quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Interdiscursividade e filosofia - "Toda a filosofia se desenvolve e se constitui a partir de uma outra" (BAR)


                          



 princípio metodológico
na compreensão da produção filosófica
Um confronto entre a teoria do conhecimento
de Kant e de Schopenhauer


Num encontro com uma amiga, também doutora em Linguística, ela procurou saber se eu passaria a me dedicar mais aos estudos filosóficos do que aos estudos da linguagem, dado o entusiasmo manifesto ao contar-lhe sobre a lida diária com a filosofia na graduação. Respondi que não via na dedicação à filosofia nenhum empecilho para a tenacidade de meu empenho nos estudos da linguagem. Ajuntei que não via o estudo filosófico como uma atividade incompatível com o estudo linguístico. Ao contrário, entendo que minha vocação para o estudo da linguagem, para o ensino de língua acompanha harmoniosamente meu pendor para as reflexões filosóficas. Muito antes desta ocasião em que fui questionado sobre qual seria minha preferência, apercebi-me de que o background que adquiri como resultado destes mais de dez anos em que estive ocupado com meu processo de formação continuada na área dos Estudos da Linguagem iluminaria a estrada que então se me abria por ocasião de meu ingresso na graduação em Filosofia. O estudo informal da filosofia vinha sendo feito desde 2005, nove anos antes de eu iniciar a graduação. Naquela época, eu estava fazendo mestrado em Estudos da Linguagem; e, mesmo decididamente devotado aos estudos desse curso, não deixava de visitar os filósofos.
Tendo em vista o que expus até aqui, espero fique claro que não encontro razão para preferir um estudo ao outro, para ocupar-me, com mais deleite, de um estudo em prejuízo do outro. Vou-me esforçar por demonstrar que, não havendo qualquer dissonância entre os estudos da linguagem e os estudos filosóficos, o que entendo haver é justamente uma contribuição dos estudos da linguagem para o desenvolvimento da compreensão filosófica. A tese basilar desta exposição se acha no excerto abaixo, colhido de um trabalho desenvolvido por mim, no ano passado, como requisito para a aprovação numa disciplina do curso de filosofia. Nesse texto, pondero o seguinte:

Toda a filosofia se desenvolve e se constitui a partir de uma outra. Isso é verdade também para qualquer domínio discursivo: todo discurso se desenvolve e se constitui na base de outros discursos. Conforme nos dá testemunho Cossuta, “(...) cada filosofia pretende encontrar sua origem num começo radical”; mas acrescenta “todo começo é apenas recomeço” (p. 33). Aqui nos parece estar a especificidade do discurso filosófico, visto que os discursos filosóficos jamais se superam uns aos outros (no sentido de que cada discurso precisa constituir-se pela reelaboração, pelo retorno a e trabalho contínuo sobre as proposições, as teses, os argumentos, a abordagem de outros discursos). Toda a herança discursiva é, a cada nova etapa de discurso, revitalizada, reanimada, reincorporada, ainda que seja para dela se distanciar, para submetê-la ao impacto de um martelo nietzscheano. Esse recomeço da filosofia, que não se dá senão por construção de discurso, é ele o próprio exercício contínuo e ininterrupto do pensamento. É o pensamento que, retomando o já pensado, o prolonga, o faz dizer o que até então havia permanecido silenciado. Por isso, Platão nunca será superado, nem Santo Agostinho, nem os que os precederam. É nesse recomeço que reside a vitalidade do discurso filosófico – um discurso que, embora tenha no seu horizonte a verdade, jamais pretende, por isso mesmo, alcançá-la definitivamente; e também, por isso, se apresenta como um recomeço: é um discurso que, animado pela busca da verdade, está sempre disposto a percorrer os mesmos caminhos, a retomar os mesmos pontos de partida; pois o contentamento está não tanto na chegada, mas nesse percorrer.
Se não há um discurso inaugural, tampouco há um sujeito adâmico, também o discurso filosófico engendrará suas formas na herança de enunciações filosóficas (daí o recomeço).O filósofo mobiliza uma série de atitudes, de estratégias pelas quais essa herança se faz presente em sua obra. Essa é uma questão que, no entanto, não nos ocupará aqui, por limitações de tempo e espaço. (...)
À luz das considerações desenvolvidas nesta subseção, cuidamos que se pode pensar toda a história da filosofia como uma imensa cadeia de discursos que se relacionam entre si de modos vários e complexos. Pensamos também que é tarefa do estudioso e estudante de filosofia também o debruçar-se sobre a história do pensamento filosófico, com vistas a investigar as formas como os discursos que compõem essa memória discursiva se articulam, se constroem por assentimento ou refutação, por retomadas, reelaborações, alusões, tendo sempre em vista o diálogo constante que os atravessa, mesmo quando esse diálogo, paradoxalmente, assume formas de silenciamentos. Aqui, vale lembrar uma lição cara aos analistas do discurso: em matéria de linguagem, as formas de silêncio, o não-dito também significam, também dizem. (grifos meus).


Com base na constatação de que todas as formas de produção filosófica (quer se apresentem como sistemas, quer como tratados, ensaios, diálogos, etc.) “se desenvolvem e se constituem a partir de uma outra [ou de outras]”, proponho como princípio metodológico de estudo e compreensão da produção filosófica, ao longo da história do desenvolvimento do pensamento Ocidental, o conceito de interdiscursividade que, gestado no interior da Análise do Discurso[1], aviva a percepção segundo a qual “toda a história da filosofia [pode ser encarada] como uma imensa cadeia de discursos que se relacionam entre si de modos vários e complexos. De modo algum, proponho que se faça Análise do Discurso a partir de textos filosóficos. Embora seja possível a realização de tal análise segundo o aparato teórico-metodológico e os procedimentos fornecidos pela Análise do Discurso, quem quer que pretendesse dedicar-se a uma empresa como esta estaria movimentando-se num horizonte hermenêutico cujos objetivos divergiriam – talvez, radicalmente - daqueles que, comumente, orientam a prática interpretativa dos comentadores. De modo geral, os comentadores que se debruçam sobre a compreensão de um pensamento filosófico procuram fornecer dele uma exegese que não está comprometida com os pressupostos teóricos que dão corpo à Análise do Discurso. A Análise do Discurso tem por interesse compreender o modo como um discurso produz sentido, para o que ela leva em conta a língua, a História e o sujeito, em funcionamento, com vistas a revelar a determinação histórica dos processos semânticos e, consequentemente, a dispersão dos sentidos. A Análise do Discurso se constitui pela inter-relação entre Linguística, História e Psicanálise, do que resulta ser ela uma área transdisciplinar.
Há que distinguir três campos teóricos com que a Análise do Discurso está em constante diálogo. O primeiro campo é o do materialismo histórico. No quadro da Análise do Discurso, o materialismo histórico é compreendido como uma teoria das formações e transformações sociais. A Análise do Discurso, articulando-se dialogicamente com o materialismo histórico, manterá que as condições de produção do discurso só podem ser observadas na e pela História. As condições de produção do discurso, sendo historicamente determinadas, explicam o aparecimento de um dado enunciado em um tempo e lugar, e não em outros. Da Linguística, a Análise do Discurso aproveita as ferramentas necessárias ao trabalho com os elementos linguísticos que tornam possível a materialização dos discursos. No horizonte de investigação da Análise do Discurso, situa-se a inter-relação constitutiva da linguagem e a sua exterioridade. Por fim, a Análise do Discurso precisa elaborar uma teoria do discurso, à luz da qual se desenvolverá o exame da determinação histórica dos processos de significação. Nesse caso, está sob foco de investigação a produção dos sentidos tomada como decorrente de fenômenos históricos.
A despeito do que se apresenta no parágrafo precedente, não intento propor que o estudo da produção discursiva filosófica se transforme num trabalho de interpretação e compreensão de textos segundo os pressupostos teóricos e metodológicos e os objetivos da Análise do Discurso. O que proponho é que possamos interpretar/compreender os textos filosóficos à luz da noção de interdiscursividade, a qual se acompanhará de outros conceitos que serão definidos e que, uma vez reunidos, contribuirão para fornecer um quadro sinótico elucidativo desse campo de estudo recoberto pela designação Análise do Discurso.
Convém salientar que os conceitos de interdiscursividade e interdiscurso deverão, segundo minha proposta, ser tomados como pressupostos orientadores do trabalho de interpretação e compreensão dos textos filosóficos. Estes dois conceitos resultam da compreensão de que todo discurso está calcado sobre outros discursos que o antecedem ou o precedem. Os conceitos de língua, discurso, sujeito, formação discursiva, historicidade do texto, formação ideológica e ideologia serão definidos como condição para que se elucide as bases teóricas da Análise do Discurso. No que diz respeito à formação discursiva, farei uma tentativa rudimentar para torná-la operacional a partir da elaboração compreensiva da produção discursiva do epicurismo e do estoicismo. Evidentemente, uma análise que se pretendesse acurada teórica e metodologicamente deveria prever um recorte dos discursos que constituiriam um arquivo[2] para a investigação, já que são vários os filósofos epicuristas e estóicos e diversos, portanto, os discursos produzidos.
Este texto divide-se em duas partes: na primeira, versarei sobre os pressupostos e os referidos conceitos com os quais trabalha a Análise do Discurso, enfatizando a relevância dos conceitos de interdiscursividade e de interdiscurso. Na segunda parte, com o intento de ilustrar de que modo esses conceitos contribuem para que nos tornemos leitores mais competentes no trabalho de interpretação e compreensão de textos filosóficos, abordarei, sem pretensão à exaustão, de modo dialógico, as teorias do conhecimento elaboradas por Kant e Schopenhauer.

