segunda-feira, 20 de maio de 2013

"Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção." (Paulo Freire)


                          


                          Interpretar e compreender
                 Um quadro representativo da leitura

Este texto é minha contribuição para a compreensão do que está em jogo em todo processo de leitura. Ler é uma atividade linguístico-cognitiva de produção de sentidos. Este texto consiste num ensaio sobre as duas macroatividades pressupostas em toda atividade de leitura, quais sejam, a interpretação e a compreensão. Como seja um ensaio, este texto não pretende, evidentemente, dar conta da complexidade do processo de leitura. Um dos meus objetivos é antes suscitar questões do que resolvê-las; no entanto, estou interessado em fornecer um quadro representativo de como o leitor opera ou pode operar quando, no momento mesmo em que lê o texto, busca interpretá-lo e compreender. A leitura é um trabalho sociocognitivo e linguístico de interpretação/compreensão, no qual está envolvido um conjunto de atividades e estratégias de ordem cognitiva e metacognitiva, bem como competências e habilidades diversas. Não tenciono dar conta de todo esse aparato de recursos cognitivos, é claro; mas mencionarei alguns deles.
Embora eu vá definir e desenvolver, adiante, as atividades de interpretação e compreensão separadamente, não suponho que essas atividades sejam estanques ou que uma preceda à outra. Na verdade, quero que o leitor tenha em mente que a compreensão acompanha, ou melhor, está implicada no próprio processo de interpretação, de modo que interpretar é pôr em curso a compreensão, é desenvolver a compreensão. Durante o processo de interpretação, o leitor está operando sucessivas etapas compreensivas. Uma imagem pode nos ajudar a compreender como se relacionam interpretação e compreensão. As etapas compreensivas equivaleriam a cada ponto dado num tecido durante a atividade de costura. Cada vez que uma parte do tecido danificado é restaurada com o traspassar da agulha e da linha a ela presa constitui uma etapa de compreensão. Essa imagem sugere a necessidade de supormos uma compreensão global do texto, mas nunca uma compreensão cabal. Tendo em vista o exposto, considero que interpretar é analisar; e compreender é operar sínteses.

