O ANIMAL
DOENTE
O HOMEM COMO DOENÇA DA TERRA
PARTE 2
1. A má consciência: inibição dos instintos
Doravante, o que estará sob foco de nossa análise é o problema da má consciência, explorado por Nietzsche
na Segunda Dissertação da Genealogia. O que nos chama atenção, tão
logo nos aproximamos do tratamento dispensado por Nietzsche ao problema da “má
consciência”, é o fato de ela formar-se a partir de um conflito entre impulsos
instintivos e imposições sociais. A má
consciência é o efeito colateral do processo de domesticação social a que é
submetido o homem. Para integrar-se na ordem social, o animal humano precisa
ser educado em práticas disciplinadoras, castradoras de suas tendências
agressivas, antissociais. É difícil evitar a tentação de aproximar as
interpretações de Nietzsche e de Freud, à medida que se vai descobrindo que o
tratamento dispensado por Nietzsche ao tema da má consciência parece prefigurar
um horizonte de intuições valiosíssimas que viriam a dar corpo à teoria
freudiana das neuroses. No entanto, evitaremos aqui ler a concepção
nietzschiana de má consciência à luz da teoria das neuroses de Freud. Em todo
caso, registre-se que Nietzsche soube ver muitos aspectos da neurose que Freud
viria a estudar e aprofundar na Psicanálise, tais como conflitos entre o medo,
a ira (agressão) e sentimento de culpa.[1]
Evitaremos o uso do vocábulo “neurose” para nos referirmos aos sintomas da má
consciência, já que não queremos sugerir que se tome a má consciência por
neurose[2].
A fim de que possamos compreender o que é a má consciência e qual é a
sua gênese, é necessário, primeiramente, compreender o que Nietzsche entende
por consciência[3].
Em A Gaia Ciência, se topa um
fragmento em que Nietzsche nos diz, inicialmente: “A consciência é o último e
derradeiro desenvolvimento do orgânico e, por conseguinte, o que nele é mais
inacabado e menos forte”.[4]
A consciência não é uma faculdade superior; não se opõe ao corpo; não se
identifica com um “eu”, tampouco controla a vida orgânica do vivente. A
consciência é produto de processos orgânicos, é instinto entre outros instintos
– um instinto, é verdade, que, segundo Nietzsche, foi tomado como instinto
predominante sobre os outros.
Recorde-se que Nietzsche pensava a vida como um combate incessante de
forças (e estamos autorizados a dizer: de instintos). A consciência, na medida
em que é produto do desenvolvimento do orgânico, é marcada por um incessante
combate. A consciência é também corpo, muito embora tenha instrumentalizado o
corpo. É assim que a consciência pode sentir-se como “pessoa” ou “sujeito” e,
portanto, como superior ao corpo.
Essas considerações sobre a consciência, à luz da compreensão
nietzschiana, deverão ser suficientes para os nossos propósitos. Não
posterguemos mais a consideração do problema da má consciência. Começaremos por
compreender a sua gênese, esforço este que deverá nos encaminhar, segundo
pretende Nietzsche, ao desenvolvimento da relação entre “credor” e “devedor” e
o consequente aparecimento do sentimento de culpa.
1.2. A relação contratual entre credor e devedor
A relação entre credor e devedor constituirá o quadro teórico à luz do
qual Nietzsche explicará a origem do
conceito moral de culpa, a funcionalidade da aplicação do castigo, a
equivalência entre dor e dano e o consequente desenvolvimento da má consciência.
Segundo Nietzsche, a origem do conceito moral de culpa está no conceito
muito material de dívida, a qual supõe a relação contratual entre credor e
devedor. O castigo é reparação, e seu conceito se desenvolveu sem qualquer
pressuposto de liberdade da vontade, a partir do qual se creria que o castigado
poderia ter agido de outro modo, evitando, assim, o castigo. A aplicação do
castigo como forma de reparação de um dano causado não supunha também a
responsabilidade do perpetrador, conforme lemos no excerto a seguir:
Durante o
mais largo período da história humana, não
se castigou porque se responsabilizava o deliquente por seu ato, ou seja, não
pelo pressuposto de que apenas o culpado devia ser castigado – e sim como ainda
hoje os pais castigam seus filhos, por raiva devido a um dano sofrido, raiva
que se desafoga em quem o causou, mas mantida em certos limites, e modificada
pela ideia de que qualquer dano encontra seu equivalente e pode ser realmente
compensado, mesmo que seja com a dor do
seu causador.[5]
(ênfases no original)
Como se pode ver, a motivação para a aplicação do castigo foi, durante
um longo período da história humana, a raiva que experimenta aquele que foi
lesado. O que Nietzsche buscará descrever a partir daí é o modo de
funcionamento da psicologia humana antiga. O castigo permite a quem foi lesado
liberar sua raiva na forma de castigo no causador do dano. A dor sofrida por
este, como consequência do castigo que lhe foi aplicado, funciona como uma
compensação do dano sofrido. Nietzsche fará remontar a origem da equivalência
entre dano e dor à relação entre credor e devedor. Ao ocupar-se dessa relação,
Nietzsche começa observando que nela é necessário que se façam promessas. As
promessas constituem no devedor, isto é, naquele que promete saldar sua dívida,
uma memória. No momento em que, ao se fazerem promessas, se constrói uma
memória, toda uma série de punições cruéis, duras passaria a encontrar
justificação. Ao prometer, o devedor não poderá alegar esquecimento na
tentativa de escapar ao castigo ou de adiar o momento de sua aplicação, porque,
por ocasião da promessa, tem memória e, com ela, a restituição ao credor
torna-se para ele um dever ou obrigação. Assim, consoante Nietzsche,
O devedor,
para infundir confiança em sua promessa de restituição, para garantir a
seriedade e a santidade de sua promessa, para reforçar na consciência a
restituição como dever e obrigação, por meio de um contrato, empenha ao credor,
para o caso de não pagar, algo que ainda “possua”, sobre o qual ainda tenha
poder, como seu corpo, sua mulher, sua liberdade ou mesmo sua vida (ou em
certas circunstâncias religiosas, sua bem-aventurança, a salvação de sua alma,
e por fim até a paz no túmulo (...). [6]
Mas essas formas de garantia dadas pelo devedor ao credor não subtraía a
este o poder de punir o devedor com toda sorte de aflições e torturas em seu
corpo. A dor causada ao devedor infunde no credor “uma espécie de satisfação íntima”; e essa satisfação
funciona como um equivalente ao benefício que se seguiria do saldo da dívida.
Na impossibilidade de ser ressarcido, o devedor se regozija em poder causar
sofrimento no devedor. Por isso, escreve Nietzsche “a compensação consiste,
portanto, em um convite e um direito à crueldade”.[7]
Uma observação se impõe urgente, antes de prosseguirmos. Para Nietzsche,
é na esfera das obrigações legais que devemos buscar a origem do mundo dos
conceitos morais. É nessa esfera que se desenvolverá o conceito de culpa, de
consciência, de “dever”, da “sacralidade do dever” – e não menos importante: é
preciso reconhecer, com Nietzsche, que esse mundo dos conceitos morais se
constituiu com muito derramamento de sangue e práticas de tortura, com muito
gosto apurado pela prática do sofrimento. Nietzsche identifica nesse mundo o
vínculo entre culpa e sofrimento, donde a necessidade da pergunta: em que
medida o sofrimento pode compensar uma dívida? A resposta já pode ser inferida
do que se expôs sobre a satisfação na aplicação do castigo: “fazer sofrer era
altamente gratificante”[8]
– escreve Nietzsche. O sofrimento causado ao devedor compensava o desprazer
sentido pelo credor pelo dano que aquele lhe causou. Fazer sofrer, nota
Nietzsche, torna-se assim uma “grande festa”, e a crueldade passou a ser “o grande festivo da humanidade
antiga”[9]
Em Aurora, Nietzsche escreve sobre “a
alegria da crueldade”, considerando-a uma experiência predominante na condição
humana. Leia-se atentamente o que nos diz Nietzsche sobre ela.
A crueldade
é uma das mais antigas alegrias da humanidade. Julga-se, por conseguinte, que
os próprios deuses se reconfortam e se divertem quando lhes é oferecido o
espetáculo da crueldade, de tal modo que a ideia do sentido e do valor superior
que há no sofrimento voluntário e no
martírio escolhido livremente foi introduzido no mundo. Pouco a pouco o costume
estabelece na comunidade uma prática conforme essa ideia doravante se desconfia
de todo bem-estar exuberante e se recobra confiança cada vez se está num estado
de grande dor; então se diz que os deuses poderiam ser desfavoráveis por causa
da felicidade e favoráveis por causa da infelicidade – desfavoráveis e de modo
algum compassivos (...).[10]
Nesse trecho, Nietzsche alude a um tema que se prende intimamente ao tema
dos ideais ascéticos: o do sofrimento voluntário e o do martírio escolhido. Por
ora, é conveniente continuar com a discussão que então iniciamos nesta
subseção, voltando-nos, doravante, para a questão do sentido do castigo.