1. A Análise do Discurso: pressupostos e conceitos


“A filosofia – define Epicuro- é uma atividade que, por discursos e raciocínios, nos proporciona uma vida feliz”. Seja-me permitido, então, destacar este truísmo: a filosofia não é possível senão pela produção de discursos. Ao destacar deste passo de Epicuro tal truísmo, ciente estou de que deixo à margem de minhas considerações o vínculo necessário entre filosofia e vida feliz, de que dá testemunho não só Epicuro mas toda a tradição grega.
Epicuro lembra-nos que a atividade da filosofia se realiza pela produção de discursos. Definir os conceitos de discurso e de língua à luz do quadro teórico da Análise do Discurso se me impõe como uma pré-condição para que se esclareçam os demais conceitos, já referidos, que contribuirão, por sua vez, para a elucidação da complexidade do objeto teórico da Análise do Discurso.

1.2. Discurso e Língua

Discurso não se identifica com a fala, nem com a língua. O discurso, tal como definido pela Análise do Discurso, é um acontecimento sócio-histórico; é, segundo Orlandi (2007), efeito de sentidos entre interlocutores. Tanto o locutor quanto o interlocutor, participantes da atividade discursiva, estão sempre afetados pelo simbólico. Esses efeitos de sentidos são consequência das relações entre sujeitos simbólicos que participam do discurso, em condições sócio-históricas dadas. Os efeitos de sentidos se realizam como consequência do fato de esses sujeitos serem situados sócio-historicamente e de serem afetados pelas suas memórias discursivas, as quais, por sua vez, são memórias sociais. As memórias discursivas fundam um espaço que se apresenta como condição de possibilidade do funcionamento do discurso. Esse espaço constitui um corpo sócio-histórico-cultural. (Fernandes, 2007, p. 59-60). O conceito de memória discursiva será definido quando eu me debruçar sobre o conceito de interdiscurso. Desde já, noto que memória discursiva e interdiscurso são conceitos correlatos, sinônimos.
A língua não é meramente um código entre outros. Não há separação entre emissor e receptor, como postula uma clássica Teoria da Comunicação. Tampouco a língua é mero instrumento de comunicação. Ao usarmos a língua, não só comunicamos, como também não comunicamos. A língua é, fundamentalmente, uma prática social, e os participantes dessa prática social atuam interacionalmente na produção de significados. O que eles fazem, quando envolvidos nas práticas linguísticas, é produzir discurso. Portanto, o funcionamento da linguagem põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela História, num complexo processo de constituição desses sujeitos e de produção de sentidos.
No que tange ao texto, é ele um objeto linguístico-histórico. Não carece fazer uma distinção entre texto e discurso aqui. Texto e discurso são atravessados pela incompletude. O texto não é, assim, uma unidade fechada, embora, na prática de análise, possamos compreendê-lo como uma unidade inteira em relação com outros textos existentes, possíveis ou imaginários (intertextualidade), com suas condições de produção (os sujeitos e a situação), com sua exterioridade constitutiva (o interdiscurso, a memória discursiva).
O texto é caracterizado por sua historicidade. Falar em historicidade do texto é apreender seu acontecimento como discurso, seu funcionamento, o trabalho de sentidos que ocorre nele. Trata-se de pensar a temporalidade interna do texto, ou seja, sua relação com a exterioridade constitutiva, segundo o modo como ela se inscreve no texto. Essa exterioridade não é a exterioridade histórica da qual o texto é um produto; essa exterioridade determina o texto internamente. Não é algo que está lá fora e que se reflete no texto. Não se vai da História (acontecimentos, eventos) para analisar o texto, mas se parte do texto enquanto materialidade histórica, com suas marcas. Destarte, compreender a materialidade do texto é compreender como a matéria textual (historicidade do texto) produz sentidos.
Não se está negando que há uma relação entre a História fora do texto e a historicidade do texto, que é a trama de sentidos nele, mas essa relação não é direta, nem imediata, nem de causa e efeito. Essa relação é complexa e demanda, a fim de que possa ser explorada, a compreensão do funcionamento do texto.