Algumas palavras sobre leitura

Os estudos linguísticos que se ocupam das questões sobre leitura nos ensinam que a leitura é uma atividade complexa durante a qual o leitor mobiliza uma série vasta de competências e estratégias, na busca por construir um sentido (dentre os muitos possíveis) para o texto. Há especialistas que sustentam que o ato de leitura é um ato individual, no qual estão envolvidos os objetivos, os sentimentos e as expectativas do indivíduo leitor. No entanto, esse leitor é um sujeito social que lê, de sorte que, ao interagir com o texto durante a prática da leitura, está interagindo com toda uma comunidade de fala ou uma comunidade sociodiscursiva imaginária e representada no texto. Compreendamos melhor esta noção. É consenso entre os estudiosos de Linguística Textual que, no processo de produção de sentidos (leitura), o leitor interage com o texto e com o autor. A leitura pressupõe, assim, essa interação entre leitor, texto e autor. No entanto, tanto o leitor quanto o autor são sujeitos sociais que pertencem a uma comunidade sociodiscursiva, que é evocada e representada tanto no momento em que o autor produz seu texto (a uma comunidade que fala através dele) quanto no momento em que o leitor “lê” o texto (há uma comunidade que lê com ele). Não estou interessado aqui em evocar a problemática em torno da noção de autor. Essa questão já foi tangenciada em outros textos meus. Para os meus propósitos, apelo para o senso comum e entendo o autor como o ser responsável pela produção do texto escrito, pela garantia de sua coerência; é ele quem responde por seus escritos; é ele que é alvo de censura e a quem deve assinar suas obras. Note-se, de passagem, que Barthes (1968) declarou “a morte do autor”. O autor não é uma pessoa, é uma função-autor (Foucault). Disse, no entanto, que não me deterei nessa problemática.
Reformulando a noção de leitura, por ela entendo um processo sociocognitivo-interacional de produção de sentidos. Emprego o termo leitura pressupondo como objeto dessa atividade o texto escrito; no entanto, é possível ler outras coisas que não textos (gestos, obras de arte, uma situação, a mão, etc.). Recuperando aqui a voz de Paulo Freire, antes de ler um texto, lemos o mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra escrita. 
Antes de prosseguir, gostaria de definir o conceito de cognição. Por cognição entendo um conjunto de processos e atividades mentais (que envolvem atenção, memória, raciocínio, sentimentos, imaginação) assentado numa base de linguagem, que são mobilizados na busca da aquisição, transformação e aplicação do conhecimento. Todo texto é forma de cognição social (Koch, 2004).
Disse, anteriormente, que, no processo de leitura, que pressupõe interpretação e compreensão, estão envolvidos conhecimentos, habilidades, estratégias de ordem vária. Também aí se deve incluir os objetivos, os interesses e sentimentos do leitor. Alguns dos conhecimentos envolvidos são o conhecimento linguístico, o conhecimento prévio sobre o assunto do texto, conhecimento de mundo, conhecimento sobre outros textos com que o texto que é objeto de leitura mantém relações (intertextualidade), conhecimento sobre tipos e/ou gêneros textuais, etc. É importante dizer que cada gênero textual (poema, artigo de opinião, crônica, romance, artigo científico, carta pessoal, carta oficial, etc.) demandará habilidades e estratégias diferentes de leitura. Não lemos um poema do mesmo modo como lemos um artigo de jornal, por exemplo. Também as expectativas do leitor serão diferentes num e noutro caso. Diante de um poema, o leitor busca entendimento e fruição estética, ao passo que, diante de um artigo jornalístico, o leitor busca basicamente conhecer a opinião do jornalista sobre um tema de relevância sociocultural, política ou econômica, embora o entendimento esteja, é claro, aí envolvido. No entanto, um artigo jornalístico não cumpre a função de provocar uma emoção estética no leitor. E o leitor reconhece e espera isso.
Dois tipos de estratégias devem ser consideradas no processo de produção de leitura: estratégias cognitivas e estratégias metacognitivas. As estratégias cognitivas orientam os comportamentos automatizados, quase inconscientes do leitor no processo de leitura e servem à construção da coerência local do texto. As estratégias metacognitivas, a seu turno, dizem respeito ao estabelecimento de objetivos na leitura. É a capacidade pela qual o leitor controla e regula o próprio conhecimento. As estratégias metacognitivas recobrem o estabelecimento de objetivos e a formulação de hipóteses, visto que são atividades em que está implicada a reflexão e o controle consciente sobre o próprio conhecimento, sobre o próprio trabalho interpretativo e sobre a própria capacidade de estabelecer objetivos e formular hipóteses. Por exemplo, um médico que lê artigos científicos especializados em sua área de atuação o faz segundo objetivos previamente determinados. Se ele é um cardiologista, pode estar interessado em conhecer novas formas de tratar doenças cardiovasculares, para o que ele buscará artigos que tratem do assunto.
A formulação de hipóteses está na base do processo de interpretação/compreensão de todo ato de linguagem. Charaudeau (2010) observa que toda interpretação é uma suposição de intenção. Em toda e qualquer atividade linguística, os interactantes estão a cada instante elaborando hipóteses sobre os saberes uns dos outros. Situada na prática de leitura, a elaboração de hipóteses pelo leitor supõe uma atividade durante a qual ele vai elaborando e testando hipóteses à proporção que faz avançar a leitura do texto.
Há outras estratégias envolvidas no processo de produção de sentidos; mas delas não me ocuparei aqui.
Cumpre notar, por fim, que, basicamente, o leitor, no momento mesmo da leitura, opera com seu conhecimento de mundo, o qual envolve saberes sobre o mundo, quer adquiridos em processos de educação formal, quer adquiridos nas experiências vividas cotidianamente em sociedade. Seu conhecimento de mundo, como seja de ordem geral, inclui também saberes de ordem intertextual, de modo que suas experiências de leitura prévias, estruturadas em sua memória em forma de conhecimento, são ativadas por ocasião do processo de interpretação e compreensão textual. Por conseguinte, quanto mais leituras prévias acumulamos sobre um dado tema mais fácil se torna o processo de compreensão do texto. Quanto mais se lê melhor se lê. A leitura é, portanto, um trabalho orientado para o texto que, não se limitando ao texto, mobiliza uma série de conhecimentos, crenças, ideologias e valores exteriores ao texto. O movimento de leitura vai do texto para o exterior do texto. O exterior compreende o que se pode chamar de contexto sociocognitivo, o qual compreende diversas formas de conhecimentos armazenados na memória do leitor e que são ativados por ocasião do processo de leitura. Entre essas formas de conhecimento estão o conhecimento de mundo (ou enciclopédico), o conhecimento linguístico, o conhecimento sociointeracional (relativo a tipos de atos de fala, aos propósitos visados pelo produtor do texto, à variedade linguística empregada, a normas socioculturais de interação linguística, etc), o conhecimento procedural (que compreende os procedimentos pelos quais as demais formas de conhecimento são ativadas pelo leitor no momento da leitura), etc.
No tocante ao conhecimento de mundo, é importante reter que ele é suposto como partilhado entre leitor e produtor do texto. O sucesso do leitor no processo de interpretação e compreensão textual depende de que uma grande parcela desse conhecimento de mundo seja partilhada com o autor. Embora os conhecimentos de mundo do leitor e do autor nunca correspondam totalmente, o sucesso do leitor depende de que uma grande quantidade desse conhecimento seja partilhada com aquele. O produtor do texto, por ocasião da atividade de escrita (para ficar nesse domínio estrito), supõe partilhada com o leitor uma série de conhecimentos sobre o mundo; o produtor constrói, assim, uma imagem-leitor. Também o leitor constrói uma imagem-autor e será tanto mais bem sucedido quanto mais conhecimento de mundo partilhar com o produtor do texto, no momento da leitura. Portanto, falar em conhecimento de mundo é falar em conhecimento de mundo compartilhado.