Nietzsche observa que, muito embora a história do castigo (como toda
história), tendo-se realizado pela condensação semiótica da experiência do
castigo em conceito, não possibilite o acesso a todos os fins a que servia o
castigo, é possível recuperar os diversos fins da aplicação do castigo quando
nos reportamos a um estágio anterior em que a síntese dos “sentidos” ainda nos
permite algum discernimento.[11]
Assim, Nietzsche passará a elencar a diversidade de propósitos a que servia o
procedimento do castigo. Para fins dessa discussão, importa-nos destacar dois
sentidos do castigo dentre os que Nietzsche apresenta: 1) o castigo destinado à
criação da memória; 2) o castigo destinado a incutir sentimento de culpa. Como
criação da memória, o castigo serve de advertência tanto para aquele que sofre
o castigo como para os que o testemunham. O que mais nos interessa, no entanto,
é o segundo sentido do castigo: o ser ele capaz de inspirar sentimento de culpa
naquele que é castigado. Nietzsche discordará dessa crença comum. Para ele, o
castigo não conseguiu produzir o alegado sentimento de culpa. Isso significa
dizer que o castigo não produziu a má consciência ou, o que Nietzsche
entenderá, a esta altura, como “remorso”. Para ele, o castigo somente “endurece
e torna frio; concentra; aguça o sentimento de distância, aumenta a força de
resistência”.[12]
Portanto, Nietzsche nega que a má consciência tenha surgido como sentimento de
culpa decorrente da aplicação do castigo. Quem aplicava o castigo não pensava
que estivesse em face de um culpado, mas de um causador de dano. Agora,
devemo-nos perguntar: qual era a reação do infrator ao castigo recebido?
Façamos Nietzsche dizer:
(...)
durante milênios os malfeitores alcançados pelo castigo pensaram a respeito de
sua “falta”: “algo aqui saiu errado” e não:
“eu não devia ter feito isso” – eles se submetiam ao castigo como alguém se
submete a uma doença, a uma desgraça ou à morte, com aquele impávido fatalismo
sem revolta (...). Se havia então uma crítica do ato era a prudência que a
exercia: inquestionavelmente se deve buscar o genuíno efeito do castigo, antes de tudo, numa intensificação da prudência,
num alargamento da memória, numa vontade de passar a agir de maneira mais
cauta, desconfiada e sigilosa, na percepção de ser demasiado fraco para muitas
coisas, numa melhoria da faculdade de julgar a si próprio.[13]
Nietzsche não poderia ser mais claro ao nos explicar qual é, realmente,
o efeito produzido pelo castigo naquele sobre o qual ele recai: “numa vontade
de passar a agir de maneira mais cauta”. O que sofre o castigo não tomará como
lição “nunca mais devo fazer o que fiz”, mas sim “na próxima vez, terei de ser
mais cuidadoso”. Se o castigo não causa naquele que o recebe sentimento de
culpa, não deixa de causar, de modo geral, o medo e o “controle dos desejos”. O
castigo atende à domesticação do homem; o castigo pode servir para reprimir
seus instintos agressivos, para conformá-lo às exigências da vida civilizada,
mas jamais o torna melhor. Essa conformação às exigências da vida civilizada
não representa, de modo algum, um aumento da vontade de potência no homem; é
apenas um procedimento repressor que permite mantê-lo sob vigilância, sob
controle.
Terminado esse exame do conceito de castigo, do qual demos um testemunho
o mais cuidadoso possível, Nietzsche apresentar-nos-á sua hipótese provisória
sobre a origem da má consciência. Essa hipótese não se nos apresenta na forma
de um enunciado único e definidor, que possamos apreender diretamente sem a
necessidade de elaborá-lo em consonância com os desdobramentos dela. A origem
da má consciência repousa no voltar-se de
todos os instintos contra o homem –
a hostilidade, a crueldade, o prazer na perseguição, no assalto, na mudança, na
destruição – que animavam a vida do homem livre e selvagem. A má consciência é,
portanto, um adoecimento do homem por força desse retorno contra si mesmo dos
instintos que davam à sua vida um caráter de inocência. Por que sucede esse
retornar dos instintos para o interior do homem? Porque os instintos devem ser
retidos, ao longo do processo de socialização, de desnaturalização do homem,
como condição para o ingresso no mundo da cultura. O que o homem experiencia
nesse processo é uma grande pressão interna, justamente porque seus instintos
precisam ser reprimidos, inibidos, não encontrando ocasião para a descarga.
Esse é o custo para que o homem ingresse no “âmbito da sociedade e da paz”[14].
A má consciência – “esse instinto de liberdade reprimido, recuado, encarcerado
no íntimo” [15]
- é resultado de processos disciplinadores destinados ao amansamento do animal
humano. A má consciência é o próprio sofrimento do homem que se interiorizou,
que foi forçado a reter seus instintos em seu interior, que se viu privado de
descarregar todo o quantum de suas
forças. Acompanhemos Nietzsche:
Esse homem que,
por falta de inimigos e resistências exteriores, cerrado numa opressiva
estreiteza e regularidade de costumes, impacientemente lacerou, perseguiu,
corroeu, espicaçou, maltratou a si mesmo, esse animal que querem “amansar”, que
se fere nas barras da própria jaula, este ser carente, consumido pela nostalgia
do ermo, que a si mesmo teve de converter em aventura, câmara de tortura,
insegura e perigosa mata – esse tolo, esse prisioneiro da ânsia e do desespero
tornou-se o inventor da “má consciência”.[16]
A má consciência inscreve no interior do homem a memória do pesado custo
da separação do próprio homem de sua condição originária como animal selvagem.
Doravante, o homem domesticado, corroído por um profundo sentimento de
mal-estar consigo mesmo, transforma-se numa arena de conflitos instintivos
incessantes.
1.3.
A má consciência: o homem como inimigo de si mesmo
A má consciência é a perversão da vontade de potência no homem, pois
que, alcançado esse estado de adoecimento, o animal humano se serve dela para
violentar a si mesmo, para conformar-se (‘lapidar-se’). Nietzsche se refere a
isso como uma “crueldade de artista” - não do artista dionisíaco que conduzirá
o homem a reconciliar-se consigo mesmo-, mas do artista que se deleita “em se
dar uma forma, como a uma matéria difícil, recalcitrante, sofrente, em se impor
a ferro e fogo uma vontade, uma crítica, uma contradição, um desprezo, um Não”[17].
Esse homem cindido pela má consciência faz sofrer a si mesmo. Todos os ideais
ascéticos encontram aqui sua origem: ausência de si, abnegação, sacrifício, o
prazer em se mortificar, o tornar-se desinteressado, etc. O não egoísmo como
valor moral é consequência dessa necessidade que tem o homem, a partir de
então, de se maltratar. A má consciência é a vontade de maltratar-se que
dominará o homem.
Estendamos nossas considerações, doravante, aos seguintes tópicos sem
cujo tratamento nosso estudo estaria analiticamente fraturado. Os tópicos que
passaremos a considerar são os seguintes: 1) o desenvolvimento do sentimento de
culpa; 2) a moralização da culpa e do dever; e 3) a relação entre a má
consciência e a noção de Deus.
1.4. O desenvolvimento do sentimento de culpa
Devemos, pois, procurar examinar o seguinte problema: se o sentimento de
culpa não surge da aplicação do castigo, como, afinal, ele apareceu? O
sentimento de culpa é um estágio de agravamento da má consciência, é uma forma
de doença mais terrível. Para que compreendamos como surgiu no mundo o
sentimento de culpa, devemos acolher o convite de Nietzsche a retomar a relação
de direito privado entre o devedor e o credor, a fim de que, a partir daí, se
nos esclareçam seus desdobramentos.
Nietzsche ensina que o modelo de relação entre devedor e credor foi
projetado na relação entre os vivos e os seus antepassados. Nas comunidades
tribais, a geração sobrevivente reconhece ter uma obrigação jurídica com seus
antepassados. Os integrantes da comunidade acalentam a crença de que a
subsistência da comunidade se deve aos sacrifícios e aos grandes feitos de seus
antepassados. Disso concluem que têm para com eles uma dívida, que não cessa de
avolumar-se, porquanto os antepassados, sendo espíritos poderosos no
além-mundo, continuam a beneficiar a sua estirpe. Os membros da comunidade lhe
devem, por isso, sacrifícios e realizações. Entre esses sacrifícios e
realizações, estão, segundo Nietzsche: “alimentação, festas, música, homenagem,
sobretudo obediência”[18].
A relação entre os vivos e os antepassados assenta-se numa lógica de
proporcionalidade que consiste na seguinte:
o medo do
ancestral e do seu poder, a consciência de ter dívidas para com ele, cresce
necessariamente na exata medida em que cresce o poder da estirpe, na medida em
que ela mesma se torna mais vitoriosa, independente, venerada e temida. Não o
contrário! E todo passo para o debilitamento da estirpe, todo acaso infeliz,
todos os indícios de degeneração, de desagregação iminente, diminuem o medo do espírito de seu
fundador, oferecendo uma imagem cada vez mais pobre de sua sagacidade, de sua
previdência e da presença de seu poder.[19]
(ênfases no original).