1.3. Sujeito

Desde já, é necessário rechaçar um possível equívoco: o sujeito de que trata a Análise do Discurso não é o sujeito cartesiano, ou seja, como uma consciência unitária e transparente a si mesma, e suposta como existente independentemente do corpo. Esse sujeito cartesiano é um “eu” a-histórico, senhor de si, cuja existência é postulado pelo pensamento. O sujeito de que trata a Análise do Discurso é um sujeito sócio-histórico. Este sujeito não se confunde nem com o autor nem com o indivíduo empírico que produz um texto. Trata-se de uma posição-sujeito ou forma-sujeito constituída na relação com o simbólico na História. O sujeito é discursivo e descentrado (não é a origem do seu dizer), porquanto afetado pelo real da língua e pelo real da história. Ele não exerce controle sobre o modo como língua e História o afetam. Por isso, o sujeito funciona pelo inconsciente e pela ideologia.
O sujeito deve sua instituição à interpelação ideológica (Althusser)[3]. O sujeito não é o centro do seu dizer, de modo que ele se caracteriza por duas formas de esquecimento: 1o esquecimento – o sujeito se constitui pelo esquecimento da formação discursiva que o determina. Só há sujeito pela sua inscrição na formação discursiva. É devido a esse esquecimento que o sujeito tem a ilusão de ser a origem do que diz; 2o esquecimento – o sujeito esquece que há outros sentidos possíveis. Nesse caso, ao formular o seu dizer, vão-se construindo cadeias parafrásticas de tudo aquilo que ele poderia dizer, mas não disse. Quanto mais operamos formulações tanto mais silenciamentos se deixam vazar de nossas palavras. Esses silenciamentos compreendem o domínio do formulável (eles também dizem). Esse esquecimento segundo acarreta a ilusão da relação termo a termo entre o dizer, o pensar e a realidade.
Retomando-se a contribuição do materialismo histórico para a constituição do campo de estudos da Análise do Discurso, deve-se reter que há o real da História, de sorte que o homem faz história, mas ela não lhe é transparente. Conjugando a língua com a História na produção de sentidos (os sentidos são produto do trabalho de uma relação determinada do sujeito com a História), os estudos do discurso se ocupam com a dinâmica da forma material, que é a forma encarnada na história para produzir sentidos. Essa forma é de natureza linguístico-histórica. Esclarecendo os elementos que estão em jogo no trabalho do analista do discurso, cumpre sublinhar: a) o sentido não é o conteúdo semântico das palavras; b) a História não é um contexto, um enquadramento de acontecimentos; c) o sujeito não é a origem de si e nem está na origem do que diz. A Análise do Discurso está, portanto, preocupada com a ordem do discurso, na qual o sujeito se define por meio de sua relação com o sistema significante dotado de sentidos, sua corporeidade, sua historicidade (Orlandi, 2007, p. 49). O sujeito é, assim, sujeito significante (que significa), é sujeito histórico (ou seja, material). Esse sujeito, conforme mostrei, é uma posição-sujeito, isto é, ele se define como “posição”, porque é um sujeito atravessado por diferentes “vozes”, por diferentes discursos, numa relação, submetida a regras, com a memória discursiva (o interdiscurso). Esse sujeito só existe por sua relação com uma formação discursiva, a qual, por sua vez, mantém relação com as demais formações discursivas. Portanto, o sujeito de que se ocupa a Análise do Discurso é um lugar de significação que se constitui historicamente, vale dizer, pelo interdiscurso.
Uma vez que não se separam forma e conteúdo, a Análise do Discurso visa a compreender a língua não só como estrutura, mas, sobretudo, como um acontecimento. Da reunião da estrutura e acontecimento, resulta que a forma material (linguístico-histórica) é considerada como o acontecimento do significante (língua) num sujeito afetado pela História. É importante destacar que as palavras que usamos no trato cotidiano com a língua já nos chegam carregadas de sentidos, dos quais ignoramos a origem de constituição. Não obstante, elas significam em nós e para nós.

1.4. Formação discursiva e Ideologia

A língua é a materialidade específica do discurso, e o discurso é a materialidade específica da ideologia, de modo que não há ideologia fora do signo, do discurso. Descerei a considerações sobre o conceito de formação discursiva, definindo, posteriormente, sem me estender sobre o tema, o conceito de ideologia, tal como compreendido pela vertente da Análise do Discurso de cuja apresentação venho-me ocupando.
Todas as formações discursivas são constituídas de formações ideológicas[4] que as governam. O conceito de formação discursiva foi cunhado por Foucault, em Arqueologia do Saber (1969), para designar o domínio que, numa dada formação ideológica, a partir de uma posição social numa conjuntura histórica dada, determina o que se pode e deve-se dizer. É da formação discursiva que as palavras e os enunciados recebem seus sentidos. A formação discursiva refere-se ao que se pode dizer somente em determinada época e espaço social, ao que tem lugar e realização a partir de condições de produção específicas, historicamente definidas. A formação discursiva permite explicitar como cada enunciado tem seu lugar e sua regra de aparição, e como as estratégias que presidem à sua produção derivam de um mesmo jogo de relações; em suma, como um dizer encontra espaço num determinado lugar e época.
Foucault ensina que a formação discursiva torna possível a descrição, tendo em vista certo número de enunciados, de um sistema de dispersão. Além disso, ela permite definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) relativamente a objetos, tipos de enunciação, conceitos e escolhas temáticas. Uma formação discursiva não se limita a uma época apenas. No seu interior, se acham elementos que existiram em diferentes espaços sociais, e em outros momentos históricos, e que reaparecem sob novas condições de produção, tornando-se parte constitutiva de um novo contexto histórico e, consequentemente, possibilitando outros efeitos de sentido.
Tentarei, de modo rudimentar, mostrar como se pode operar com o conceito de formação discursiva por meio da consideração de duas escolas filosóficas que vicejaram no período helenista, justamente numa época em que o homem grego via dissipar-se o horizonte único da vida moral, a saber, a pólis. A partir de então, Estado e política passaram a ser situados entre as coisas moralmente indiferentes ou mesmo moralmente negativas. A fim de assinalar a ruína espiritual experimentada pelo homem grego neste período, vale lembrar que, na era clássica, a pólis era o lugar sem o qual o homem não poderia conceber sua própria existência, nem relativamente aos outros, nem em relação a si mesmo. Na pólis, homem e cidadão se identificavam quase completamente. É, por outro lado, no período helenista, que o homem descobre-se indivíduo. Doravante, não podendo mais orientar-se pela Cidade, pelo éthos do Estado e seus valores, a fim de tornar plena de conteúdos sua própria vida, o homem, coagido pela força dos acontecimentos, não teve alternativa senão encerrar-se em si mesmo. Com a empresa revolucionária de Alexandre, a cultura passou a formar indivíduos. Atentemos para o seguinte passo de Reale (2011, p. 11)[5], que nos esclarece sobre a grande transformação cultural e filosófica ocorrida nesse período:

“Assim como a cultura helênica, tornando-se helenística, perde o seu vigor originário e a sua força primigênia, assim também a filosofia, em particular, perde profundidade o que ganha em extensão. A perda se dá justamente na dimensão da teoreticidade e, portanto, na força e no vigor especulativo. O ganho se dá no número incomparavelmente superior de pessoas para as quais a filosofia, transformada essencialmente em problema da vida, sabe comunicar uma mensagem válida. A filosofia torna-se efetivamente a fonte da qual o homem helenístico extrai os valores que antes extraía da polis e da religião da polis; oferece novos conteúdos de vida espiritual, ilumina as consciências, ajuda o homem a viver e lhe ensina como ser feliz mesmo na época trágica em que vive na qual todos os antigos valores parecem subvertidos”.


