homem NÃO É CAPAZ DE ACEITAR PENSAR O QUE SABE,
está para mim desqualificado de antemão. Posso lê-lo, é claro, porque escreveu
coisas geniais sobre a relação entre a forma e matéria [vide. Aristóteles],
sobre isto ou aquilo, mas para mim isso permanece da ordem do detalhe. O certo
é que, quanto ao ponto que considero como fundamental, esse filósofo ainda tem tudo
a aprender e está longe de desconfiar da profundidade do abismo que ladeia sem
enxergar".
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