Essa lógica, segundo pretende Nietzsche, se levada até as últimas
consequências, deverá estruturar a seguinte perspectiva. Os ancestrais das
estirpes mais poderosas se transfigurarão em deuses por força da fantasia e do
temor dos integrantes da comunidade. Nietzsche acredita que a origem dos deuses
talvez possa estar no medo. Ainda segundo Nietzsche, a crença em que os vivos
contraem dívidas para com as divindades subsistiu ao declínio das formas de
organização humana baseada em vínculos de sangue. As gerações posteriores
herdaram o compromisso com as dívidas não pagas e o mesmo anseio de redimir-se
perante os deuses. O sentimento de culpa em face da divindade não cessou de
crescer durante milênios e sempre na mesma proporção com que o conceito e
sentimento de Deus se superlativizavam. No que toca ao aparecimento do conceito
do Deus cristão, observa Nietzsche o seguinte:
O advento do Deus cristão, o deus máximo até agora
alcançado, trouxe também ao mundo o
máximo de sentimento de culpa. Supondo que tenhamos embarcado na direção
contrária, com uma certa probabilidade se poderia deduzir, considerando o
irresistível declínio da fé no Deus cristão, que já agora se verifica um
declínio considerável da consciência de culpa do homem; sim, não devemos
inclusive rejeitar a perspectiva de que a vitória total e definitiva do ateísmo
possa livrar a humanidade desse sentimento de estar em dívida com seu começo,
sua causa prima [causa primeira]. O
ateísmo e uma espécie de segunda
inocência são inseparáveis.[20]
Antes de nos ocuparmos com a elucidação do segundo problema entre os
três que definimos como objeto de nossas considerações, convém dilucidar alguns
pontos que talvez ainda permaneçam com alguma margem de dúvida. Nietzsche
propôs pensar o agravamento da má consciência, isto é, o sentimento de culpa a
partir do modelo de relação contratual entre credor e devedor. A grande
transformação ocorrida nesse modelo para que fosse possível o surgimento da
consciência de culpa foi que a relação baseada num sentimento de dívida reúne
agora os vivos como devedores e os mortos como credores. Essa consciência de
ter dívida para com os mortos era sempre alimentada, renovada e mantida pela
fantasia e pelo medo dos vivos. Pela fantasia, os homens tomam como credor os
antepassados, e por força dela também, os que pertencem à estirpe mais poderosa
transformam seus antepassados em divindades. A mesma fantasia os faz
experienciar o temor crescente em face da possibilidade de serem punidos, caso
negligenciem o cumprimento do dever que lhes foi herdado pelas gerações
precedentes. Está, pois, constituído o mecanismo psicológico que será decisivo
na moralização da culpa. O devedor imagina-se perpetuamente em dívida com seus
antepassados-deuses. A consciência de culpa é um sintoma de um processo
imaginativo que está na origem de uma série de crenças: crença num credor
sobre-humano, crença em estar em dívida com esse credor, crença na influência
benévola ou malévola desse credor, crença na “hereditariedade” do compromisso
com o credor. Como seja produto de um processo imaginativo que se reproduz
continuamente, a consciência de culpa encontra aí um terreno sólido para se
perpetuar.
No que diz respeito à crítica avassaladora que Nietzsche dirigirá ao
cristianismo, não devemos perder de vista o fato de que ele estava muito pouco
interessado no problema da existência ou inexistência de Deus, ou na exatidão
histórica das lendas fundadoras do cristianismo. Para ele, importava muito mais
considerar o problema do valor da moral cristã. Nietzsche considerava a moral
cristã “um atentado capital contra a vida”[21]
Por fim, atentando para o excerto citado anteriormente, o que deveremos,
na próxima subseção, examinar é justamente o modo como o sentimento de culpa
foi maximizado com o advento do Deus cristão.
1.5. A moralização da culpa e do dever e a relação
da má consciência com a noção de Deus
A moralização da culpa e do dever tem como pressuposto a crença no Deus
cristão, agora o novo credor do homem. Com a crença no Deus cristão, o homem
contrai uma dívida que jamais conseguirá saldar. A má consciência está mais
profundamente enraizada nele, e a culpa e o dever o afligem com uma força
destrutiva jamais conhecida. Não lhe é possível mais realizar a penitência; sua
condição é de castigo eterno. Todavia, não é só o homem que é atormentado pela
culpa e pelo dever; o dever e a culpa voltam-se também contra o credor.
Primeiramente, contra o ancestral do homem, Adão. A espécie humana agora
carrega uma maldição (“pecado original”); ou ainda se voltam contra a natureza,
agora demonizada, porque dela se origina todo mal; ou contra a existência,
então destituída de qualquer valor (donde o desejo do nada, o desprezo niilista
pela vida).
O cristianismo ainda legaria à história o mais eficaz paradoxo: o Deus
sacrificado. Agora, é o credor que se sacrifica pela culpa do homem; o credor
paga a si mesmo. Somente Deus pode redimir o homem – “o credor se sacrificando
por seu devedor, por amor (é de se
dar crédito?), por amor a seu devedor!...”[22]
Nietzsche argumenta que a invenção da má consciência fez surgir no homem
a vontade de se torturar. O homem, que inventou a má consciência, soube ainda
intensificar o mal a si mesmo: passou a crer estar em dívida para com Deus e,
assim, criou seu maior instrumento de suplício.
Ele apreende
em “Deus” as últimas antíteses que chega a encontrar para seus autênticos
insuprimíveis instintos animais: ele reinterpretou esses instintos como culpa
em relação a Deus (como inimizada, insurreição, rebelião contra o “Senhor”, o
Pai, o progenitor e princípio do mundo), ele se retesa na contradição “Deus” e
“Diabo”; todo o Não que diz a si, à natureza, naturalidade, realidade do seu
ser, ele o projeta fora de si como um Sim, como algo existente, corpóreo, real,
como Deus, como santidade de Deus, como Deus juiz, como Deus verdugo, como
Além, como eternidade, como tormento sem fim, como inferno, como
incomensurabilidade do castigo e da culpa.[23]
Deus se torna signo de uma implacável crueldade psíquica cometida pelo
homem contra si mesmo. A vontade se torna corrompida no homem. O homem quer-se
culpado, quer-se castigado, quer-se desprezível, quer-se irredimível. Nietzsche diz que o homem deseja “cortar para
si a saída desse labirinto de “ideias fixas”[24]:
como evitar não pensar na neurotização do homem, no adoecimento psíquico do
homem - do homem que se torna um compulsivo obsessivo transtornado?
Aqui há doença, sem qualquer dúvida, a mais
terrível doença que jamais devastou o homem – e quem ainda consegue ouvir (mas
hoje não há ouvidos para isso!) como nessa noite de tormenta e absurdo ressoou
o grito de amor, o grito do mais
sequioso êxtase, da salvação no amor,
voltará as costas, tomado de horror invencível... Há tanta coisa horrível no
homem!... Já por muito tempo a terra foi um hospício!...[25]
1.6.
Os ideais ascéticos: o autodesprezo do homem
Nesta seção, vamos enfocar a significação dos ideais ascéticos, tendo
como pressuposto o fato de eles servirem como instrumento de hostilidade à
vida. Embora Nietzsche se tenha ocupado com a figura do filósofo ascético,
nossa atenção se concentrará exclusivamente na figura do sacerdote ascético.
Essa escolha não é arbitrária. Há duas razões que a determinam: 1) o sacerdote
ascético é o principal representante da espécie de moral que Nietzsche censura
duramente – “o sacerdote ascético tem nesse ideal [no ideal ascético] não
apenas a sua fé, mas também sua vontade, seu poder, seu interesse”[26];
2) o asceticismo do filósofo tem sua origem no asceticismo mais “sério” do
sacerdote ascético.[27]
O que nos
proporemos fazer, inicialmente, não constitui, de modo algum, um desvio do fio
discursivo pré-fixado no parágrafo anterior. Ao nos ocuparmos com o modo como
Nietzsche busca determinar o significado
do ideal ascético (pois é nisso que Nietzsche está interessado; não no que esse
ideal realizou), cuidamos haver um problema central na forma como se constituiu
esse ideal, qual seja, o problema do sofrimento.
Sabe-se que o sofrimento para
Nietzsche não deve ser razão suficiente para desaprovar a existência; ao
contrário, o sofrimento deve ser para o tipo de homem forte – dionisíaco - um
fortificante para a vida, para “mais vida”, não porque se deve amar o
sofrimento, mas porque se deve dizer “sim” à vida, se deve querê-la, amá-la
incondicionalmente, deve-se rejubilar-se em ser mais fecundo na dor. A vida do
sacerdote ascético, a vontade de potência que ele afirma, por outro lado, é uma
vontade corrompida, decadente; uma vontade que se volta contra si mesma, que
enfraquece a vida. O sacerdote ascético é um valorador, mas seus valores são
valores que conduzem o homem ao afastamento niilista da vida. O sofrimento que
o sacerdote ascético causa a si próprio é um instrumento de punição. Esse homem
doente transformou-se em pecador: o que ele quer não é mais vida, é mais dor;
nele se enraizou o desejo de mais dor. Como vontade de potência, o tipo vital
que é o sacerdote ascético também interpreta. Ele reinterpretou o sofrimento
como castigo. Com o sacerdote ascético, a má consciência se chama pecado; nele se dá o agravamento mais
nefasto da doença do espírito.