Não se pode negar que as novas condições sócio-históricas da era helenística vão ser determinantes do aparecimento de discursos assentados numa orientação ideológica diversa, redefinida em relação aos discursos produzidos no período clássico. No entanto, nos quadros da Análise do Discurso, não se parte da exterioridade histórica para examinar os textos; a atenção se concentra na exterioridade constitutiva (interdiscurso, memória) que atravessa o texto e o determina do interior. Vou-me ater ao conceito de formação discursiva, a fim de lhe externar a operacionalidade. Sabe-se que Epicuro apregoou ser o prazer o soberano bem. O prazer, para ele, é o começo e o princípio da vida feliz. Foi justamente por fundar sua moral no prazer que Epicuro foi acusado por seus contemporâneos e pela posteridade de defensor da volúpia[6]. No entanto, o próprio Epicuro não descurou de advertir que se deve buscar os prazeres moderados, afastando aqueles que não são nem naturais nem necessários. A título de ilustração, vamos considerar como a palavra prazer recebe seu sentido pela inscrição dos sujeitos epicuristas e estóicos em formações discursivas diversas. O epicurismo subordinou a virtude ao prazer: a virtude era um meio para alcançar o prazer. Um estóico como Zenão, o fundador do estoicismo, não poderia concordar com Epicuro. A ética estóica se assenta no seguinte preceito estruturado em consequências: deve-se viver segundo a natureza, que significa viver segundo a razão, que, por sua vez, coincide com viver segundo a virtude. Para o estóico, a virtude é, ela mesma, a felicidade; por conseguinte, viver segundo a virtude deve ser desejado. Vivendo segundo a virtude, o estóico conquista a autarquia; por isso, não tem necessidade de prazeres. Segundo a opinião estóica, os prazeres não concorrem para aperfeiçoar a natureza humana; são tão-só fenômenos que acompanham o aperfeiçoamento, mas não estão totalmente sob o poder do indivíduo.
Há que se ver, pois, o confronto entre duas formações discursivas, que fazem com que os sujeitos e a palavra “prazer” signifiquem de modo diverso. As condições sócio-históricas do helenismo favorecem o aparecimento de discursos filosóficos nos quais há uma preocupação com a orientação moral ou ética dos indivíduos, conforme nota Reale (ib.id.): “os filósofos da era helenística são substancialmente moralistas, grandes moralistas; são pregadores de um credo ético; são, a seu modo, apóstolos e missionários”. Malgrado sejam mobilizados por um interesse ético em comum, os filósofos epicuristas e estóicos se inscrevem como sujeitos em formações discursivas e ideológicas diferentes. Essas formações discursivas deixam transparecer temas que atravessaram outras formações discursivas em outras épocas e lugares. Por exemplo, naturalmente, o tratamento dispensado ao prazer pelo epicurista e pelo estóico se faz num movimento de redefinição/re-produção de efeitos de sentido produzidos em outro lugar e época, como, por exemplo, na época de Platão, em Filebo. Aqui, já se entrevê a importância da memória discursiva ou interdiscurso como condição de possibilidade de existência do próprio discurso, pois o discurso de epicuristas e estóicos só é possível pela intervenção dessa memória coletiva, que é a memória discursiva. Os discursos, portanto, se imbricam e se relacionam com outras formações discursivas anteriores e exteriores, e que atravessam o discurso de um sujeito. Escapa aos propósitos deste texto uma demonstração acurada da operacionalidade do conceito de formação discursiva, para cuja tarefa supõe-se a constituição de um corpus discursivo ou arquivo que se conclui apenas no fim do procedimento analítico.
Tomando-se, agora, o conceito de ideologia, será suficiente dizer que, no quadro teórico a que remetem minhas considerações, a ideologia não é uma forma de ocultamento de conteúdos, mas um mecanismo de produção de uma interpretação necessária que atribui sentidos fixos às palavras. Por isso, o mecanismo ideológico não envolve uma falta, mas um excesso (Orlandi, 2007, p. 66). A ideologia representa a saturação do sentido, o efeito de completude, o qual, por sua vez, é responsável pelo efeito de evidência (do sentido).


1.5. Interdiscursividade e Interdiscurso (memória discursiva)

A interdiscursividade recobre o entrecruzamento de diferentes discursos, produzidos em diferentes momentos na História e a partir de diferentes lugares sociais. Todo discurso é constituído de diferentes enunciados que o antecedem e o sucedem, e que integram outros discursos. Correlato ao fenômeno da interdiscursividade, o interdiscurso ou memória discursiva é a instância da repetição histórica, porque inscreve o dizer no repetível (interpretável) enquanto memória constitutiva (interdiscurso). Esta memória é uma rede de filiações de dizeres que faz a língua significar. Destarte, sentido, memória e História se entrecruzam no interdiscurso.
O interdiscurso é aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente da formulação de um discurso dado. É a memória discursiva, o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma de pré-construído[7], o já-dito que está na base do dizível e que dá suporte a toda tomada da palavra. O interdiscurso põe em movimento dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada.
Tendo ficado claro que o interdiscurso é o próprio espaço de inscrição da memória de dizeres, que a memória discursiva expressa a inscrição da língua na História, passo, na próxima seção, a dissertar sobre a teoria do conhecimento em Kant e em Schopenhauer, procurando assinalar como nossa experiência com a filosofia se beneficia da compreensão do modus operandi dos conceitos de interdiscursividade e interdiscurso. Levando a termo esta seção, refiro as palavras de Orlandi (2010, p.18), que definindo o interdiscurso, sublinha a relação deste com a formação discursiva:

O interdiscurso determina a formação discursiva. E o próprio da formação discursiva é dissimular na transparência do sentido, a objetividade material contraditória do interdiscurso que a determina. Essa objetividade material contraditória reside no fato de que algo fala sempre antes em outro lugar e independentemente. O interdiscurso é irrepresentável. Ele é constituído de todo dizer já-dito. Ele é o saber, a memória discursiva. Aquilo que preside todo dizer. É ele que fornece a cada sujeito sua realidade enquanto sistema de evidências e de significações percebidas, experimentadas. E é pelo funcionamento do interdiscurso que o sujeito não pode reconhecer sua subordinação-assujeitamento ao Outro, pois, pelo efeito de transparência, esse assujeitamento aparece sob a forma de autonomia”. (grifos meus).



2. Kant e Schopenhauer: uma leitura com base no princípio da interdiscursividade


Quando no livro 1 de O mundo, Schopenhauer desenvolve sua concepção do mundo como representação, são repostos vários elementos já presentes no desenvolvimento do criticismo kantiano. Decerto, essa reposição não consiste em mera apropriação, mas é expressão de uma ressignificação desses elementos num movimento que articula assentimento e divergência. Mobilizando os conceitos já trabalhados por Kant e reinscrevendo-os num novo horizonte hermenêutico, Schopenhauer permite-nos acompanhar o percurso pelo qual o interdiscurso irrompe em seu discurso – na forma de intertextualidade - como condição de possibilidade para a sua própria construção. Ao dizer, o sujeito schopenhaueriano deixa ressoar um já-dito produzido em outro lugar e época de modo independente. Todo discurso é constituído de diversas formações discursivas. É, por isso, de esperar que o discurso schopenhaueriano seja atravessado por formações discursivas várias. Não obstante, estou interessado em mostrar, a partir da perspectiva da interdiscursividade, por que tem razão Schopenhauer quando considerou a si próprio um herdeiro do kantismo. Para levar a efeito esta empresa, precisarei, em primeiro lugar, dispensar atenção sobre a teoria do conhecimento de Kant. Posteriormente, debruçar-me-ei sobre o desenvolvimento da concepção do mundo como representação de Schopenhauer na tentativa de mostrar a intervenção do interdiscurso que traz o registro, especialmente, da voz kantiana.

