sexta-feira, 19 de setembro de 2014

"Devemos deixar de ser homens que rezam para ser homens que bendizem" (Nietzsche)

              
                    


                                  A idade da filosofia

Falta-me uma palavra semanticamente precisa para tornar viva à consciência esta experiência que me é muito familiar. Como eu não a encontre, usarei a palavra fastio para nomeá-la. Corriqueiramente, sinto fastio de tudo e de todos. E o objeto deste fastio deve expressar-se assim mesmo, em forma indefinida, pois a experiência do fastio é a experiência da própria indefinição. “Tudo que atinge a totalidade morre, porque a morte é uma totalidade alcançada, enquanto a vida é a busca da totalidade”. A totalização da vida é a vida negada, a saber, é a própria morte. Como busca da totalidade, como movimento para a totalidade, a vida é, para o homem – ser inacabado – curso pleno de possibilidades. O homem é excesso absurdo em relação à vida. A experiência do fastio é, então, esse vislumbre de possibilidades irrealizáveis. Esse excesso absurdo que é o homem cai, entretanto, sob o peso excessivo da falta que o atravessa: eis o que considero um homem cansado, enfastiado. O homem enfastiado é o homem que sucumbe à falta excessiva que o constitui. É o homem que diante de si já nada discerne.
Para mim – e que seja isto que escreverei muito pessoal -, a filosofia não faz sentido algum como disciplina a ser ensinada, como matéria para a digestão cognitiva. Meu encontro com a filosofia se deu como enfrentamento de minha tragédia, de meu infortúnio. Em Nietzsche – alguns de meus escritos dão disto testemunho -, encontrei a fórmula da fidelidade a si mesmo como caminho para superar os estados decadentes de minha consciência e para alcançar algum nível de grandeza. Na sua VONTADE DE POTÊNCIA, compreendi a necessidade de fazer durar e crescer a vida, em meio à ruína trágica à qual minha juventude parecia condenada. É isto a vontade de potência: necessidade de ultrapassar. Mas a ultrapassagem só poderia dar-se com a condição de que me apossasse completamente da existência e de mim mesmo.
Durante muitos anos, eu fora um decadente – e essa compreensão devo a Nietzsche. Mas não se enganem em depreender daí que eu tenha encontrado paz alguma na filosofia, tampouco “alimento espiritual”. Não há paz em Nietzsche. Com a filosofia, eu armei-me para a guerra, fortaleci-me para a luta (luta do ser contra o não-ser, luta entre o impulso de vida e o impulso de morte), para o enfrentamento de minha miséria, que compartilho, no entanto, com todo o gênero humano.
A filosofia não consola – compreendam bem! Ela até desespera; remove as bengalas que nos sustentam a vida e diz austeramente: caminha; siga, luta, enfrenta! A verdade que nos desvela a filosofia tem uma beleza trágica e dura; é crua, é fria e desola. Não chegou à idade da filosofia quem ainda vive (entenda-se: quem caminha) ancorado nas promessas metafísicas. A filosofia nada promete, nada garante (como poderia, se a própria vida, de que se ocupa toda filosofia, não tem garantias?); a filosofia apenas ensina a viver entre os escombros de uma existência que é guerra sem trégua entre opostos; apenas ajuda o homem a encarar seu próprio absurdo nesta sua existência precária que, embora habituada a toda sorte de ilusões, se sabe finita. Em uma palavra, a filosofia ajuda o homem a viver num mundo que não lhe foi feito sob medidas, ensina-o a mobilizar, para tanto, suas próprias forças; ela o ajuda na construção de sua autonomia; ela o ajuda na experiência de uma vida autêntica, que consiste em realizar-se enquanto ente absurdo. Apenas os fortes filosofam!


Quanto aos fracos – aqui é Nietzsche quem o diz também -, estes inventaram as religiões e as doutrinas metafísicas. 

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