Interpretar e compreender: o processo de leitura

No processo de interpretação, estão envolvidos conhecimentos, estratégias e habilidades que são mobilizados nessa circunstância pelo leitor. Uma atividade básica em todo processo de interpretação é a produção de inferências. Por isso, entendo por interpretação o processo de produção de inferências com base em nosso conhecimento de mundo. A interpretação é o processo pelo qual o leitor, mobilizando seu conhecimento de mundo, estabelece relações não explícitas entre trechos do texto ou entre segmentos do texto e os conhecimentos prévios armazenados em sua memória e necessários à compreensão. A interpretação tem como atividade básica, portanto, a inferenciação, ou seja, a produção de inferências. Evidentemente, a elaboração de hipóteses também faz parte da interpretação. Interpretar é operar uma análise complexa, para a qual são mobilizados conhecimentos, crenças, estratégias e habilidades variados.
A compreensão é o ponto final do processo de interpretação. Nesse caso, devemos falar em uma compreensão global. Silva (2011), em O Ato de ler – fundamentos psicológicos para uma nova Pedagogia da Leitura, sustenta que ler é compreender (em primeiro lugar, compreender o mundo), ou seja, a compreensão inclui a interpretação. Em outras palavras, para Silva, na compreensão, está implícita a interpretação. A interpretação é constitutiva da compreensão. A compreensão desvela o que estava oculto; a interpretação supõe a presença diante de nós de algo cuja natureza ou estrutura deve ser compreendida. Refiro as palavras oportunas de Silva sobre como devemos entender o significado:

“(...) aquilo que é compreendido não é o significado, tomado no seu sentido bem estrito (significado de livro, ou de qualquer outro objeto). Significado é aquilo que se mantém oculto e que se desvela apenas pela inteligibilidade. (...) o significado não está nas coisas e nos objetos, nem nas palavras e nas proposições, mas constitui uma possibilidade de desvelamento, de atribuição, que é característico do Ser-do-Homem. O significado é a possibilidade que algo possui de tornar-se visível como algo que é.
(p. 34)