2.1. Kant e sua teoria do conhecimento

A distinção estabelecida por Kant entre sensibilidade e entendimento inspirou-se na clássica distinção dos antigos entre objetos sensíveis (aisthèta) e objetos inteligíveis (noètá). A sensibilidade recobre a faculdade das intuições; e o entendimento encerra a faculdade dos conceitos.
De modo geral, por intuição, entende-se a visão direta e imediata de um objeto apresentado ao espírito e apreendido em sua realidade individual. Portanto, só há intuição quando um objeto nos é dado ao espírito. Na medida em que objetos que nos são dados são aqueles que nos afetam o espírito, as intuições serão recobertas pela faculdade da sensibilidade, a qual se caracteriza por receber as representações. Segundo Kant, para o homem, só há intuições sensíveis.
Sublinhe-se que a sensibilidade é a faculdade que tem nosso espírito de ser afetado por objetos. É a sensibilidade, assim, que nos fornece as intuições, e somente ela.
Por outro lado, o entendimento encarrega-se de pensar os objetos fornecidos pela sensibilidade. Trata-se de uma faculdade não sensível de conhecer. O entendimento se caracteriza pela espontaneidade. Ao entendimento cumpre produzir representações. As representações do entendimento são os conceitos. Destarte, de acordo com Kant, o entendimento humano produz um conhecimento por conceitos. Não sendo, portanto, um conhecimento intuitivo, esse conhecimento é discursivo.
Cuido indispensável esclarecer, a esta altura, o que é representação. A representação é a operação pela qual a mente tem presente a si mesma uma imagem mental, uma ideia ou conceito correspondente a um objeto externo. Toda representação é uma re-apresentação da realidade externa à consciência, de sorte que a realidade  re-apresentada se torna um objeto da consciência. É o signo (a palavra) o elemento responsável por permitir a relação entre a consciência e o real na representação.
Volvendo olhares para a contribuição kantiana, encontramos na Crítica da Razão Pura (2013, p. 45), logo de início na Introdução,  o primeiro registro do interdiscurso, que se depreende da passagem em que Kant dá seu assentimento a um tese empirista, da qual Hume foi um representante que influenciou decisivamente o pensamento kantiano, tanto mais que o próprio Kant viu nele o filósofo responsável por tê-lo despertado de seu sono dogmático: “não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência”. Esse trecho se acompanha, no entanto, da observação do próprio Kant de que o conhecimento não se reduz à experiência. O conhecimento, portanto, começa com a experiência, no que está de acordo com a tese básica do empirismo, mas não se reduz a ela. Minha atenção recairá apenas sobre o fato de a experiência ser  o domínio responsável por dar início ao conhecimento, vale dizer, por torná-lo possível. Se o ponto de partida para o conhecimento é a experiência, pode-se dizer que, para Kant, o conhecimento tem como base a sensação. A sensação é a impressão produzida por um objeto na sensibilidade. Por meio da sensação, dá-se a intuição empírica. O objeto dessa intuição empírica é o fenômeno.
A experiência é um conhecimento real e empírico, que resulta da interação entre a sensibilidade e o entendimento. A experiência se constitui pela ligação de percepções, operada pelo entendimento, na forma de conceitos. A experiência envolve dados empíricos e elementos a priori. Segue-se daí que o conhecimento se realiza cabalmente no momento em que percepções e conceitos são relacionados sob a forma de um juízo. Só no nível do juízo é que se constituirão objetos, pois, antes do juízo, não há qualquer determinação.
Ao se ocupar da análise da sensibilidade e do entendimento, Kant se aproveitará da distinção escolástica entre forma e matéria. Destarte, com vistas a explicar de que modo operam a sensibilidade e o entendimento no conhecimento dos fenômenos, Kant propõe que pensemos tanto o fenômeno quanto o conhecimento como algo constituído de forma e matéria. A matéria do conhecimento depende do próprio objeto; a forma do conhecimento, por sua vez, depende do sujeito. O ato de conhecer é, portanto, o ato de dar forma a uma matéria dada. Todo conhecimento – eis um ponto importante – implica uma correlação entre um sujeito e um objeto. Os dados objetos são configurados pelo modo com que a sensibilidade e o entendimento os apreendem.
A matéria é a posteriori, isto é, depende da experiência. A matéria do conhecimento é variável de um objeto para outro, visto que dele depende. A forma, por outro lado, como seja imposta pelo sujeito ao objeto, será reencontrada invariavelmente por todos os sujeitos em todos os objetos.
Tanto a sensibilidade quanto o entendimento apresentam formas que lhes são próprias. As formas puras da sensibilidade são o espaço e o tempo. As formas se dizem puras porque estão a priori no espírito, isto é, não pertencem à sensação ou à experiência. As formas a priori do entendimento são os conceitos ou categorias do entendimento. Antes de apresentá-las, convém enfatizar que sensibilidade e entendimento são inseparáveis para atingirmos conhecimento: por um lado, o conhecimento requer que os conceitos (pensados pelo entendimento) se tornem sensíveis, caso em que a eles articulamos um objeto dado na intuição; por outro lado, as intuições só se tornam inteligíveis, quando se subordinam a conceitos. Não menos importante é enfatizar que as categorias do entendimento constituem as condições subjetivas do pensamento. Assim, ser-nos-ia impossível pensar, isto é, julgar, se não nos fosse possível submeter os dados da intuição sensível às formas a priori do entendimento. Kant distingue entre doze categorias, segundo quatro pontos de vista ou domínios: 1) no domínio da quantidade,  se acham a unidade, a pluralidade e a totalidade; 2) no domínio da qualidade, se topam a realidade, a negação  e a limitação; 3) no domínio da relação, situam-se a substância (e acidente), a causa (e efeito), a reciprocidade; 4) no domínio da modalidade, se encontram a possibilidade, a existência e a necessidade.
Retomemos as formas puras da sensibilidade, quais sejam, o espaço e o tempo, para observar que Kant as entendia unicamente dependentes da forma de nossa intuição, a saber, da constituição de nosso espírito. O espaço não é um ser real, um conceito empírico derivado de nossas experiências exteriores. Não há isto que chamamos "espaço" como  instância ontológica que nosso espírito apreende. Para Kant, o espaço é a priori, porque a sua representação constitui a condição de possibilidade dos fenômenos. Assim também, o tempo é um dado a priori; é a condição de todo vir-a-ser. O tempo não existe nas coisas, tampouco é uma coisa externa à nossa consciência. O tempo é a forma da intuição de nós mesmos e de nosso estado interior. O tempo é a condição formal a priori de todos os fenômenos. Não estando interessado em descer a pormenores sobre as formas da sensibilidade, cinjo-me a lembrar que a intuição só pode nos fornecer os fenômenos e jamais a coisa-em-si (númeno). Essa limitação do conhecimento aos fenômenos terá um impacto significativo na própria compreensão que o homem moderno terá de si mesmo: só posso conhecer quem sou conhecendo alguma coisa. Só podemos apreender nosso eu apenas como fenômeno e não como coisa em si. É a metafísica tradicional, com sua pretensão a fornecer algum conhecimento, que é rejeitada: não podemos conhecer coisa alguma para além da experiência. O homem só pode conhecer aquilo que lhe é dado na intuição.
A coisa-em-si ou o númeno é incognoscível. Portanto, só conhecemos o ser das coisas na medida em que elas nos são dadas enquanto fenômenos.