1.7. O ideal ascético: uma hostilidade contra a
vida
O sacerdote ascético também é um valorador. A questão que precisa, pois,
ser esclarecida, inicialmente, concerne ao modo como se dá a valoração da vida
pelo sacerdote ascético. Para tanto, vale a leitura do seguinte trecho da Genealogia:
O pensamento
em torno do qual aqui se peleja é a valoração
de nossa vida por parte dos sacerdotes ascéticos: esta (juntamente com
aquilo a que pertence, “natureza”, “mundo”, toda a esfera do vir a ser e da
transitoriedade) é por eles colocada em relação com uma existência inteiramente
outra, a qual exclui e à qual se opõe, a
menos que se volte contra si mesma, que negue
a si mesma: neste caso, o caso de uma vida ascética, a vida vale como uma
ponte para essa outra existência. O asceta trata a vida como um caminho errado,
que se deve enfim desandar até o ponto onde começa; ou como um erro que se
refuta – que se deve refutar com a
ação: pois ele exige que se vá com ele, e impõe, onde pode, a sua valoração da existência.[28]
Está claro, pois, que o sacerdote ascético valora, e a valoração que faz
da vida se apoia na suposição da existência de um mundo metafísico – de um “em
si” – em vista do qual se orienta a sua vontade de potência autodestrutiva. A
sua valoração da existência consiste em retirar dela todo valor. O sacerdote
ascético nutre um profundo desgosto pela vida, por si mesmo e sente prazer em
causar dor a si mesmo. Ele é dominado por um profundo ressentimento; sua
vontade de potência subtrai da vida toda a opulência de suas forças. Ele
encontra satisfação na negação de si, na autoflagelação e no autossacrifício. O
sofrimento que o asceta causa a si mesmo é uma forma de negação da força, da
vida. No sacerdote ascético, a vida volta-se contra a vida. Ele tem horror ao
florescimento fisiológico. O ascético trava uma luta consigo mesmo na tentativa
de conservar sua existência decaída. Embora ele seja um negador da vida, está
proibido de levar sua negação da vida às últimas consequências, isto é, ele
está proibido de se matar. Segundo Nietzsche, “o ideal ascético nasce do instinto de cura e proteção de uma
vida que degenera, a qual busca manter-se por todos os meios”. (ênfase no
original).[29]
Entendamos aqui essa contradição fisiológica. A exaustão fisiológica
experimentada pelo sacerdote ascético nunca é total, pois nele a vida precisa
lutar contra a morte. Nesse sentido, Nietzsche vê no ideal ascético um
artifício destinado à preservação da vida. Ao autoflagelar-se, o sacerdote
ascético precisa continuar vivendo; suas feridas o fazem ocupar-se com a vida
que resiste, mesmo que em condição doentia e enfraquecida. Tudo isso explica,
para Nietzsche, por que esse tipo de homem pôde predominar sobre os homens na
história da civilização ou da domesticação humana. O que é o homem domesticado
senão aquele que é forçado a lutar contra seus próprios instintos? No ideal
ascético, o homem luta incessantemente contra seu desejo do “fim”. O que deseja
o sacerdote ascético? Nietzsche nos esclarece: ele deseja ser outro, deseja
estar em outro lugar. O sacerdote ascético “é o mais alto grau desse desejo,
sua verdadeira febre e paixão”[30].
Mas – outro paradoxo – justamente o poder desse desejo o acorrenta à vida. Em
outras palavras, ao desejar ser outro, ao desejar estar em outro lugar, é ainda
um desejante, e enquanto encarnação de um querer, é afirmador da vida. Eliminar
de si o querer significaria eliminar a própria vida, mas isso é coisa proibida
ao sacerdote ascético. Ele quer não mais viver, mas enquanto quer, enquanto
deseja, enquanto é desejante, é afirmador. Estando inevitavelmente preso à vida
da qual deseja subtrair-se, na medida em que quer ser outro, não lhe resta
alternativa senão se tornar “o instrumento que deve trabalhar para a criação de
condições mais propícias para o ser-aqui e ser-homem”[31].
Assim, segundo Nietzsche,
-
precisamente com este poder ele
mantém apegado à vida todo o rebanho de malogrados, desgraçados, frustrados,
deformados, sofredores de toda espécie, ao colocar-se instintivamente à sua
frente como pastor. Já me entendem: este sacerdote ascético, este aparente
inimigo da vida, este negador – ele
exatamente está entre as grandes potências conservadoras
e afirmadoras da vida...[32]
Nietzsche chama a esse tipo doente – o sacerdote ascético – de “o grande
experimentador de si mesmo”, isto é, aquele que nutre grande satisfação em
mensurar sua capacidade de suportar a dor e o sofrimento a que se submete a si
mesmo. Segundo Nietzsche, “o não que ele diz à vida traz à luz, como por
mágica, uma profusão de Sins mais delicados; sim, quando ele se fere, esse
mestre da destruição, da autodestruição – é a própria ferida que em seguida o
faz viver...”[33]
O tratamento que vimos dando ao tema dos ideias ascéticos não pretende,
evidentemente, exaurir toda a significação de sua problematicidade. Nosso
tratamento supõe um recorte interpretativo à luz do qual certo conjunto de
questões, porque consonante com nossos propósitos, é forçosamente destacado.
Com vistas a conduzir a bom termo esta parte de nosso estudo, elenquemos as
questões que nos cumpre ainda examinar: 1) qual é, segundo Nietzsche, o grande
perigo do homem?; 2) que função exerce o sacerdote ascético?; 3) qual é a meta
do ideal ascético?; 4) como o pecado foi reinterpretado pelo sacerdote
ascético?; 5) como o sofrimento foi interpretado pelo sacerdote ascético?
Examinemos, pois, a primeira questão: qual é, segundo Nietzsche, o grande perigo do homem? Nietzsche
oferece o caminho para a resposta, assumindo que a condição normal do homem é a
condição de animal doente. Os homens que exibem pujança de alma e de corpo são
casos raros e, por isso, deveriam ser “protegidos do ar ruim, do ar de doentes”[34].
O grande perigo do homem saudável são os doentes. Para Nietzsche, são os fracos
a causa de todo infortúnio dos mais fortes. O tipo doente de homem é aquele que
está cansado do homem, é aquele que tem grande nojo ao homem, isto é, a quem
repugna “o ser homem”; em última instância, aquele que não deseja mais ser
homem. Ademais, é o tipo que nutre grande compaixão pelo homem. Ter compaixão
pelo homem é um modo de apequená-lo, de humilhá-lo, de tomá-lo por fraco,
debilitado, doente. Se combinados o nojo ao homem e a compaixão pelo homem,
teríamos o tipo de homem niilista, isto é, aquele dominado pela vontade do
nada. O tipo de homem doente é também um tipo de vontade de potência, a saber, a vontade de potência decadente. É
um tipo perigoso porque sua vontade é contaminante, é envenenadora. Nietzsche
vê toda a história da moral ocidental como a história da predominância da
valoração dos decadentes, dos fracos, dos doentes. Acompanhemos Nietzsche no
seguinte excerto:
Os doentes são o grande perigo do homem:
não os maus, não os “animais de rapina”. Aqueles já de início desgraçados,
vencidos, destroçados – são eles, são os
mais fracos, os que mais corroem a vida entre os homens, os que mais
perigosamente envenenam e questionam nossa confiança na vida, no homem, em nós.
(...) “Quisera ser alguma outra pessoa”, assim suspira esse olhar: mas não há
esperança. Eu sou o que sou: como me livraria de mim mesmo? E no entanto – estou farto de mim!”... Neste solo de
autodesprezo, verdadeiro terreno pantanoso, cresce toda erva ruim, toda planta
venenosa, e tudo tão pequeno, tão escondido, tão insincero, tão adocicado. Aqui
pululam os vermes da vingança e do rancor; aqui o ar fede a segredos e coisas
inconfessáveis; aqui se tece continuamente a rede da mais malévola conspiração.[35]
Nosso convívio com os escritos de Nietzsche avivou-nos a sensibilidade
para identificar esses tipos conspiradores. Estamos à volta com eles!
Conhecemo-los bem, afinal! Eles nutrem profundo ressentimento contra a vida,
contra os logrados, os vitoriosos; eles odeiam os vitoriosos. Eles apreciam
censurar os que gozam da “grande saúde”, os que encarnam força e orgulho.
Consideram essas qualidades coisas viciosas. O que querem eles? Querem
sobrepujar os sãos; querem se tornar seus superiores – “em toda parte a luta
dos enfermos contra os sãos – uma luta quase sempre silenciosa, com pequenos
venenos, com agulhadas, com astuciosa mímica de mártir”[36].
Nesses tipos doentes cresce subterraneamente o veneno do ressentimento que
aguarda o instante para ser inoculado nos sãos. É interessante atentar para o
fato de que Nietzsche procura descrever o modo como uma moral que condena a alegria,
que quer que o homem se envergonhe de
ser alegre, ou seja, potência afirmadora, pôde se tornar vitoriosa no Ocidente.
O tipo doente toma como razão para condenar a alegria a grande quantidade de
miséria, de sofrimento no mundo. Querer ser alegre, afirmar a alegria de viver
neste mundo é indecoroso. E Nietzsche soube bem ver que o caráter corrosivo da
vontade de viver que essa moral encarna levou
os mais fortes, os mais logrados a começar a suspeitar de seu direito à alegria,
como potência de viver, como vida potencializada.
Tomemos, agora, a segunda questão cuja resposta é impreterível elucidar:
que função exerce o sacerdote ascético?
Não cabe aos sãos, observa Nietzsche, assistir os doentes. Os sãos não devem
tornar sãos os doentes. O avanço da
moral dos decadentes tem necessidade de médicos também doentes que se ocupem de
proteger e defender o rebanho doente contra os sãos e também contra a inveja
que esse rebanho tem dos sãos. É preciso, afinal, ser puro de coração! Esse
médico doente é o sacerdote ascético. O sacerdote ascético ensinará ao rebanho
o desprezo pela saúde. Ele é o salvador, o pastor, o defensor do rebanho
doente. Ele estenderá sua dominação sobre os que sofrem e seu reino
compreenderá a extensão dessa dominação. Dominar os que sofrem é sua função e
sua felicidade. Obviamente, somente um tipo também doente é capaz de dispor da
necessária empatia para atender às necessidades dos doentes. Mas o sacerdote
ascético deve ser também o senhor de si, deve conservar a integridade de sua
vontade de potência para que obtenha a confiança e o temor dos doentes. Deve,
além disso, representar um novo tipo de animal de rapina, tem de combinar uma
nova ferocidade com a astúcia, porque precisa combater os animais de rapina.