Em negrito, destaquei as ideias que nos ajudam a compreender esta passagem de Silva: a primeira diz respeito ao fato de o significado não estar diretamente acessível, mas oculto; a segundo diz respeito ao fato de ele só ser desvelado pela inteligibilidade; a terceira se refere ao fato de ele não estar localizado nas coisas ou nas palavras; a quarta diz respeito ao fato de ele ser virtualidade de desvelamento, ou seja, de ser ele a possibilidade de ser desvelado, de ser atribuído, de tornar algo visível ao entendimento humano como algo que é. O significado, segundo essa última ideia, é o que torna possível a revelação do ser das coisas.  Mas somente o ser humano é capaz de “adivinhar” o significado, ou seja, de significar. Significar para o ser humano é desvelar o ser das coisas. O significado é a condição necessária para que as coisas se mostrem tal como são. É o leitor que atribui significados ao objeto de leitura.
De minha parte, entendo que a compreensão é constitutiva da interpretação. No processo de interpretação, está envolvida a compreensão. A compreensão consiste numa síntese cognitiva a que chega o leitor ao cabo do processo de interpretação. Enquanto a interpretação é o movimento cognitivo que implica um complexo trabalho de produção de inferências e mobilização de saberes e estratégias, a compreensão é o resultado cognitivo desse complexo trabalho.
No entanto, como mencionei anteriormente, no processo de interpretação, o leitor opera sucessivas etapas de compreensão. Isso me parece claro quando consideramos a extensão do texto. Quanto maior for o texto mais etapas de compreensão ocorrerão ao longo do processo de interpretação. Sugerir que a compreensão se dê por etapas não exclui o atingimento necessário de uma compreensão global. A compreensão global é, portanto, o ponto final do processo de interpretação. Em face da interpretação, a compreensão se coloca como meta a que visa o leitor. Logicamente, quem quer que pretenda interpretar alguma coisa visa a compreender essa coisa. Na interpretação, a compreensão é o objetivo final.

O que é compreender na prática?

Penso que a compreensão pode organizar-se em três etapas fundamentais:

1a etapa – identificar a ideia central do texto;
2a etapa – estabelecer uma hierarquização entre as ideias do texto;
3a etapa – reelaborar (por paráfrase) o significado do texto.

A fim de ilustrar de que modo o leitor pode operar no sentido de compreender um texto, segundo o esquema oferecido, proponho que consideremos os dois trechos que se seguirão, colhidos do livro Existencialismo (2013). O primeiro  trecho que se segue abaixo tem como tópico a fórmula de Sartre “no homem a existência precede a essência” :

“(...) a existência do ente precede a essência (...) simplesmente significa que os entes humanos não têm alma, natureza, eu ou essência que os façam o que são. Nós, simplesmente, somos, sem quaisquer restrições que nos façam existir de qualquer modo particular, e somente mais tarde viemos conferir à nossa existência qualquer essência”.
(p. 83)


Ideia central – primeiro o ser humano existe para depois conferir a si uma essência.

Identificada a ideia central, o leitor poderá elencar, sem, necessariamente, estabelecer, neste momento, uma hierarquização de ideias, as demais ideias que constam do texto. Poderá identificá-las atentando para a sequência em que aparecem no texto. Também poderá parafrasear as partes do texto identificadas.

Ideia 2 – o ser humano não tem uma natureza que o define previamente à existência;
Ideia 3 – Não há restrições que definem quem somos.

A atividade de parafrasear é constitutiva do próprio processo de compreensão. A hierarquização das ideias compreende a sequência: ideia central, ideia 2 e ideia 3. É importante atentar para o fato de que, embora pretenda o autor que o segmento que vem depois de “significa que” explique o significado de “a existência precede a essência”, parece claro que seu significado é mais bem explicado no último enunciado do texto, que reelaboramos como ideia central. Ou seja, com base na ideia central, a fórmula “a existência precede a essência” significa que o homem, primeiramente, existe para depois definir para si uma essência. Tanto a ideia central quanto a segunda ideia encaminham a conclusão de que o ser humano é livre para escolher quem quer ser (já que nada que lhe seja exterior ou prévio à sua existência lhe fixa limites ao seu ser).
Durante o processo de interpretação que visa à compreensão, algumas questões deverão ser formuladas pelo leitor. Por exemplo, Sartre pensa gozar o homem de liberdade absoluta ou irrestrita? Sartre não supervaloriza a liberdade no homem? Será que ele está sugerindo que a essência do homem é a liberdade? Essas são algumas das questões que o leitor pode formular e cujas respostas tentará obter ao longo da leitura (supondo-se a continuação do texto).
Veja-se o próximo trecho:

“A liberdade humana precede a essência do ente humano e a torna possível; a essência do ente humano está suspensa em sua liberdade. O que chamamos de liberdade é impossível de distinguir do ser da “realidade humana”. O ente humano não existe primeiro a fim de ser subsequentemente livre, não existe diferença entre o ser do ente humano e o seu ser livre”.
(p. 86)


Este trecho foi colhido da obra O ser e o Nada do próprio Sartre e oferecido pelo autor de Existencialismo (2013).

Ideia centralA liberdade humana é anterior à essência do ente humano;
Ideia 2 – A liberdade torna possível a essência do ente humano;
Ideia 3 – A liberdade não se distingue da “realidade humana”;
Ideia 4 – A existência não precede à liberdade humana;
Ideia 5 – O ser do ente humano não difere do seu ser livre.


O tópico discursivo é a liberdade humana. Note-se que, na ideia central, Sartre declara que a liberdade, agora, precede à essência humana. Então, primeiro o homem é livre. A liberdade é condição sui generis do homem, graças à qual ele pode escolher a sua essência. É o que nos ensina na segunda ideia. A liberdade do homem permite a ele definir uma essência para si. A terceira ideia sugere que a liberdade e a condição humana são a mesma coisa. Uso o termo “condição humana” como equivalente à realidade humana. No entanto, penso que por realidade humana, Sartre entende o modo de existir que é inerente ao homem. Esse modo consiste em ser livre. Por isso, ser humano e ser livre são uma mesma coisa. A quarta ideia nos diz que o homem não existe primeiro para então ser livre. Logo, existir para o homem é ser livre. Isso é confirmado na última ideia, em que Sartre diz que o ser do ente humano é ser livre, ou seja, não há diferença entre ser humano e ser livre.
Alguns comentadores de Sartre sugerem que a essência humana, em Sartre, é a própria liberdade. No entanto, o próprio Sartre diz que a liberdade “torna possível a essência do ente humano”, do que se conclui que a essência é outra coisa que não a liberdade. Por outro lado, ele mesmo diz não ser possível traçar uma distinção entre a liberdade e o ser da realidade humana. Se Sartre entende por “ser” a essência e por “realidade humana” o modo de existir próprio do homem, a interpretação segundo a qual “a essência do homem é a liberdade” se torna lícita, não obstante Sartre dizer que a liberdade precede à essência. Nesse caso, não se deve responsabilizar o leitor, mas o próprio Sartre que não parece ter-se esforçado por buscar a clareza na exposição de suas ideias.
Seja como for, uma ideia é clara: segundo Sartre, não há existência para o homem que não suponha sua liberdade. Existir para o homem é ser livre. Creio que esse último enunciado sintetiza bem a compreensão do referido trecho de Sartre. Mas insisto em que a compreensão é sempre um trabalho em cujo desenvolvimento se abrirão lacunas ou caminhos para novos sentidos. Pode-se alcançar – e é necessário que assim se faça – uma compreensão global do texto, mas nunca uma compreensão definitiva que aprisiona o sentido. Vale sempre a lição: os sentidos são múltiplos e tomam direções diversas.
O leitor alcança a compreensão global quando é capaz, ao final, de reelaborar com suas próprias palavras o sentido atribuído ao texto. Evidentemente, esse sentido não pode ser qualquer um; mas tem de estar previsto pelo texto. Tem de estar entre os sentidos potenciais do projeto de dizer do produtor do texto, ainda que de todos os sentidos possíveis o produtor não esteja nem consciente nem sobre o controle.

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