2.1.2. A Razão, segundo Kant

Para além da experiência, não há conhecimento possível. Com este postulado, Kant nega ser possível à razão demonstrar a imortalidade da alma, a liberdade do homem ou a existência de Deus. Ademais, para o filósofo de Königsberg, não se pode provar nem que a alma é mortal, nem que o homem não é livre, nem que Deus não existe. Para além da experiência – é preciso acrescentar -, não podemos conhecer a existência e a não-existência.
Kant reconhece que a razão tem uma tendência a ultrapassar os limites do conhecimento, já que tem em mira o incondicionado. Tal pretensão da razão leva-a a uma antinomia, isto é, a um modo de proceder no qual ela, a razão, instaura um conflito interno cuja solução se lhe torna impossível. A antinomia se estrutura pela articulação de uma tese com uma antítese. A tentativa de provar tanto um aspecto quanto outro é vã, porque os argumentos a que recorre para tanto são meramente especulativos e, portanto, incapazes de oferecer uma prova empírica.
Kant confere à razão, então duas novas funções. Ela não pode mais presumir a dedução da existência de objetos como Deus, alma, mundo, por si transcendentes, de simples ideias, de sorte a transformar a lógica formal em órgão de conhecimento. Uma vez consciente de seus próprios limites, a razão se torna crítica. Kant estava ciente de que a razão não cessaria de fracassar, caso continuasse a se aventurar em conhecer objetos que só pode conhecer por conceitos, os quais por si mesmos são insuficientes para determinar um objeto real correspondente. Ora, do que expusemos até aqui, é possível depreender que o conhecimento é produto da interação complexa entre duas faculdades; ele é o resultado de uma síntese operada pela sensibilidade e pelo entendimento. São as seguintes as novas funções que Kant fixou para a Razão: a) tornar as ideias especulativas instrumentos metodológicos que sevem à avaliação do progresso da experiência. Essas ideias foram chamadas de Ideias Regulativas; b) negar o caráter contraditório de ideias cosmológicas como a de liberdade e a de necessidade mediante a ressignificação do conceito de objeto, que passa a ser entendido como fenômeno e como coisa-em-si (númeno). Desse modo, as ideias de liberdade e necessidade tornam-se pressupostos da prática moral.
Não devemos perder de vista o fato de que, para Kant, Razão não é o mesmo que entendimento. A razão ultrapassa o entendimento. A razão é a faculdade responsável por operar uma síntese, dando aos conhecimentos múltiplos uma unidade a priori por meio de conceitos. Vale notar que o entendimento, assentado em conceitos, reduz à unidade a multiplicidade dada na intuição. O entendimento opera segundo certas regras. A razão, por sua vez, referindo-se ao entendimento, parte das regras para atingir uma unidade mais elevada, que é a unidade dos princípios.
A razão se diz pura, porque busca o incondicionado, que é a condição última de todas as condições. É no uso lógico da razão que melhor apreendemos essa busca da unidade mais elevada. Quando raciocinamos, compreendemos uma proposição particular sob uma condição geral que a contém, juntamente com outras condições.
Por fim, acrescente-se que o conceito é produto do entendimento; e a ideia é obra da razão. A Ideia ultrapassa a experiência fenomênica. Mas a ideia é um conceito necessário da razão, muito embora a ideia não encontre um objeto correspondente nos sentidos. A razão exige que se represente o universo como uma totalidade acabada.
Tendo revisitado brevemente a teoria do conhecimento kantiana, espero que se ilumine, doravante, a relevância da interdiscursividade como princípio metodológico à medida que eu for passando revista à compreensão schopenhaueriana do mundo como representação.

2.2. Schopenhauer: o mundo como representação

No limiar do livro 1 de O mundo como Vontade e Representação (2001), Schopenhauer aduz a tese em torno da qual desenvolverá sua teoria do conhecimento, a qual constitui uma etapa (a primeira) da sua compreensão totalizante do homem e do real. Antes de referir o passo em que destacarei em negrito, essa tese, cumpre dizer que Schopenhauer se notabilizou por seu espírito profundamente triste e pessimista, que foi empregado na produção de uma obra de cunho existencialista. A verdade pretendida por sua filosofia consiste em demonstrar ser a existência um mal, do qual só podemos escapar pela renúncia a ou pela negação da Vontade.
De minha parte, entendo que uma obra filosófica deve resultar de um esforço por dar testemunho de uma existência, de um temperamento. Isso, ao menos, parece ser verdade no caso de Schopenhauer. Sua existência amargurada, seu temperamento mórbido, sua solidão trágica constituem as forças produtoras de sua filosofia, que encontrou imensa repercussão na alma do homem contemporâneo. A par de Kierkegaard, Schopenhauer soube bem exprimir a sensação de angústia que encontra morada na alma humana.
Neste texto, no entanto, pretendo apenas pontuar em que medida a filosofia de Schopenhauer, particularmente na etapa em que ele propõe o primeiro ponto de vista sobre o mundo, é tributária do pensamento de Kant. Destarte, aceno para a necessidade de se debruçar sobre  toda produção filosófica tendo sempre em conta o princípio da interdiscursividade. Leia-se, então, o fragmento em que Schopenhauer expõe, logo de início, a primeira tese de seu tratado:

O mundo é minha representação – essa proposição é uma verdade para todo ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstrato e refletido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico (...)”. (2001, p. 9).

Consoante notei anteriormente, “o mundo como representação” é o primeiro ponto de vista sob o qual Schopenhauer considerará o mundo. O outro ponto de vista consiste em afirmar que “o mundo é a minha vontade”. Portanto, “o mundo como representação” e “o mundo como Vontade” são dois aspectos sob os quais Schopenhauer compreenderá o mundo. Estas minhas considerações se estenderão prioritariamente sobre o primeiro aspecto; todavia, não silenciarei sobre o segundo aspecto.
Desde já, observo que o nome de Kant é referido por Schopenhauer algumas vezes ao longo do texto, sinal suficiente para atestar que sua filosofia se constituiu em diálogo com o pensamento do filósofo de Königsberg. Devemos, no  entanto, acompanhar de que modo esse diálogo se desenvolveu, apontando as convergências e as divergências entre os dois pensamentos.
A tese “o mundo é minha representação” assenta sobre um postulado que já se encontra em Kant: o conhecimento supõe uma relação necessária entre o objeto e o sujeito cognoscente. Levando adiante as consequências do idealismo de Kant e recuperando explicitamente a fórmula de Berkeley que inaugura o idealismo propriamente dito – o mundo é minha representação -, Schopenhauer sustentará que o mundo só existe na sua relação com um ser que percebe, ser que é o próprio homem. Assim,

“Nenhuma verdade é, portanto, mais certa, mais absoluta, mais evidente do que esta: tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objeto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe. Em uma palavra, é pura representação”. (ibid.id.).