O rebanho também precisa ser defendido de si mesmo, pois que ele pode
ser consumido pela perfídia e pela malevolência. O sacerdote ascético opera uma
grande mudança na direção do ressentimento. O ressentimento, agora, volta-se
contra o próprio ressentido. Se, no ressentimento, há a necessidade instintiva
de identificar um culpado do mal sofrido – dessa forma raciocinam todos os
doentes: “eu sofro, logo alguém tem de ser culpado” -, o sacerdote ascético
ensinará ao ressentido: “somente você mesmo é culpado de seu sofrimento”. Nisso
consiste a mudança na direção do ressentimento: a culpa recai sobre o próprio
sofredor que cumula ressentimento.
A terceira questão que nos compete examinar agora toca ao fato de o
sacerdote ascético dispor de uma meta. Devemos responder, portanto, qual é a
meta do ideal ascético. Vejamos o que nos ensina Nietzsche a respeito:
O ideal
ascético tem uma finalidade, uma meta – e esta é universal o bastante para que,
medidos por ela, todos os demais interesses da existência humana pareçam
estreitos e mesquinhos; povos, raças, épocas e homens são por ele interpretados
implacavelmente em vista dessa única meta, ele não admite qualquer outra
interpretação, qualquer outra meta, ele rejeita, renega, afirma, confirma
somente a partir da sua interpretação
(- e houve jamais um sistema de interpretação mais elaborado?); ele não se
submete a poder algum, acredita, isto sim, na sua primazia perante qualquer
poder, na sua incondicional distância
hierárquica em relação a qualquer
poder – ele acredita que nada existe com poder na Terra que não receba somente
dele um sentido, um valor, um direito à existência, como instrumento para a sua obra, como meio e caminho para a sua meta, para uma meta...[37]
Precisamos, nesse momento, ativar alguns conhecimentos pressupostos em
nossa memória. Lembremo-nos de que todo processo interpretativo produz um
sentido que é, ao mesmo tempo, sintetizador e hierarquizador dos elementos
múltiplos relacionais que determinam o mundo. O ideal ascético é vontade de potência
e, como tal, um sistema de interpretação do mundo que pretende fixar o sentido hegemônico (perspectiva). O
que essa vontade de potência quer é tornar sua interpretação a única
interpretação possível do mundo. Seu querer é um querer de primazia sobre
outras vontades de potência. Tudo o mais de potência que há deve seu valor, seu
sentido a este único sentido fixado pela interpretação efetuada pelo ideal
ascético. Qual é, portanto, a meta desse sistema de interpretação que é o ideal
ascético? É tornar seu sentido o
sentido universal, o seu valor o
valor universal. Sua meta consiste em querer impor-se como a única
interpretação possível do mundo, reduzindo todas as demais vontades de potência
ou forças a instrumentos para a realização e a consolidação dessa meta. Tal foi
a influência que sobre a ciência exerceu o ideal ascético. Nietzsche viu na
ciência “a mais nova manifestação do ideal ascético”[38];
isso significa dizer que a interpretação ascética conseguiu destilar seu veneno
na consciência científica, de sorte que a própria ciência tornou-se “um esconderijo para toda espécie de
desânimo, descrença, remorso, despectio
sui [desprezo de si, má consciência] – ela é inquietude da ausência de ideal”. (ênfases no original).[39]
As duas últimas questões que se nos impusemos examinar deverão ser
contempladas em conjunto. Nietzsche nota que o sacerdote ascético soube muito
bem aproveitar-se do sentimento de culpa, cuja gênese – já o sabemos –
encontra-se na nova forma assumida pela relação entre devedor e credor.
Nietzsche vê o sacerdote ascético como “verdadeiro artista em sentimentos de
culpa”[40].
Para que compreendamos como o sacerdote ascético fez uso do sentimento de
culpa, é preciso antes dizer que coube ao sacerdote ascético reinterpretar a má
consciência como pecado. Corroído por aflições, o animal humano enjaulado é
ávido de remédios que possam aliviar seus males. Na dificuldade de
encontrá-los, acaba por socorrer-se dos conselhos do sacerdote ascético, grande
conhecedor “das coisas ocultas”. O sacerdote ascético indica a primeira causa
do sofrer daquele que se desespera em
aflições: busque-a em si mesmo!
Buscar em si mesmo significa buscar aquilo que explique o sofrimento. O
sofredor identifica em si uma culpa: ele é culpado de seu próprio sofrimento. O
sofrimento se lhe afigura, agora, como um instrumento de punição. A culpa
torna-se agora a única causa do sofrimento do doente, isto é, do pecador. É
oportuno citar Nietzsche:
(...) o
doente foi transformado em “pecador”... E agora estamos condenados à visão
desse novo doente, “o pecador”, durante alguns milênios – jamais nos livramos
dele? – para onde quer que nos voltemos, em toda parte o olhar hipnótico do
pecador, movendo-se sempre na mesma direção (na direção da “culpa”, como a única causa do sofrer); em toda parte a má
consciência, “essa besta abominável”, no dizer de Lutero, em toda parte o
passado ruminado, o fato distorcido, o “olhar belicoso” para toda ação; em toda
parte, a incompreensão voluntária do sofrer como sentimento de culpa, medo e
castigo; em toda parte o flagelo, o cíclico, o corpo macilento, a contrição; em
toda parte o auto-suplício do pecador na roda cruel de uma consciência
inquieta, morbidamente lasciva; em toda parte o tormento mudo, o pavor extremo,
a agonia do coração martirizado, as convulsões de uma felicidade desconhecida,
o grito que pede “redenção”.[41]
Confesso a Deus-Todo poderoso que pequei muitas
vezes... por minha culpa, minha tão grande culpa![42]- o pecador reconhece-se como o único grande
culpado de seu sofrimento; sua má consciência torna-se exacerbada e ele se
consome numa profunda violência psicológica. O sofrimento é seu único
verdadeiro remédio contra o sentimento de culpa. Agora, segundo nota Nietzsche,
a vida, embora esgotada na fonte de suas forças, não se apresenta mais cansada.
Vencida a luta contra o desprazer, o sacerdote ascético se satisfaz na chegada
do seu reino. Ele, agora, quer mais dor.
Nietzsche argumenta que o ideal ascético sempre significou o
reconhecimento de que há uma falta, uma lacuna em torno do homem. O ascético
sofreu, durante longo tempo, porque não conseguia encontrar um sentido para
essa falta. Afligia-o a questão do “para que sofrer”. Esse animal doente não
negava em si o sofrimento; foi até bastante acostumado a ele. Sua vontade
orienta-se para o sofrer, desde que houvesse um sentido para seu sofrer. O
homem sofria por não encontrar esse sentido de seu sofrer. O sacerdote ascético
lhe ofereceu o sentido. Com ele, o sofrimento foi interpretado. Consideremos
este trecho de Nietzsche antes de terminar:
Nele [no
ideal ascético] o sofrimento foi interpretado,
a monstruosa lacuna parecia preenchida; a porta se fechava para todo niilismo
suicida. A interpretação – não há dúvida – trouxe consigo novo sofrimento, mais
profundo, mais íntimo, mais venenoso e nocivo à vida: colocou todo o sofrimento
sob a perspectiva da culpa... Mas apesar de tudo – o homem estava salvo, ele possuía um sentido, a partir de então não era mais
uma folha ao vento, um brinquedo do absurdo, do sem-sentido, ele podia querer algo – não importando no momento
para que direção, com que fim, com que meio ele queria: a vontade mesma estaria salva. Não se pode em absoluto esconder o
que expressa realmente todo esse querer que do ideal ascético recebe sua
orientação: esse ódio ao que é humano, mais ainda ao que é animal, mais ainda
ao que é matéria, esse horror aos sentidos, à razão mesma, o medo da felicidade
e da beleza, o anseio de afastar-se do que seja aparência, mudança, morte,
devir, desejo, anseio – tudo isto significa, ousemos compreendê-lo, uma vontade de nada, uma aversão à vida, uma
revolta contra os mais fundamentais pressupostos da vida, mas é e continua
sendo uma vontade... E para repetir
em conclusão o que afirmei no início: o homem preferirá ainda querer nada a nada querer...[43]
O ideal ascético, segundo pretende Nietzsche, ao fixar um sentido para o
sofrimento do homem, livrou-o do desespero do niilismo radical, ou seja, o
homem não é mais “uma folha ao vento, um brinquedo do absurdo”. Assim, pode
conservar-se enquanto vontade de potência. A questão é: a que custo? A vontade
que pode continuar querendo é uma vontade de renúncia à vida. Toda a avidez que
move esse homem doente, cuja vontade foi, apesar de tudo, preservada, é uma
avidez de fugir ao modo como a própria vida se conforma. Ele quer escapar ao
devir, à morte, ao desejo, em suma, a tudo que se apresenta como pressupostos
da vida. Mas, uma vez orientando para esse fim a sua vontade, essa mesma
vontade torna-se vontade de nada – vontade niilista, portanto. Essa vontade
niilista se afirma como aversão à vida. Ao querer escapar a tudo quanto é um
pressuposto do viver – seu caráter fenomênico, seu devir, o tender para a morte
inevitável, etc. -, a vontade desse tipo de homem produzido pelo asceticismo
religioso, então acalentado na crença de que conseguiu transpor o abismo aberto
pelo niilismo radical, conservou em si mesma seu pendor niilista, na medida em
que foi forçada a orientar-se para seu novo ideal: o querer estar em outro lugar. Pode-se concluir, com Nietzsche,
que, ao pretender ter consumado a radicalidade do movimento niilista, o ideal
ascético deu-lhe apenas outra direção, outro sentido.
