segunda-feira, 1 de setembro de 2014

"O homem afirma em Deus o que nega em si mesmo" (Feuerbach)

                                        

        
                                Enquanto bilhões dizem Amém...


                                                     I

No ocidente, o cristianismo se desenvolveu com base na crença na exterioridade de Deus em relação ao homem e ao mundo. Daí para a ideia de Deus como uma projeção, atualmente desacreditada, bastou um passo curto.
Na medida em que fizeram de Jesus o único avatar, os cristãos desenvolveram uma concepção exclusivista da verdade religiosa. Jesus foi considerado a encarnação primeira e definitiva da Palavra de Deus, de tal sorte que outra Revelação futura se tornava desnecessária.
Não foi sem escândalo que os cristãos viram surgir na Arábia do século VII um profeta que preconizava ser portador de uma revelação direta do Deus que os próprios cristãos adoravam. Esse profeta trouxe consigo uma nova Escritura. Essa versão do monoteísmo, que se tornaria conhecida como islamismo, angariou, de modo muito rápido, milhares de adeptos no Oriente Próximo e no Norte da África.
Como, nessas regiões, não se verificava a influência do helenismo, não custou aos adeptos da nova fé abandonar a doutrina grega da Trindade, com a qual o cristianismo ortodoxo expressava o mistério de Deus. O idioma árabe não se prestava à formalização de uma tal concepção trina de Deus, e os adeptos islâmicos puderam adotar uma noção mais semita da divindade.
Se você é cristão, não pode aceitar outra revelação de Deus senão a que se deu por intermédio de Cristo; se é judeu, não poderá aceitar Cristo como o Messias; se é islâmico, deverá assumir que a Revelação definitiva de Deus se deu através da figura do profeta Maomé.
Enquanto nenhuma das partes que julga dispor do privilégio da Revelação de Deus não consegue determinar quem tem razão, Deus permanece sendo um mistério transparente e uma evidência oculta para os que se habituaram a dizer simplesmente Amém.

                                                 
                                                    II

Se você não está disposto a desacostumar-se, muito provavelmente não se entregará à filosofia. Se você vive confortavelmente amparado no sistema de crenças com o qual se habitou, desde tenra idade, a ver o mundo, provavelmente se contentará em dizer aquilo que a maioria gosta de ouvir. Se, além disso, nutre fortes convicções religiosas, muito provavelmente se agradará de dar a conhecer aos que concordam com você em sua cosmovisão o que acredita ser a verdade sobre a identidade de Jesus. Julgará, por força do hábito, que é relativamente simples determinar e revelar o Jesus histórico – afinal, a Bíblia encerra os quatro Evangelhos que nos dão testemunho de quem foi Jesus.
Por estar tão acostumado (ou acostumada) a reproduzir a herança de sua tradição religiosa – e crendo que, ao fazê-lo, satisfaz suas necessidades espirituais, - sequer desconfiará de que é extremamente difícil saber, com segurança, quem realmente foi Jesus e o que ele fez. Uma das razões para essa dificuldade repousa no fato de que os quatro Evangelhos canônicos estão repletos de contradições. Outra razão diz respeito ao fato de eles terem sido escritos décadas após o ministério e a morte de Jesus – e pasme-se! -, sem que seus autores tenham testemunhado os acontecimentos relatados. É isso mesmo: os autores dos quatro Evangelhos não foram testemunhas oculares; as pessoas às quais se atribuiu a autoria não foram seus verdadeiros autores. Os textos foram escritos entre 35 e 65 anos depois da morte de Jesus por pessoas que não o conheceram; pessoas que sequer falavam o idioma que ele falava, e que viveram em outro país.

A despeito disso, a verdade de Jesus fez carreira, pondo em movimento legiões de mentirosos.

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