Para Schopenhauer, tudo que há no mundo ou que pode haver está numa relação necessária com o sujeito “e apenas existe para o sujeito”. Não obstante ter sido um grande admirador de Kant, Schopenhauer não deixou de censurá-lo por não ter reconhecido aquela verdade que “constitui já a essência das considerações céticas de onde procede a filosofia de Descartes”.[8]
Deve-se frisar que, segundo Schopenhauer, o mundo existe absolutamente, segundo o primeiro ponto de vista, como representação; e, segundo o outro ponto de vista, como vontade. O mundo como Vontade (com maiúscula para precisar que não se trata da “vontade subjetiva”) é o mundo da coisa-em-si. A Vontade de Schopenhauer é correspondente à coisa-em-si kantiana, se bem que de modo ressignificado. Schopenhauer submeterá à reflexão justamente aquilo que Kant apenas postulou. Notável, para os meus propósitos, é assinalar a insatisfação schopenhaueriana com a forma como Kant introduziu em seu sistema a sua coisa-em-si. Para Schopenhauer, o mundo não se reduz nem à representação, nem à Vontade. A representação é um aspecto sob o qual o mundo existe; e a Vontade é o outro aspecto sob o qual o mundo existe. A Vontade, escreve Schopenhauer, “é um objeto em si” (p. 11). O em-si schopenhaueriano – a Vontade – é a essência do mundo, de sorte que esse “em-si”, sendo um princípio metafísico de explicação da configuração existencial do mundo, não deixa por isso – apesar de ser uma Vontade cega e sem propósito – de servir para demonstrar a ordem ou a natureza do mundo. O em-si kantiano, ao contrário, compreende, em sua teoria do conhecimento, o domínio do incognoscível, daquilo que é imperscrutável ao entendimento e a razão humanos. A Vontade pode ser conhecida pelo homem – levar o homem a se tornar consciente das maquinações da Vontade é o objetivo fundamental a que se destina a filosofia de Schopenhauer.
A problemática da coisa-em-si em Schopenhauer e em Kant não deve nos ocupar demais, por conseguinte passo a assinalar os momentos em que a teoria do conhecimento de Schopenhauer vai-se desenvolvendo em claro contraste com a de Kant.  No tocante à essência do sujeito, escreve Schopenhauer:

“Aquele que conhece o resto, sem ser ele mesmo conhecido, é o sujeito. Por conseguinte, o sujeito é o substractum do mundo, condição invariável, sempre subentendida de todo fenômeno, de todo objeto, visto que tudo o que existe, existe apenas para o sujeito”. (p. 11).


Ao nos determos no excerto acima, encontramos novamente o postulado básico segundo o qual “tudo o que existe, existe apenas para o sujeito”. Ora, afirmar que o mundo é representação é assumir que ele existe para o sujeito que conhece. Sem o sujeito, não há mundo. Por isso, o sujeito é o substractum (essência) do mundo como representação. É importante reter que, para Schopenhauer, o sujeito não é objeto de conhecimento. O sujeito em si não é uma representação; ele é seu pressuposto. Aqui é preciso reconhecer a divergência que há entre o projeto schopenhaueriano e o kantiano. Kant, ao se ocupar das condições de possibilidade do conhecimento e dos limites da razão, tomou para objeto de conhecimento o próprio sujeito em sua forma ideal. Para Schopenhauer, que está interessado em investigar a natureza do mundo, o sujeito é pensado como “princípio que conhece sem ser conhecido”. (ib.id.). De certo modo, o sujeito é incognoscível para si mesmo – “é ele que conhece em toda parte em que há conhecimento”.
Outra diferença notável em relação à abordagem de Kant consiste no fato de Schopenhauer pensar as formas do espaço e do tempo relativamente ao objeto, e não, como pensou Kant, ao sujeito. Para Schopenhauer, o sujeito é uno e indivisível, conforme lemos a seguir:

“O mundo, considerado como representação, único ponto de vista que aqui nos ocupa compreende duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis. A primeira é o objeto que tem por forma o espaço e o tempo, e, por conseguinte, a pluralidade; a segunda é o sujeito que escapa à dupla lei do tempo e do espaço, sendo sempre uno e indivisível em cada ser que percebe”. (ib.id., grifos meus).


Afirma-se a idealidade radical do sujeito: ele escapa à lei do tempo e do espaço; não sofre as modificações do devir – é uno e indivisível. A condição para existir o mundo como representação é que haja um objeto e um sujeito que percebe. No entanto, se esse único sujeito desaparece, com ele desaparece o mundo concebido como representação. É necessário ponderar que Schopenhauer não rejeita a possibilidade de se deduzir do sujeito as formas essenciais a qualquer objeto – a saber, o tempo, o espaço e a causalidade. Essa possibilidade de dedução explica, segundo Schopenhauer, por que Kant as considerou formas a priori da consciência. Schopenhauer não deixa, contudo, de reconhecer o mérito de Kant: “De todos os serviços prestados por Kant à filosofia, o maior reside talvez nesta descoberta”. (p. 12).
No tangente à compreensão do estatuto da causalidade, Schopenhauer coloca-se em evidente oposição a Hume. Já que minha preocupação básica é demonstrar a verdade do princípio da discursividade como condição de todo discurso e de demonstrar sua pertinência à compreensão da história da filosofia, é oportuno recordar o modo como Hume pensava a causalidade. Para ele, a causalidade não é um princípio ontológico. Ela resulta de associações operadas pela mente humana por força do hábito. É porque na experiência percebemos, repetidas vezes, um objeto ser precedido de outro, que julgamos haver entre eles uma relação natural de causa e efeito.
Para Hume, nossos raciocínios de causa e efeito fundamentam-se na experiência e, todos os raciocínios experimentais se apoiam na suposição de que o curso da natureza permanecerá regular. Por isso, somos levados à conclusão de que as mesmas causas, em situações iguais, sempre produzirão os mesmos efeitos. É o espírito humano, pelo concurso da experiência, que concebe qualquer efeito como resultante de uma causa.
Lembra Hume Adão só poderia concluir que, dadas duas bolas, uma das quais lançada em direção a outra, que uma delas se movimentaria como efeito do choque da outra, se somente tivesse a experiência anterior do efeito que resulta do impulso daquelas duas bolas. Adão deveria ter visto vários casos anteriores em que uma bola chocou-se contra outra, fazendo esta se movimentar. Vendo um número suficiente de casos semelhantes, estaria certo de que a segunda bola se movimentaria todas as vezes que outra bola se chocasse contra ela. Para Hume, é a experiência que engendra a noção a noção de causa e efeito: é porque estamos habituados a ver um fenômeno Y seguir-se a um fenômeno X que temos a expectativa de que, ocorrendo X, seguir-se-á Y. Essa nossa expectativa, fundada no hábito, se traduz na fórmula: X é a causa de Y.
É justamente essa compreensão de causalidade que Schopenhauer rejeita. Schopenhauer considera a causalidade como um princípio da nossa experiência do real. Ora, na condição de princípio, a causalidade (ou lei da causalidade) é pressuposta no modo como o mundo se nos dá intuitivamente. Fique claro que Schopenhauer não está sustentando que a causalidade exista no mundo real independentemente do entendimento, o que o excerto abaixo é suficiente para rejeitar. O que Schopenhauer diz, contra Hume, é que a causalidade não é produto da força do hábito, mas uma lei que regula os fenômenos do mundo e que existe no e para o entendimento. Sem o entendimento, o mundo não seria nada, e lei alguma existiria.

“(...) o mundo percebido pela intuição no espaço e no tempo, o mundo que se nos revela na intuição como causalidade, é perfeitamente real e é absolutamente aquilo que parece ser; ora, aquilo que ele pretende ser inteiramente e sem reserva é representação, e representação regulada pela lei da causalidade. Nisso consiste a sua realidade empírica. Mas, por outro lado, só há causalidade no e para o entendimento; assim, o mundo real, isto é, ativo, é sempre, como tal, condicionado pelo entendimento, sem o qual ele não seria nada” ( grifo meu, p. 21).