1.8.
Cultura e civilização: cultivo e adestramento
Reymond Williams se debruçou sobre a investigação
da complexa história do desenvolvimento do conceito de cultura. Ele distinguiu
entre três significados modernos da palavra. O primeiro deles, remontando às
raízes etimológicas – “cultura” tomou seu sentido do domínio da “agricultura” -
era o “cultivo de conhecimentos”. No
século XVIII, passou a ser sinônimo de civilização, no sentido de que designava
um processo geral de progresso intelectual, espiritual e material. Civilização
recobria aí os costumes e a moral: ser civilizado inclui não cuspir no tapete e
não decapitar pessoas, por exemplo. Como sinônimo de civilização, cultura
inscrevia-se no espírito geral do Iluminismo, com seu culto de
autodesenvolvimento secular e sua crença no progresso. Civilização era, em
grande medida, uma noção francesa: supunha-se que somente os franceses tivessem
o privilégio de ser um povo civilizado. Nesse sentido, cultura era o mesmo que
refinamento social. Se a civilização francesa se caracterizava por uma vida
dedicada à política, à economia e à técnica, a cultura germânica se
caracterizava por seus gostos religioso, artístico e intelectual. Nesse
contexto sócio-histórico, por cultura entendia-se o refinamento intelectual de
um grupo ou indivíduo, donde a crença na possibilidade de discriminar entre os
que têm cultura e os que são incultos.
No século XIX, o conceito de cultura deixa de ser
sinônimo de civilização, torna-se seu antônimo. O conceito de civilização, como
sinônimo de cultura, tem uma parte descritiva e uma parte normativa, porquanto
tanto pode designar uma forma de vida (civilização asteca) como prescrever
tacitamente um padrão de vida considerado harmonioso, esclarecido e refinado.
Atualmente, o adjetivo “civilizado” tem essa
orientação normativa. Civilização recobre práticas artísticas, a vida urbana,
política cívica, tecnologias complexas, etc., e tudo isso tende a ser
considerado um avanço em relação ao que havia antes.
Na medida em que os caracteres descritivo e
normativo da palavra “civilização” se separam, a noção de civilização passa a
recobrir as boas maneiras, o refinamento, politesse, a desenvoltura
elegante nos relacionamentos de grupos que compunham a classe média europeia
pré-industrial. “Cultura” é, assim, uma questão de desenvolvimento total e
harmonioso da personalidade. Mas tal desenvolvimento só pode ser realizado nas
relações sociais. Como são necessárias certas condições sociais para que seja
possível tal desenvolvimento, supõe-se que o Estado deve contribuir para
favorecê-las. Passou-se, então, a crer que a cultura tem também uma dimensão
política. É o intercurso social que tornaria possível desfazer a rusticidade
rural e conduzir os indivíduos para relacionamentos complexos.
É na ordem das práticas culturais, definidas como
práticas de produção de símbolos e significados (na esteira de Geertz), que se
deve, portanto, pensar a constituição da rede de sentido e amparo da existência
humana.
No tocante à visão nietzschiana de cultura, cumpre
dizer que Nietzsche já distinguia entre cultura e civilização. Para Nietzsche,
os homens organizam suas vidas em complexos culturais. Cultura envolve, pois,
todos os tipos de expressão humana, na qual não se separam produções
espirituais e materiais. A cultura, para Nietzsche, é vista como um estilo
artístico, em todas as suas manifestações da vida de um povo. Essa unidade de
estilo expressa a predominância de uma determinada interpretação ou perspectiva
sobre a existência. Assim, o modo de existência cristão se caracterizaria pelo
predomínio da moral de rebanho, ela mesma responsável pela produção de uma vida
decadente, adoecida, enfraquecida.
A abordagem da cultura feita por Nietzsche se
orienta por uma interpretação fisiológica com a concepção de vontade de
potência. No registro da vontade de potência, instancia-se a perspectiva da
dinâmica das forças ou instintos em luta por mais potência. A cultura, assim,
passa a ser vista como uma configuração de arranjos de instintos, sendo ela
saudável se favorece o aumento da potência em seus tipos humanos; sendo, ao
contrário, decadente, se produz a redução, o enfraquecimento da potência. A
cultura, portanto, é a expressão da conformação do arranjo de forças de um
corpo vital. Uma cultura elevada é aquela que produz arranjos instintuais,
pulsionais que engendrarão uma interpretação da vida à luz da qual ela é
afirmada como um fluxo contínuo de autossuperação, como ação criadora que
renuncia a fixar para o mundo um fim suprassensível, a felicidade do repouso. A
cultura elevada deve ser capaz de se superar, ou melhor, de favorecer a sua
superação, quando se esgota.
Em suma, o que preocupa Nietzsche, nos primeiros
anos de sua reflexão sobre a cultura, é como a cultura cunha a estrutura
instintual do homem. A questão que ocupa Nietzsche é a da disciplina dos
instintos, à luz da qual a produção das interpretações é vista como resultado
de uma educação operada sobre os instintos. A questão da disciplina dos
instintos nos leva, forçosamente, a considerar o que Nietzsche entende por
‘cultivo’ e ‘adestramento’.
Tomadas da zoologia, essas duas noções designam
dois modos distintos de tratamento dos instintos ou pulsões. Em princípio, por
meio delas, Nietzsche pretende assinalar o caráter animal do homem: o homem é,
como todo vivente, um complexo fisiológico de instintos hierarquizados. É a
moral que empreenderá um trabalho de adestramento, pelo qual se dá a
manipulação dos instintos com vistas a enfraquecê-los, a ponto até de
erradicá-los. Domesticar, domar é o que fez o cristianismo aos representantes
da aristocracia guerreira. Essa técnica que produz o enfraquecimento dos
instintos no homem culmina com seu adoecimento. O homem, como animal doente, é
o resultado desse trabalho pernicioso de domesticação, de dilapidação de sua animalidade,
levado a efeito pela moral.
Ao contrário, o cultivo é, segundo Nietzsche, uma
técnica educativa que favorece o surgimento e a conservação de um tipo
específico de homem: o homem superior, donde talvez sairá o além-do-homem.
Nesse processo educativo, é o corpo que cumpre educar, sobretudo, dando-lhe uma
conformação instintual que seja a expressão fisiológica da potência afirmadora
da vida. É nesse contexto de análise que Nietzsche inscreverá a distinção entre
uma moral natural e uma moral antinatural. O naturalismo na moral é a moral
sadia, visto que nela predomina um instinto da vida que afasta “algum
impedimento e hostilidade no caminho da vida”. Por outro lado, nota
Nietzsche: “a moral antinatural, ou seja, quase toda moral até hoje ensinada,
venerada e pregada, volta-se (...) justamente contra os instintos da vida – é
uma condenação, ora secreta, ora ruidosa e insolente, desses instintos”. (ibid.).
Essa moral antinatural (essa antinatureza de moral, dirá Nietzsche) “concebe
Deus como antítese e condenação da vida”. (ibid., §
5)., mas ela é tão-só um juízo de valor da vida, mas não de qualquer tipo de
vida, mas de uma espécie de vida “declinante, enfraquecida, cansada, condenada”
(ibid.). Segundo Nietzsche, “a moral, tal como foi até hoje entendida – tal
como foi formulada também por Schopenhauer enfim, “como negação da vontade de
vida” – é o instinto de décadence mesmo,
que se converte em imperativo: ela diz: “pereça””.(ibid.).
Detenhamo-nos,
então, na questão que nos reclama uma resposta: de que modo a compreensão
nietzschiana de cultura como forma de adestramento, de domesticação e de moral
como produção de vidas declinantes, enfraquecidas nos ajuda a pensar a
afirmação que, para nós, é quase axiomática, segundo a qual a crueldade é
característica intrínseca ao homem? Como bem lembra Schöpke (2016, p. 300),
O
homem é o único capaz de matar sem necessidade, por prazer e diversão. O homem sabe
que está ferindo, machucando, torturando, sabe que está privando o outro de seu
maior bem, sua liberdade, e o faz sem compaixão.
É inegável que, à
medida que o animal humano foi sendo submetido aos processos de domesticação,
normatização culturais, se lhes foi sendo inculcada uma série de preconceitos,
preconceitos alguns dos quais, tomando forma nas vivências em coletividade,
alcançaram o estatuto de verdades científicas. Morin, em seu Cultura e Barbárie europeias (2009, p.
11-12), observa que as noções de homo
sapiens, homo faber e homo
economicus, são claramente hoje insuficientes para definir o homem, porque:
O Homo sapiens, racional, pode ao mesmo
tempo ser Homo demens, capaz de
delirar, de experimentar a loucura. O Homo
faber, que sebe fabricar e utilizar instrumentos, também é capaz, desde o
início da humanidade, de produzir inumeráveis mitos. O Homo economicus, que se determina em função de seus interesses
próprios, é, também, o Homo ludens –
(...) ou seja, o homem do jogo, do gosto, do desperdício. É preciso integrar e
relacionar essas características contraditórias. Na origem do que se considera
barbárie humana, encontra-se evidentemente esse lado “demente”, produtor de
delírio, de ódio, de desprezo e do que os gregos chamaram hybris, a desmedida”.
Morin nos adverte de que a razão não serve de
antídoto contra “demens”, porque não podemos supor seja possível definir univocamente
a racionalidade. Segundo Morin, “nós muitas vezes acreditamos estar na
racionalidade quando na verdade estamos na racionalização, um sistema
perfeitamente lógico, mas que não possui base empírica que permite justificá-lo”.
(ibid.). A racionalização pode servir ao delírio: “existe um delírio na
racionalidade fechada” – diz o autor. Prossegue Morin notando que o homo faber, o homem que fabrica, cria
também mitos delirantes. Por exemplo, ele cria deuses cruéis, à sua imagem e
semelhança, capazes de cometer atrocidades: “nós moldamos deuses que nos
modelam”. (ibid., p. 13). No tocante ao homo
ludens, ele também inventa jogos cruéis, como o jogo do circo ou a
tauromaquia. Por fim, o homo economicus tende
a adotar comportamentos egocêntricos, os quais se pautam pela indiferença para
com os outros e produzem uma forma própria de barbárie. A conclusão a que chega
Morin deve ser aqui referida: “podemos ver as potencialidades, as virtualidades
da barbárie aparecerem em todos os traços característicos da nossa espécie
humana”. (ibid., p. 14). A essa conclusão devem-se acrescer outras duas. A
primeira é que a barbárie já se deixa apreender nas sociedades civilizadas como
manifestações do poder do Estado e da desmedida da sua loucura ou delírio. Se
as conquistas, em tempos de guerra, levadas a cabo garantem, por um lado,
matérias-primas ou reservas de subsistência para os períodos de escassez; por
outro lado, não raro, ultrapassam a simples necessidade vital e se efetivam
como massacres, destruições em massa, estupros, escravidão, etc. A segunda
conclusão é que a barbárie toma forma e se desencadeia com a civilização. O
homem domesticado se habitou a pensar a barbárie como a antípoda do modo de
vida civilizado, mas isso é um dos preconceitos que lhes foi incutido ao longo
do processo de sua domesticação. Como bem lembra Morin, “a barbárie não é
apenas um elemento que acompanha a civilização, ela é uma de suas partes
integrantes. A civilização produz barbárie e, principalmente, ela produz
conquista e dominação”. (ibid., p. 17). Urge reiterar este trecho em negrito: a civilização produz barbárie, a barbárie é uma de suas partes.
Se
Nietzsche admitia a possibilidade de tornar mais potente o animal humano
através de uma educação cultural, via, ao contrário, a civilização como um modo
de vida que o enfraquece. A civilização não fortalece o homem, pois que realiza
a domesticação do animal humano. O enfraquecimento dos instintos do homem o
transforma no ‘homem bom’, no homem “bem ajustado” para viver em sociedade:
produz-se o cidadão obediente, o funcionário eficiente, o ser humano dócil e
útil como peça da engrenagem da máquina social. O processo civilizatório, para
Nietzsche, está indissoluvelmente ligado ao cristianismo e à sua moral, ou
seja, ao ódio contra o desenvolvimento dos instintos humanos. O enfraquecimento
dos instintos agrava o adoecimento do homem: problemas nervosos psiquiátricos,
ou seja, exigências muito grandes para o sistema nervoso, enormes excitações a
que o cérebro não está habituado produzem neuroses e histeria. Tais condições
só podem propiciar o aumento do número de criminosos. Nietzsche, muito antes do
autor de O mal-estar na civilização,
soube denunciar quão profundo seria ao homem o sacrifício que deveria fazer em
favor do modo de vida civilizado. Do que se disse acerca dos efeitos
patológicos da vida civilizada não se segue que supomos ser a civilização a
causa ou origem da agressividade no animal humano. A agressividade é um impulso
biologicamente inato no animal humano, e esse impulso se pode encontrar em
outras espécies de animais. Nietzsche não ignora isso. Freud, aliás, via a
agressividade como resultado da pulsão de morte no homem, em cujo psiquismo se
trava um conflito permanente entre Eros e Tânatos. A questão está em determinar
de que modo o instinto de agressividade, que tanto no animal humano quanto nos
animais não humanos está a serviço da preservação da espécie e do indivíduo,
assume, no animal humano, a forma da crueldade, a forma de um impulso
destrutivo, aniquilador da vida. De fato, Nietzsche reconhece que a
agressividade nem sempre é destrutiva, que ela surge como uma tendência inata
de crescer e dominar a vida que parece ser característica comum aos viventes. O
que se torna um problema é a obstrução excessiva dessa tendência levada a
efeito pela vida civilizada.
1.9.
A natureza como domínio da estranheza
Para
Nietzsche, a natureza é o conjunto de forças e impulsos, é o reino das
necessidades irracionais. O que Nietzsche condenará é a espiritualização das
paixões a que o animal humano foi submetido quando do seu ingresso na vida
civilizada. Ao propor trazer de volta o homem à natureza, o que pretendia era
fazer triunfar o imperativo do instinto sobre as más interpretações e
falsificações antropomórficas da natureza. O imperativo do instinto é uma nova
interpretação da natureza como vontade de potência, a partir das relações de
obediência e de mando.
Sem pretender passar em revista o
desenvolvimento histórico do conceito de natureza, cuidamos válido tecer
algumas considerações sobre os momentos em que a variação na forma de definir e
compreender a natureza foi decisiva para fixar para o homem um lugar de
transcendência em relação à natureza.
Natureza, em grego, se diz phýsis, palavra polissêmica, da qual podemos, apesar disso, colher
três significados principais: 1) derivado do verbo phýo, que significa ‘faço crescer, nascer’, temos o significado
‘processo de nascimento, surgimento, crescimento’; 2) pode ainda significar
‘disposição espontânea e natureza própria de um ser’; ‘a essência ou substância
de um ser’; 3) finalmente, há também o significado de ‘força criadora e
originária de todos os seres, responsável pelo surgimento, transformação e
perecimento deles’.
Aristóteles, passando em revista os sentidos de
phýsis, chega a estabelecer um
sentido primeiro e principal, a saber, a substância ou essência dos seres que
têm em si mesmo o princípio de seu próprio movimento.
Para os estoicos, a Natureza é o Todo e o absoluto. O mundo é
um organismo vivo, composto de uma única substância e de uma única alma. A
Natureza é, assim, a ordem que o governa, é o Lógos, a Razão Universal imanente
ao Cosmo. É bem verdade que também, para os estoicos, a Natureza é, ao mesmo
tempo, a natureza de um ser. Nós, seres humanos, somos também manifestações desse Lógos e, portanto,
devemos agir e viver consoante a racionalidade do Cosmo em geral. A Razão
Universal imanente ao Cosmo é o Lógos. Viver, pensar e agir em conformidade com
a Natureza é viver, pensar e agir em conformidade com a Razão Universal
imanente ao Cosmo. É nisso que consiste a sabedoria estoica. A adesão e a
conformidade à Natureza são próprias do sábio. Viver em conformidade com a
Natureza nada mais é do que viver em conformidade com a razão, tanto com a Razão Universal como com a razão
individual de cada ser humano, parcela que é da Razão Universal, centelha do
fogo universal, ou seja, do Lógos.
Desde
muito cedo, na história do pensamento, à concepção de natureza como totalidade
se opôs uma concepção de natureza em cuja base está a demarcação em relação a
um polo oposto, como, por exemplo, “natureza vs. cultura” ou “natureza
vs. história”. A concepção de
natureza como o que existe independentemente da atividade humana já se
encontrava no pensamento dos primeiros filósofos da Antiguidade. Mas remonta a
Platão e a Aristóteles a distinção entre três domínios ontológicos (artifício, natureza
e acaso). O domínio da natureza seria um terceiro estado da natureza situado
entre o artifício (homem) e o acaso (a matéria). Nas palavras de Rosset (1989,
p. 15):
Essa
trilogia ontológica é afirmada desde Platão e Aristóteles, concordes em definir
a natureza como instância alheia tanto à arte como ao acaso. O domínio da
natureza ocupa uma zona intermediária entre o domínio material e o domínio
artificial: assim como existe, na escala dos seres biológicos, um reino animal,
intermediário ao vegetal e ao humano, existe, na escala geral dos seres, um
reino intermediário entre a matéria e o artifício: a natureza.
A hierarquização da vida começou com Platão,
cabendo a Aristóteles conservá-la e legá-la à posteridade. Nessa
hierarquização, o homem, por ser dotado de uma alma racional, que o levaria a
conhecer o imaterial e o eterno, alcançando, em breves momentos, certa
tangência com o divino, sobressai aos animais.
O cristianismo radicaliza a tendência a definir
a natureza em oposição a algum outro domínio. Ele introduz a doutrina da
Revelação, considerada sobrenatural. A partir daí, opera-se uma distinção entre
a natureza e a sobrenatureza. É bem verdade que a submissão da natureza e dos
seres vivos ao homem já encontra registro e chancela no livro do Gênesis da
Bíblia hebraica. Em Gênesis 1, versículo 28, lê-se: “Sejam férteis e
multipliquem-se. Encham e subjuguem a terra. Dominem sobre os peixes do mar,
sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”. Na
visão de mundo judaico-cristã, a natureza não é um ser, pois o único Ser é
Deus. Ela é uma potência viva, que tudo anima, mas que está subordinada ao Ser
Primeiro e Supremo, que é Deus.