Como se pode ver, no trecho acima, a causalidade não é um produto do hábito, como pensava Hume; para Schopenhauer, é um princípio que existe no mundo que é representação.
Com não estar eu preocupado em desenvolver uma análise exaustiva que ilumine as convergências e as divergências entre as teorias do conhecimento de Schopenhauer e de Kant, vou limitar-me a notar que por entendimento Schopenhauer não entende o mesmo que Kant, tanto mais que Schopenhauer diz o possuírem todos os animais, mesmo os mais imperfeitos. A razão por que Schopenhauer estende o entendimento aos animais é que o entendimento tem por essência o conhecimento pelas causas. Para Schopenhauer, o entendimento limita-se a ser uma faculdade responsável por ligar o efeito à causa ou a causa ao efeito. No entanto, no homem, a intensidade de ação e extensão de sua esfera é maior.
No que tange à razão, Schopenhauer atribui a ela apenas a propriedade de classificar, fixar e combinar os conhecimentos imediatos do entendimento, sem nunca produzir qualquer conhecimento. Nesse tocante, Schopenhauer não se afasta muito de Kant. Ele conserva a distinção kantiana entre razão e entendimento e destitui a razão do poder de lograr um conhecimento teórico. No entanto, ao contrário de Kant, Schopenhauer nega que a razão seja a faculdade do incondicionado. Para Schopenhauer, a razão tem seu alcance reduzido à exploração dos dados imediatos do entendimento, sem o qual ela permanece estéril. O entendimento, segundo essa perspectiva, é a faculdade da representação. Ele é estruturado pelo princípio da razão suficiente (espaço, tempo e causalidade). Kant, por sua vez, distingue entre intuição, com suas formas a priori (espaço e tempo) e entendimento, com suas doze categorias. Schopenhauer, por seu turno, as funde numa única faculdade, a qual chama alternadamente de entendimento, intelecto ou intuição. A intuição, para Schopenhauer – no que discorda de Kant – não é puramente sensível, mas intelectual. O que vimos a respeito de Kant patenteia que, para ele, a intuição é sempre sensível. Acerca da intuição, escreve Schopenhauer:

“(...) a intuição não é de ordem puramente sensível, mas intelectual; pode-se dizer, em outras palavras, que ela consiste no conhecimento da causa pelo efeito, por meio do entendimento: pressupõe, pois, a lei da causalidade.” (p. 19).


Finalmente, reitere-se que a lei da causalidade é condição de possibilidade para qualquer intuição. Nisso Schopenhauer discorda de Hume, que pretendia deduzi-la da experiência por força do hábito. Para Schopenhauer, a lei da causalidade é condição de possibilidade para qualquer experiência.

Considerações finais

Como espero tenha ficado claro, nenhum discurso vem ao mundo como criação de um sujeito que está na origem do dizer. Todo discurso está calcado sobre discursos que o precedem, ao mesmo tempo que projeta espaços de possibilidade de outras enunciações. O interdiscurso é o já-dito que se situa em outro lugar; é pré-condição para todo dizer, é a memória discursiva. Numa perspectiva bakhtiniana, devemos reconhecer que o dialogismo está no cerne do funcionamento da linguagem, visto que todos os enunciados se constituem a partir de outros. Quando os comentadores nos ensinam sobre as influências sofridas por um filósofo, como a que sofreu Schopenhauer de Kant, como a que Kant sofreu de Hume, por exemplo, eles põem em evidência justamente o funcionamento do princípio de interdiscursividade, ainda que não haja preocupação explícita de teorizar sobre ele (tarefa esta que compete ao linguista, ao analista do discurso). Mas a importância de tal princípio é irrecusável para um estudo tanto mais profundo quanto satisfatório do pensamento filosófico em toda a sua complexidade e extensão. Assim é que se vai costurando o tecido discursivo: Santo Agostinho remete a Platão, que remete a Parmênides e a Heráclito, os quais dialogam com a tradição anterior, ao mesmo tempo em que abrem espaços enunciativos posteriores. Assim é que podemos ver um Marx retomar Hegel, para reinterpretá-lo, para contestá-lo, etc. É pela interdiscursividade que podemos melhor compreender as divergências que opõem, de um lado, racionalistas; de outro, empiristas;  é ela que nos permite, inclusive, pensar aquilo em razão do qual se opõem as duas formas de idealismo, como o de Kant e o de Descartes. Racionalismo e Empirismo; Idealismo e Realismo, etc. são designações que acenam para diferentes formações discursivas e ideológicas. Fica, então, estabelecido que o estudo da linguagem, mormente no que tem de contribuição para a compreensão do funcionamento textual e discurso, antes de subtrair-se ao estudo da filosofia, vem-lhe em socorro para torná-lo uma atividade ao longo da qual o agente vai-se transformando profundamente pelo aprofundamento de sua compreensão dialógica do pensamento que se põe sob foco de sua atenção por ocasião do estudo.




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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERNANDES, Alves C. Análise do discurso: reflexões introdutórias. São Carlos: Clara Luz, 2007.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso. In: Orlandi, Eni P.; Rodrigues-Lagazzi, Suzy (orgs). Discurso e textualidade. São Paulo: Pontes, 2011, p. 13-31.
________ Autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. São Paulo: Pontes, 2007.

PASCAL, Georges. Compreender Kant. Petrópolis, RJ: 2009.


SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como Vontade e Representação. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.






[1] Neste trabalho, a expressão Análise do Discurso recobrirá a orientação dos estudos discursivos levada a efeito pela escola francesa, da qual, no Brasil, sua mais notável representante é a linguista e analista do discurso Eni P. Orlandi.
[2] Segundo Maingueneau (1991), o arquivo reúne enunciados provenientes de um mesmo posicionamento e inseparáveis de uma memória e de instituições que lhe conferem legitimidade. Para Foucualt, o arquivo permite pensar as práticas discursivas de uma sociedade.
[3] A expressão interpretação ideológica designa o processo pelo qual a ideologia age e funciona de modo a ‘recrutar’ sujeitos entre os indivíduos. Trata-se de um processo que transforma indivíduos em sujeitos. Na condição de sujeitos, os indivíduos se submetem ao Sujeito (sujeito-Ideologia). A distinção entre sujeito e Sujeito (com “S”) serve para destacar o caráter sobredeterminante da ideologia sobre os indivíduos já interpelados. Assim, a ideologia ou o Sujeito tem o poder de interpelar os indivíduos como sujeitos e de submetê-los às suas orientações valorativas. Por exemplo, a ideologia jurídica reza o respeito às leis e interpela os indivíduos como sujeitos (agentes) que devem seguir essa determinação.
[4] A formação ideológica constitui um conjunto complexo de atividades e representações, que não são nem individuais nem universais, mas que estão ligadas às posições de classes em conflito (Pêcheux & Fuchs 1990, p. 166. apud. Fernandes, 2013, p. 65). Os sentidos dependem do modo como as posições de sujeitos se inscrevem nas formações ideológicas.
[5] REALE, Giovanni. Filosofias helenísticas e Epicurismo. São Paulo: Loyola, 2011.
[6] Deve-se frisar que essa acusação já se inscreve noutra formação discursiva, a qual é determinada por uma formação ideológica diversa.
[7] O pré-construído é a marca da presença, num enunciado, de um discurso anterior. Por isso, esse discurso se opõe ao enunciado que é construído no momento da enunciação. Esse discurso consiste no “já-dito” e por nosso esquecimento sobre quem foi seu enunciador.
[8] O caráter polifônico de todo discurso se deixa facilmente apreender quando, ao longo do texto, Schopenhauer evoca também o nome de Berkeley, a quem foi primeiro a formular aquela verdade.

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