Foi no
começo do século XVII, no entanto, que se deu uma cisão fundamental em nossa
compreensão de natureza. Encontramo-nos num período profundamente marcado pelo
humanismo, o qual impregnou as mentalidades de um antropocentrismo que,
colocando o homem no lugar de Deus, delegou àquele a missão de conquistar o
universo. É a missão que Descartes conferirá à ciência: fazer do homem mestre e
senhor da natureza. Liberado de Deus, o homem tomará para si o lugar de sujeito
e centro do universo. É, quiçá, o momento decisivo da cientificização da
natureza que levaria ao desenvolvimento do que, nos séculos XVIII e XIX, se
passaria a chamar História Natural. Nesse período, a natureza passa a designar
simplesmente o substrato ontológico da ciência matemática da natureza. No
século XVII, Galileu chegaria a dizer que o livro da Natureza fora escrito com
letras matemáticas. Foi já nesse período que a ciência logrou empregar na
natureza, que então se converteu em objeto de estudo, experimentos passíveis de
reprodução, métodos quantitativos e instrumentos matemáticos.
2.
A loucura da condição humana: a
negação da animalidade
O homem
quer ser um deus com o equipamento de apenas um animal, e por isso vive de
fantasias
Ernest Becker
No
aforismo 14 de O Anticristo (2012),
Nietzsche faz lembrar ao homem aquilo que, durante muito tempo, ele imaginou
ter apartado de si: a sua animalidade.
(...)
Nós nos tornamos mais modestos em tudo. Não derivamos mais o homem do
“espírito”, da “divindade”, nós o recolocamos entre os animais. Nós o
consideramos o mais forte dos animais porque é o mais astuto: uma consequência
disso é a sua espiritualidade. Por outro lado, resistimos a um vaidade que
também aqui gostaria de se fazer ouvir: como se o homem tivesse sido o grande
propósito oculto da evolução animal. Ele
não é de modo algum a coroa da criação; toda criatura, comparada com ele,
se encontra em um mesmo nível de perfeição... E ao afirmar isso, ainda
afirmamos demais: tomado relativamente, o homem é o mais malogrado dos animais,
o mais doentio, o que mais perigosamente se desviou de seus instintos (...).
(grifo nosso).
Ora,
somente um animal que pôde viver em desacordo com seus instintos ousaria crer
em sua ascendência divina. Somente um animal capaz de produzir uma teia de
ficções, capaz de tomar os símbolos pelas vivências com as coisas, poderia inventar
um Deus no início e esquecer-se de que “no início está o macaco” (Nietzsche,
2013, §49). Mas aqui é preciso acrescer aquilo que nos permite reavivar a força
da crítica de Nietzsche: somente porque é um animal simbólico pôde o homem
inventar a moral como mentira necessária que o protege contra a consciência de
sua condição de animal.
A besta
que existe em nós quer ser enganada; a moral é mentira necessária, para não
sermos por ela dilacerados. Sem os erros que se acham nas suposições da moral,
o homem teria permanecido animal. Mas assim ele se tomou por algo mais elevado,
impondo-se leis mais severas. Por isso tem ódio aos estágios que ficaram mais
próximos da animalidade: de onde se pode explicar o antigo desprezo pelo
escravo, como sendo um não-humano, uma coisa. (Nietzsche, 2005, § 40).
Já
encaminhando este texto para o seu termo, gostaríamos de retomar a questão do
adoecimento do animal humano para reinscrevê-la e examiná-la num outro
horizonte perspectivístico, qual seja, o da loucura como nossa condição
culturalmente normal. Para tanto, será necessário evocar Becker, em seu A negação da morte (2013). No excerto
abaixo, numa relação intertextual implícita com Nietzsche, podemos depreender
do que se diz do homem a sua condição de animal de rebanho.
(...) o
homem molda para si mesmo um mundo governável: ele se lança à ação sem usar de
crítica, sem pensar. Aceita a programação ditada pela sua cultura, que lhe diz
para onde ele deve olhar (...). Usa todos os tipos de técnicas, que chamamos de
“defesa do caráter”: aprende a não se expor, a não se destacar, aprende a
inserir-se no jogo dos poderes externos, tanto de pessoas concretas como de
coisas e ordens de sua cultura. (Becker, 2013, p. 44).
O homem
culturalmente normal, dirá Becker, “é aquele que não ousa defender seus
próprios significados” (ibid., p. 85). O que julga ser o comportamento normal –
aliás, esse homem apenas se comporta, nunca é verdadeiramente livre – é o
ajustar-se ao regime de obrigações e deveres sociais e culturais. A esse homem
culturalmente normal se lhe será fixado um caráter, que é “uma espécie de automatização
de uma determinada maneira de reagir”. (ibid., p. 60-61). O caráter é uma
“mentira vital” que protege o animal humano contra o desespero do qual seria
tomado se pudesse aperceber-se da condição que compartilha com todos os demais
animais: a de ser um alimento para vermes. Consoante lembra Becker,
(...) A
prisão do caráter da pessoa é trabalhosamente construída para negar a sua
condição de criatura. Isso é o terror. Uma vez admitido o fato de ser uma
criatura que defeca, você convida o oceano primitivo da angústia animal a
desaguar sobre você. Mas isso é mais do que angústia da criatura, é também a
angústia homem, a angústia que resulta do paradoxo humano de que o homem é sim
um animal, porém cônscio de sua limitação animal. A angústia é o resultado da
percepção da verdade de nossa condição. O que significa ser um animal
consciente de si mesmo? A ideia é absurda, se não for monstruosa. Significa
saber que se é alimento para vermes. (ibid., p. 115).
À semelhança de Becker, Nietzsche também insistiu em reavivar
no homem a consciência de sua radical insignificância cósmica. Desferindo duros
golpes na megalomania desse animal extravagante, atormentado, Nietzsche também
pretendeu despertá-lo de seu torpor metafísico.
O homem,
uma pequena e inquieta espécie de animal que – afortunadamente tem o seu tempo.
A vida sobre a Terra em geral, não passa de um instante, de um incidente, de
uma exceção sem consequências, algo que permanece insignificante para o caráter
global da Terra; a Terra ela mesma, como de resto todo astro, é um hiato entre
dois nadas, um acontecimento sem planos, razão, vontade, autoconsciência a pior
espécie de necessidade; a necessidade cega... (Nietzsche, 2008, § 303).
Retomando
ainda a lição de Becker, o que podemos chamar de rotina cultural é
o que vai assegurar o ajustamento dos indivíduos ao modo de funcionamento do
sistema social. É o que evita que eles enlouqueçam. Mas há outra forma de
loucura, que não é a do esquizofrênico. Há uma loucura na normalidade, no
ajustamento à vida normalizada. Nesse caso, a loucura é estruturante da
condição humana, conforme nota Becker (ibid., p. 228-229):
Houve uma época em
que eu ficava imaginando como é que as pessoas aguentavam trabalhar em torno
daqueles infernais fogões de hotéis, o frenético torvelinho de servir uma dúzia
de mesas ao mesmo tempo, a loucura do escritório de um agente de viagens no
auge da temporada de turismo, ou a tortura de trabalhar o dia inteiro na rua
com uma perfuratriz pneumática, num verão calorento. A resposta é tão simples,
que nem a percebemos: a loucura dessas atividades é exatamente a da
condição humana. Elas estão “certas” para nós, porque a alternativa
é o desespero natural. A loucura diária desses empregos é uma repetida vacina
contra a loucura do hospício. (grifos meus).
O aspecto dessa forma de loucura que pretendemos sublinhar
não repousa propriamente no fato de os homens terem de fazer o que fazem, já
que, dada a forma histórica de nossas sociedades contemporâneas, eles,
expropriados dos meios de produção, alienados no próprio processo da divisão do
trabalho, se veem constrangidos pelas necessidades da subsistência a
trabalharem como trabalham; o aspecto que nos interessa destacar da loucura
própria da condição humana é que o animal humano acredita que o que faz tem
alguma importância transcendente, algum profundo significado para a totalidade
ordenada do universo. Sua loucura, que, na verdade, é seu delírio de grandeza,
é acreditar que, ao fazer o que faz, ao participar coletivamente, na condição
de animal gregário, da fabricação desse mundo (de ficções) que lhe torna
possível viver, esgota a totalidade e a complexidade do mundo e garante para si
um status especial, uma posição privilegiada relativamente às demais espécies
de animais com as quais ele coexiste nesse mundo mais vasto, cheio de beleza,
terror e mistério.
O homem literalmente se
entrega a um esquecimento cego utilizando-se de jogos sociais, truques
psicológicos, preocupações pessoais tão distantes da realidade de sua situação
que se constituem em formas de loucura – loucura admitida pelo consenso,
loucura compartilhada, disfarçada e digna, mas ainda assim loucura. (Becker,
ibid., p. 49-50).
Essa
forma de loucura, que é a própria condição do animal humano culturalmente
“normal”, que, ao contrário do que diz Becker, não é tão digna assim, tem sido,
em todos os tempos, o lastro da reprodução e da permanência da condição
niilista do animal simbólico e gregário que é o homem. Devemos aqui, para
terminar, endossar o que nos diz Schöpke (2016, p. 283): “É o homem, e não o
animal em nós, que precisa ser superado, ser reinventado. E reinventar o homem
passa por recriar seu mundo e seus afetos”.
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